Privatização ameaça universidades e continuidade de pesquisas no país

Em meio a redução de investimentos para as universidades públicas, estudos trazem à tona o papel dessas instituições no desenvolvimento do Brasil. Segundo relatório Research in Brazil, as universidades particulares não produzem nenhum conhecimento para o país porque, além de não ter o incentivo da instituição, os empresários também não investem em pesquisas. Prova disso é que 90% das pesquisas, realizadas no país, são de instituições de ensino superior públicas.

Por Verônica Lugarini

Laboratório de pesquisa da Faculdade de Odontologia da USP - Marcos Santos/USP Imagens

Em meio à falta de orçamento para se manter com as portas abertas, a Universidade Brasília (UnB) debateu nesta quinta-feira (03) o “Papel Estratégico da Universidade e a Soberania Nacional” durante a UNE Volante. O local e tema não poderiam ser mais propícios.

No final de abril, a UnB anunciou que poderia deixar de funcionar no mês de agosto por conta do rombo orçamentário de R$ 92,3 milhões. Para tentar conter os gastos, a instituição anunciou a possibilidade do aumento no valor da refeição do Restaurante Universitário, a demissão de funcionários terceirizados e de estagiários da universidade. 

Mas a crise e o desmonte das universidades não atingem apenas a UnB, mas todas as instituições de ensino superior público no país. Em 2017, o Ministério da Educação sofreu redução de R$ 4,3 bilhões no orçamento, de acordo com o Ministério de Planejamento.

Essa redução dos investimentos, além de impactar no funcionamento da universidade, atinge também as pesquisas realizadas no Brasil. Mais de 90% das produções acadêmicas são feitas em instituições públicas e 84% das matrículas de mestrado e doutorado também são dessas universidades

Ainda segundo o relatório Research in Brazil, disponibilizado pela Clarivate Analytics à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), as universidades particulares não produzem nenhum conhecimento relevante no Brasil. Ou seja, o estudo desmistificou que qualquer universidade, pública ou privada, é emancipadora no âmbito do conhecimento e da pesquisa.

No ranking do relatório, a Unicamp ficou em terceiro lugar, atrás apenas da USP e da Unesp. Outro fator relevante é que os grandes empresários brasileiros não investem em pesquisa. Nas parcerias de pesquisa com empresas, a única grande empresa que investe de forma relevante em desenvolvimento tecnológico no Brasil é uma estatal, a Petrobras. Exceto o setor farmacêutico, que é o único setor apontado com investimento em ciência e tecnologia.

Depreende-se, portanto, que as instituições públicas de ensino superior são os pilares que sustentam as pesquisas e o avanço da educação, ciência e tecnologia no Brasil.

Cortes nas universidades

Em apenas 2 anos, o orçamento do governo destinado à educação superior foi reduzido em mais da metade. Em 2015, os repasses para as universidades chegaram a R$ 13 bilhões, enquanto em 2017, foi menos de R$ 6 bilhões. Na área de Ciência e Tecnologia houve uma queda ainda mais drástica, foram investidos quase R$ 6 bilhões em 2015, já em apenas R$ 1,3 bilhões.

Segundo Tamara Naiz, presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), há uma falta de projeto para a educação no país com o governo Michel Temer. “Estamos rapidamente desconstruindo nossas possibilidades de futuro, sendo que temos milhares de jovens que sonham em ajudar a desenvolver nossa ciência, que têm qualificação e formação, mas hoje essa juventude anda sem perspectiva de ingresso, permanecia e acesso ao mercado de trabalho. Tudo é fruto da política de desmonte que esse governo vem promovendo”, disse Tamara.

Privatização

A presidenta da ANPG também chamou atenção para a intensificação das tentativas de privatização da educação nos dois últimos anos. Mostra disso é a sugestão do Banco Mundial de acabar com o ensino superior gratuito no Brasil.

O relatório desconsiderou que uma possível cobrança não resolveria a crise nas universidades públicas e pior, a cobrança aumentaria a desigualdade social, agravando o endividamento estudantil como já acontece nos Estados Unidos, por exemplo.

“Vivemos um momento de ofensiva do neoliberalismo e das ideologias que defendem a redução do papel do Estado. Nós não podemos aceitar que a universidade seja descaracterizada e que a educação seja um serviço disponível na Bolsa de Valores porque se hoje, com esse conceito, já está fortemente na Bolsa, imagine se perdermos o conceito de educação [pública]”, disse Tamara.