“Universidade não pode calar diante das chacinas diárias”, defende UNE

Violência. Feminicídio. Criminalização da juventude negra e pobre. Chacinas nas periferias, mas também a poucos metros dos portões da Universidade. Todo esse cenário de horror compõe o cotidiano do brasileiro. No Ceará, a juventude testemunha perplexa cenas de barbárie como a facção criminosa que filmou a tortura, assassinato e decapitação da cabeça de três mulheres. 

UNE Volante - Davi Dutra

O Brasil vive uma intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro e até o momento ninguém foi preso pela execução de Marielle Dias. Diante desse grave cenário, a UNE Volante promoveu o debate “O papel estratégico da universidade na efetivação de políticas de segurança pública” realizado no Campus de Direito da Universidade Federal do Ceará nesta terça-feira (24).

Mediado pela presidenta da UNE, Marianna Dias, o debate contou com a participação de Rogério Chaves “Babau”, educador popular e líder comunitário; Hélio Leitão, Ex-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB CE) e Ex-Secretário de Estado da Justiça e Cidadania do Ceará; José Raimundo Carvalho, Coordenador da Pesquisa de Condições Sócio Econômicas e Violência Domestica e Familiar contra Mulher (PCSVDF); Helena Vieira, Escritora transfeminista e membro do Fórum Cearense LGBT; Mariana Lacerda, Ex-Diretora de Direitos Humanos da UNE e Jessy Dyane, vice-presidenta da UNE.

Marianna Dias iniciou o debate pontuando que a juventude perde o acesso à cultura e também perde o direito de ocupar os espaços públicos quando a violência rouba a pauta cotidiana e o jovem se vê obrigado primeiro a sobreviver.

Babau contou sobre a violência brutal que convive todos os dias e cobrou uma postura menos passiva das Universidades do Ceará: “Meus camaradas de periferia sofrem violência todo dia. E até nossa segurança virou mercadoria de troca em época de eleição. Além de sofrer violência pela cor da pele, a gente sofre por questões territoriais já que moramos em lugares que as facções dominaram. Na teoria, a Universidade tenta ajudar a questão da segurança pública, mas a verdade é que na prática pouco anda conseguindo fazer, tá ligado? Na verdade, vocês me desculpem, mas se ficar teorizando e não fazer nada, não adianta”, relata visivelmente emocionado e indignado.

E completou: “As facções estão em todo território nacional e a Universidade demorou muito para convocar o debate. Se a Universidade não se assumir como Estado legal, ela vai perder espaço para o poder paralelo. Para se fazer alguma coisa, a guerra precisa chegar na cozinha de casa como aconteceu com a chacina do Benfica?”.

Ampla violência

Helena Vieira denuncia que a escalada de violência é ampla. “Travestis, transsexuais e mulheres estão sendo mortas no Ceará. Os indesejáveis estão sendo exterminados. Precisamos defender a vida radicalmente com recurso e pacto com a Universidade Federal, Estado e sociedade. É dever da Universidade não se calar e produzir extensão universitária que dialoga com a periferia e com a comunidade. A polícia do Ceará lembra a polícia da ditadura. Se um secretário recebe a população LGBT com uma arma pra mostrar macheza, significa que não temos a mínima condição de assistência e diálogo”, disse.

José Raimundo Carvalho representa o Instituto Maria da Penha e também foi incisivo sobre o papel da Universidade. “Infelizmente, a Universidade é omissa com relação ao problema de segurança pública. Em 2012, o Ceará virou a joia da coroa no tráfico de drogas no Brasil. Estamos muito mais inseguros do que o Rio de Janeiro. A taxa de homicídio aqui é o dobro de lá. A Universidade não se pronunciou sobre a chacina do Pici. É desesperador toda essa situação e como professor estou envergonhado”, disse em diálogo com a presidenta da UNE que relembrou a importância da Maria da Penha. “A violência doméstica e os preconceitos são fomentadores da violência e precisamos sempre lembrar disso para acharmos soluções”, destacou.

Mariana Lacerda defendeu a desmilitarização da polícia e afirmou que é vital a Universidade travar o combate das ideias e das narrativas para a diminuição da violência “O policial militar vai para a rua pronto para uma guerra. E talvez eles acreditem que o desejo da sociedade seja realmente a eliminação do ‘indesejado’. O famoso ‘bandido bom é bandido morto’. No entanto, o indesejado muitas vezes é uma pessoa sem a mínima condição de subsistência. A mentalidade enraizada contribui para a violência. Precisamos romper com a escravidão para acabar com a morte dos negros e negras e isso só se faz mudando mentalidades. Esse é um dos papeis da Universidade. Cabe a Universidade propor, questionar, pesquisar e se colocar sobre a questão de segurança pública. No entanto, cabe ao Estado agir de fato na solução do problema.

Disputa de ideias

Hélio Leitão deixou explícito a dificuldade da Universidade no combate no campo das ideias. Para ele a Universidade precisa competir com os midiáticos do quilate de Ratinho e Datena para combater a ideia de bandido bom é bandido morto. “Se não se contextualiza tudo que precisa ser conquistado para se ter segurança, não dá nem para julgar as pessoas que acham que essa ideia seja a única solução. Afinal, a bancada da bala e diversas carreiras políticas são catapultadas por esses programas policiais. E é nesse ponto que a Universidade precisa entrar na guerra de narrativas e propor alternativas. Por exemplo, no Uruguai, esses programas policiais só são exibidos depois das 21h. O que aconteceu? Eles não conseguiram se manter na programação depois da limitação de horário. Por que não podemos pensar políticas públicas assim no Brasil?” disse.

Leitão também explicou os problemas da militarização. “Policiais militares são incapazes de diálogo porque são treinados para o combate. Segurança pública é garantia de direito e, infelizmente, o militarismo não é condicionado a isso. E veja, eu sou a favor da polícia, mas sou contra a militarização. Percebam a diferença. A inteligência policial é mal formada. São apenas 4 meses de formação aqui no Ceará”, conclui.

Os estudantes das DCEs do Ceará também participaram do debate. Alguns pontuaram que nas Universidades brasileiras o acesso à cultura e segurança andam lado a lado. Não raro, festas são proibidas quando ocorrem roubos e estupros. Nesses casos, parte das reitorias culpam os estudantes por excessos com bebidas e drogas. Por sua vez, os estudantes defendem que a efetivação da seguranças nos campos seja pela garantia de uma estrutura básica: iluminação e transporte, por exemplo.