Governos de SP ignoram leis que beneficiariam moradia popular

A luta por moradia popular poderia avançar no Brasil, se leis como as que prevêem o IPTU progressivo, a função social da propriedade e o Estatuto da Cidade fossem cumpridas na prática. A afirmação é de Antonio Pedro de Sousa, o Tonhão, diretor da Federação das Associações Comunitárias do Estado de São Paulo (Facesp), que foi ouvido nesta quarta-feira (2) pelo Portal Vermelho.

Por Railídia Carvalho

Prédio com ocupação desaba no centro de São Paulo. 1º de maio de 2018 - Rovena Rosa/ Agência Brasil

O dirigente participa há 15 anos do movimento organizado de luta por moradia e reforma urbana em São Paulo, onde também exerce a função de Conselheiro Estadual de Habitação. Segundo Tonhão, a cidade e o Estado de São Paulo são exemplos de gestões públicas que não aplicam as leis e também não investem em política de habitação para populações de baixa renda.

A ausência de política pública na capital paulista é apontada como responsável pela tragédia ocorrida na madrugada desta terça-feira (1), no centro da cidade. Um prédio ocupado por 150 famílias pegou fogo e desabou. Segundo os bombeiros, são quatro os desaparecidos, entre eles um morador que estava sendo resgatado quando o prédio desmoronou.

A prefeitura divulgou que desconhece o paradeiro de 44 pessoas, cadastradas como moradoras do prédio em março do ano passado. Uma das hipóteses é de que nesse período de um ano as pessoas possam ter saído do local e por isso não foram encontradas.

Especulação vale mais que a vida

“Milhares de imóveis em São Paulo ficam abandonados por décadas e muitos casos são pela especulação imobiliária. O IPTU progressivo inibiria a especulação e poderia favorecer o cumprimento da função social”, lembrou Tonhão. Pelo IPTU progressivo, a alíquota para o proprietário sobe com o tempo se ele não fizer as benfeitorias ou ocupar a área.

                                                               Desabrigados do prédio que desabou na rua próximo ao local da tragédia
O descaso com a habitação popular é o mesmo quando se trata do estatuto das cidades, os fundos para habitação e os planos diretores, ressaltou Tonhão.

“O conceito que temos de moradia digna mudou com esses instrumentos legais. Não é mais aquele de construir uma habitação popular onde não tem nada mas sim de disciplinar o crescimento urbano e organizar no que diz respeito à moradia, saúde e educação. Mas, na prática, o orçamento não é repassado para a política de habitação e nem para regularização fundiária. Os avanços que aconteceram foram no governo Lula e com Haddad em São Paulo, que avançou nas regularizações fundiárias. Com o golpe o movimento de moradia voltou à estaca zero”.

Retrocesso

Responsável pela extinção do programa Minha Casa, Minha Vida Entidades, Michel Temer foi hostilizado por moradores ao ensaiar uma visita às vítimas da tragédia em São Paulo. Conquista dos movimentos populares, o programa financiava projetos de moradia para famílias com renda inferior a dois salários mínimos que estivessem organizadas em associações, movimentos e cooperativas. “A inviabilização desse programa foi violenta assim como a descaracterização das demais versões do Minha Casa, Minha Vida que produziu moradia popular em massa alcançando três milhões de moradia. Agora a prioridade é para aqueles que podem pagar mais”.

Sem oferecer políticas de habitação próprias, a cidade e o estado de São Paulo se “encostaram” no programa nacional Minha Casa, Minha Vida, contou Tonhão. “Participavam com pouca verba e se isentavam de fazer os próprios programas. Com o golpe, o governo Temer que regularizou terras da União para latifundiários fez retroceder, apoiado pelos governos de São Paulo, a transferência de terras e prédios da união para a habitação popular”, completou Tonhão.

Na opinião dele, a demora na transferência para o município do imóvel que desabou poderia evitar a tragédia do dia 1º de maio. O prédio pertence à União. “Há uma demora proposital. Se não tivesse é possível que as famílias pudessem ter tido a condição de revitalizar o prédio, promovido condições de habitabilidade através de um financiamento ou através de locação social abaixo do preço do mercado”. Tonhão lembrou ainda que “a prefeitura mesmo que não apresentasse uma solução definitiva teria condições de proteger as famílias com orientações preventivas”.

Linha dura contra movimentos

As primeiras reações do poder público e da mídia paulista deixou o movimento social em alerta. O governador Márcio França (PSDB) afirmou que os moradores da ocupação “procuravam encrenca”. O prefeito tucano João Doria, licenciado para concorrer às eleições de outubro, afirmou que no prédio ocupado funcionava “uma facção criminosa”. Para Tonhão (foto), é possível que o poder público radicalize o combate às ocupações na cidade.

Nesta quarta-feira, ele participaria, ao lado de integrantes de diversos movimentos de moradia, de um encontro com o secretário municipal de habitação de São Paulo, Fernando Chucre. “A secretaria municipal ainda é uma instância que dialoga com os movimentos. Queremos evitar essa criminalização do movimento de moradia reivindicando medidas para ajudar na segurança nas ocupações e não criminalizar”, afirmou Tonhão. Segundo ele, circula determinação de que as próximas ocupações devem ser desfeitas nas primeiras horas. “Para desmobilizar vai ser com uso da força policial”, alertou.

Ocupações: Denúncia social

O dirigente ressaltou a importância política das ocupações no centro como forma de denúncia social. “As ocupações são uma forma de luta. Mas do que às vezes resolver o problema da habitação é uma forma de denúncia. É mentira que falta terra e que faltam áreas para se construir em São Paulo. Tanto no centro quanto em outras regiões da capital tem prédio, galpão abandonado, tem terrenos gigantescos e largados há décadas”, enfatizou Tonhão.

Segundo ele, o que falta é o poder público subsidiar a habitação popular na cidade e no Estado. “Em vez de tropa de choque, reintegração de posse e ação judicial, o poder público deveria fazer habitação social nos prédios ociosos. Estudos mostraram que a capacidade de moradia é maior do que o déficit habitacional na cidade”.

Movimentos calculam um déficit de 230 mil moradias na cidade de São Paulo diante de 400 mil imóveis desocupados, segundo dados divulgados em 2009 pela prefeitura.