A vaidade é cega

"A vaidade, quando é muita, leva o vaidoso a cometer vulgaridades".

Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil

temer - Rafaela Felicciano/Metrópoles

Pródigo em produzir pilhérias contra si mesmo, o governo Temer deletou ontem, no festejo de seus dois anos, o slogan “O Brasil voltou, 20 anos em 2”, depois que a vírgula sumiu na zoada das redes sociais. A frase pode fazer história como aquela atribuída ao general-presidente Costa e Silva: “Pegamos o país à beira do abismo e demos um passo à frente”. Com o mote alterado, o balanço foi apresentado em uma cartilha que é um monumento à vaidade de Temer, pelo que diz e pelo que omite.

Só a vaidade explica que ele tenha se posto no píncaro da glória, ignorando solenemente a reprovação a seu governo e a seu próprio desempenho (de 71% e 82,5%, respectivamente, segundo a pesquisa CNT/ MDA divulgada anteontem). O balanço não menciona as duas denúncias contra ele, sequer para gabar-se de que foram refugadas pela Câmara, omitindo o custo do aliciamento de votos. Seria pedir muito uma referência aos inquéritos em curso ou aos ministros investigados. Passemos então ao que foi feito, desfeito e não-feito. Ele diz ter cumprido o que foi escrito no documento “Ponte para o Futuro”. Uma impropriedade, pois a plataforma com que o MDB buscou apoio do mercado para o impeachment de Dilma Rousseff não corresponde a um programa de governo, sufragado pelas urnas. Ainda assim, as promessas ali contidas não foram cumpridas.

O documento sugeria, nas entrelinhas, que a remoção de Dilma traria tal nível de confiança aos agentes econômicos que, em seis meses, a economia estaria bombando. Para criar as condições pró-impeachment, a coalizão liderada pelo MDB, com Eduardo Cunha reinando na Câmara, cercou o governo dela, já às voltas com a crise das commodities e a desaceleração chinesa, jogando a economia no buraco. Com Temer empossado, a recuperação não veio, por conta de sua ilegitimidade, das evidências colossais de fisiologismo e corrupção, e do fiscalismo que liquidou com os investimentos públicos. O pibinho de 1% em 2017 foi uma visita da saúde, pois a economia segue capengando.

Pelo ajuste fiscal, Temer aprovou a PEC 95, que congelou o gasto público por 20 anos, mas o déficit continuou crescendo, e deve ser de R$ 159 bilhões este ano. A bomba vai explodir no colo do futuro presidente.

O “Ponte para o Futuro” prometeu a reforma previdenciária, que não saiu. A trabalhista foi aprovada mas governo e Congresso desistiram da medida complementar que corrigiria seus efeitos mais nefastos. A prometida segurança jurídica gerou quadro de maior incerteza no setor.

Há feitos que Temer pode mesmo comemorar, como o tombo na taxa de juros e a queda da inflação, que fechou em 2,9% no ano passado. Mas que tal uma palavrinha sobre algo que machuca os brasileiros, o preço da gasolina na bomba, que não para de subir?

Na área social, difícil dizer de quantos anos foi o retrocesso mas, pelo menos em relação à mortalidade infantil, pode-se afirmar que foi de 13 anos, período em que o indicador caiu continuamente, para voltar a crescer agora. Há pouco, Temer anunciou um aumento para o Bolsa Família mas não disse que isso foi possível porque o governo economizou a verba do programa, dele cortando quase um milhão de famílias.

Programas como o Ciência Sem Fronteira e o Pronatec acabaram. A Farmácia Popular tem tido pontos de entrega reduzidos. O Minha Casa, Minha Vida encolheu, especialmente na faixa de menor renda. A cartilha destaca a geração de 56,1 mil postos de trabalho com carteira assinada em março mas evita dizer que os empregos gerados são os que pagam até dois salários mínimos. Apesar da reforma trabalhista, continuam existindo 13,7 milhões de desempregados.

A vaidade, quando é muita, leva o vaidoso a cometer vulgaridades, como este balanço.