Superar a gestão cultural privatista e autoritária dos governos PSDB

Convenhamos: tucano é uma ave esquisita. Até hoje, não se entende bem por que cargas d’água o PSDB a escolheu para símbolo.

Por Elder Vieira*

geraldo alckmin arquivo google

O tucano peessedebista não é propriamente esquisito, mesmo levando em conta aquele azul e amarelo desbotados. É neoliberal mesmo, coitado. E todo neoliberal é obsessivamente privatista. Se a coisa não é privada, não assenta. Para tucano, este ser politicamente esquizofrênico, se algo é público, necessariamente é preciso entregá-lo ao mercado, because… só o mercado salva.

Esse amor ao mercado, traduzido em vocação privatista, é especialmente exacerbado no tucanato paulista. É que tucano paulista é portador da síndrome jesuítico-bandeirante, em que fé e espada se aliam num delírio, cuja miragem é a “província-locomotiva da Nação”, forjada pela ideologia empreendedorista, a la self-made man, corporificada nos mitificados Anchieta, João Ramalho, Manuel da Nóbrega, Borba Gato, Anhanguera e Raposo Tavares.

Por palavras mais chãs, os tucanos acreditam na história de que São Paulo é o berço do mais puro capitalismo concorrencial e da democracia supostamente propiciada pelo mercado, a ágora
moderna.

Por isso que, para um tucano, tipo assim… Geraldo Alckmin (só um exemplo; nada pessoal), tudo é assunto privado. Esse negócio de “política pública” chega a ser indecente. Ainda mais se o sujeito é um tucano-chuchu apostolicum opus dei (uma variação mutante da espécie, recentemente catalogada), para quem "coisa pública", ou República, soa… como diremos… a “mulher pública” – uma pouca vergonha.

Ora, se tudo é assunto privado, a ser negociado na Bolsa ou em gabinetes infensos a delações premiadas, por que a cultura, e a cultura paulista em particular, não seria? Ainda mais se considerarmos que as quatro cadeias econômicas mais dinâmicas da cultura têm muita força no estado de São Paulo. O audiovisual, o livro, a música e os espetáculos movimentam altas somas de recursos públicos e privados, e colaboram significativamente com a massa de salários e com a produção total de riqueza da mais rica unidade da federação. Some-se a isso uma significativa rede de equipamentos públicos e semi-públicos de cultura e uma enorme demanda por acesso represada. Um maná para neo-líbero-bicudo nenhum botar defeito!

A fórmula que o PSDB encontrou para lidar com a cultura em São Paulo é a seguinte: lei de renúncia fiscal mais organizações sociais.

Como funciona?

Simples: o Proac – o Programa de Apoio à Cultura do Estado de São Paulo – segue o modelo do Pronac – Programa Nacional de Incentivo à Cultura, instituído pela Lei Rouanet, e que foi a única política de cultura do governo FHC: o produtor, ou qualquer outro proponente, apresenta ao governo projeto de espetáculo, filme, livro, feira, etc. O governo analisa, aprova e manda o sujeito captar no mercado, junto a empresas, que descontarão do imposto que devem a grana que aportam na proposta. Ocorre que quem resolve o que apoia ou não é o departamento de marketing das empresas privadas. Resumo: o Estado se desresponsabiliza e entrega na mão do mercado de marcas a produção e circulação culturais.

Resta o problema do acesso. Como se livrar, se desresponsabilizar de mais essa. Aí é que entram as Organizações Sociais, as famosas OS.

Os neoliberais têm uma manha que não falha: sucateiam equipamentos, empresas, fundações e políticas; pagam seus jornais e emissoras com anúncios a preços polpudos para denunciarem o descalabro do setor, vítima do descaso e do abandono; sacam da manga do smoking o surrado argumento da ineficiência do poder público; e publicam um edital de privatização disfarçado de concessão.

Assim fizeram com a Pinacoteca e demais equipamentos públicos de acesso à cultura.

Segundo dados da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo (SEC), o orçamento total para a cultura previsto para 2017, incluindo as vinculadas (TV Cultura e Memorial da América Latina), foi de R$ 772.706.112,00. Um montante nada desprezível, ainda que insuficiente para o tamanho do setor no Estado. Todavia, esse valor sofreu um corte de 50% logo de saída. Desta metade, de 70 a 80% ficaram com as OS.

Bem, isso não é de hoje.

Já em 2015, conforme a mesma Secretaria, as OS ficaram com 59% do orçamento total da cultura. Tirando as vinculadas, que têm rubricas próprias, são Unidades Gestoras de orçamentos próprios, as OS abocanharam 79% do orçamento direto da SEC. Ou seja, dos 617 milhões do ano, as OS ficaram com 487,4 milhões.

O que fazem as OS com tantos contos de réis?

Segundo mais dados da SEC, 60% do repasse do Estado às OS é gasto em recursos humanos. Em 2014, por exemplo, eram 5.553 celetistas contratados pelas organizações. A SEC inteira tem a incrível cifra de… 250 funcionários.

Mas… além de cobrir custos, as OS podem… aplicar esse dinheiro no mercado de capitais. Olha que coisa boa! Podem cobrar ingressos, estacionamento, vender produtos, ter café e cantina com lucro e podem – olha como o Estado é bom para os negócios – usar as leis de incentivo à cultura e pegar um dim-dim com as empresas privadas por meio da renúncia fiscal. Não é o máximo?!

Em 10 anos (2005-2015), e de novo a fonte é a SEC, foram aplicados 252 milhões em editais de apoio a projetos culturais e às produções das diferentes linguagens artísticas. Aquelas coisas que não cabem no Proac, manja?, mas que não tem como ignorar. Pois é. Ocorre que, só em 2015, um ano apenas, o último da série histórica aqui analisada, as OS receberam quase 500 milhões. Em 2014, foram quase 570 milhões. Ou seja: as OS receberam em um único ano mais que o dobro do que as artes somadas receberam em 10 anos.

Todo o setor de artes cênicas, nestes 10 anos, recebeu 53 milhões. O audiovisual todo, 46 milhões. Artes visuais, 9 milhões. Já cada OS das 27 conveniadas com o Governo recebeu por ano, numa média grosseira, só para efeito de comparação, algo em torno de 18 milhões.

– Ôrra, meu! Como os cara faz isso e a gente não tá sabendo, mano?

Outra coisa que tucano não tolera: gente dando pitaco em política. Pense na birra que o empenado fica! Pra tucano neo-plus-ultra-líber, um sujeito, se quiser, dá sua opinião na urna ou no supermercado, comprando ou não os produtos. Tá certo que quando a urna discorda do tucano ele dá golpe. Mas ele não quer falar sobre isso agora. O que ele quer deixar bem claro é que esse negócio de conselho participativo, inda se for de cultura, não tem cabimento. E se a lei obriga a ter, ele então é quem indica todo mundo; ele é que preside; ele é que aprova e desaprova, prende e manda soltar. Mania desse povo querer dar opinião, sô!

O resumo, cara leitora, caro leitor, é que a cultura do Estado de São Paulo, sob os governos do PSDB, ficou nas mãos de privados. A política foi de irresponsabilidade social e de grande amizade empresarial. A esse conceito privatista, some-se uma gestão opaca, fechada, autoritária, que, sabe lá Deus, a quais parceiros, emplumados ou não, beneficiou.

Passou da hora de São Paulo viver uma política cultural democrática e democratizadora, pluralista, republicana, capaz de dinamizar ainda mais as cadeias econômicas do setor criativo – cheio de entraves e de relações assimétricas -, e de garantir acesso aos meios de produzir, distribuir e fruir a cultura de todas as regiões do Estado.

Apostemos que essa hora, por ser construída a partir deste processo eleitoral já em curso, soe o quanto antes.