Estado mínimo: Ajuste derruba investimento público e atrasa retomada

 O investimento público no Brasil despencou em 2017 e chegou ao menor nível em 50 anos, 1,17% do Produto Interno Bruto (PIB) – reflexo de uma estratégia de redução do tamanho do Estado e ajuste fiscal apenas pelo lado da despesa. Os valores aplicados não são mais suficientes nem mesmo para garantir a conservação das estradas, prédios e maquinários do poder público. Para o economista Sérgio Gobetti, em momento de recessão, o corte foi indevido e pode atrasar ainda mais a recuperação.

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“O investimento já está em nível que não cobre sequer o gasto de depreciação, a manutenção da infraestrutura. Num quadro de enorme instabilidade econômica, com o setor privado retraído para fazer investimentos, se o setor público está com a infraestrutura sucateada e com baixo nível de investimento, a tendência de recuperação é muito mais demorada”, aponta Gobetti, em conversa com o Portal vermelho.

Matéria de O Estado de S. Paulo, nesta sexta (27), informa que os R$ 76,9 bilhões aplicados pelo setor público no ano passado não cobriram sequer a perda de valor dos ativos públicos, provocando um “desinvestimento” de R$ 36,5 bilhões.

Os dados tornam ainda mais cristalina a estratégia de redução do papel do Estado na economia, de transferir para o setor privado a responsabilidade pelo investimento.

Corte progressivo

Estudo de Gobetti e do também economista Rodrigo Orair indica que, antes de 2017, os momentos de menor investimento público ocorreram em 1999 e 2003, quando atingiram cerca de 1,5% do PIB. A diferença é que, nesses períodos, logo voltaram a crescer.

Agora, no entanto, há um processo de redução gradual e contínuo. Após o ajuste forte de 2015, que jogou os investimentos no chão, os valores aplicados não voltaram a subir e agora chegam a esta grave situação.

“Houve um período de grande extensão de investimento público, no governo militar. Aí o investimento cai bastante ao longo dos anos 1980, teve alguns soluços de recuperação, e parecia entrar em trajetória de crescimento sustentado depois de 2006, 2007, quando chegamos a um índice razoável, da ordem de 2,8% do PIB, quando consideramos a administração pública, sem incluir as estatais. A partir de 2010, voltou a cair e, em 2014, houve uma recuperação. Mas, com o ajuste fiscal, em seguida, os investimentos têm caído progressivamente”, detalha Gobetti.

Impacto na economia

Em momentos de dificuldades fiscais, a estratégia adotada tem sido a de cortar gastos. E os investimentos são sempre a despesa mais afetada. Para Gobetti, com o grau de restrição fiscal que o país tinha, era difícil continuar elevando o investimento como aconteceu no passado. Mas o grau de redução “foi indevido”, avalia.

“O investimento público é, em geral, a variável do ajuste. Mas se está sempre olhando para o indicador de resultado primário, não se consideram os efeitos indiretos que a própria queda dos investimentos públicos pode trazer para o crescimento econômico e, portanto, para a saúde das finanças públicas. Acho que uma coisa é o investimento não crescer como vinha antes, mas podia ter havido ação mais cautelosa, de manter mais estável o investimento público”, opina.

Para o economista, é grave a produção de déficits fiscais no Brasil – especialmente pelo tamanho da dívida pública e pelos juros elevados praticados no país –, mas é “improdutiva” a tentativa de reduzi-los, via corte de investimentos públicos, uma vez que isso agrava a deterioração do quadro econômico e, portanto, pode ter efeitos sobre a própria arrecadação do governo. “Nesse sentido, acho que, numa situação de grave recessão, como a que a gente veio vivendo, [o corte drástico de investimentos públicos] não era a melhor forma”, diz.

Alternativas

A alternativa, segundo ele, seria apostar em um ajuste de médio e longo prazo, que procurasse tomar algumas medidas pelo lado da receita no curto prazo, que não afetassem tanto o crescimento econômico. “Era preciso rever as desonerações tributárias de modo mais amplo e a tributação de renda que temos no país”, defende.

Uma das medidas que o economista tem defendido é acabar com a isenção de imposto de renda sobre lucros e dividendos, que são os valores recebidos por quem tem participação em empresas.

Ao mesmo tempo, ele menciona a necessidade de realizar algumas reformas com impacto sobre o gasto públicos. “Mas essas reformas são mais complicadas, e, em uma situação de crise política como a que vivemos, é muito difícil produzir reformas que sejam consensuais, como parte de um acordo mais equilibrado na sociedade. Ninguém quer pagar a conta, e os grupos de interesses com mais força acabam predominando e se safam dos esforços de ajuste”, constata.

Fim de privilégios

Ele aponta a necessidade de revisão dos subsídios e de estabelecer uma correção tanto nas despesas com pessoal, quanto com benefícios. Para Gobetti, é preciso acabar com privilégios de uma elite do setor público.

“O problema é que, em geral, as reformas viáveis constitucionalmente, não tocam nesses privilégios, seja porque reverter alguns privilégios implicaria tocar em direitos constitucionalmente adquiridos, seja porque há um lobby muito forte de determinadas castas do setor público”, afirma, citando como exemplo o fato de membros do Judiciário possuem uma série de vantagens financeiras, que escapam do teto salarial e da tributação do Imposto de Renda, como é o caso do auxílio moradia.

O economista colocou que, num país ideal, a melhor solução passaria por um grande acordo nacional. “O mais correto seria que empresários admitissem que não tem sentido que lucros e dividendos permaneçam isentos, que a elite do serviço público reconhecesse que não tem sentido que tenha alguns privilégios que têm hoje, e que trabalhadores do setor privado admitissem que não é razoável que, no século 21, se aposentem tão cedo. Mas a gente vive um conflito distributivo e, nele, ninguém vai aceitar perder isoladamente”, avalia.

Sem vigor

Questionado se crê que, no atual cenário em que minguam os investimentos públicos, o setor privado se sentir estimulado a investir, ele respondeu: “Eu acho que chegamos tão no fundo do buraco, que obviamente algum crescimento, alguma retomada nos investimentos nós podemos ter. Mas a possibilidade de isso acontecer de forma mais sustentada e com mais vigor exigiria uma atuação conjunta do setor público com privado”.