Fórum Social Mundial: resistência que ultrapassa fronteiras

Sob o mote de resistência, Salvador, uma cidade que carrega em sua cultura e no seu cotidiano algumas das marcas históricas mais profundas da colonização brasileira e palco de transformações e lutas por uma sociedade mais justa, acolheu movimentos sociais de diversos continentes para dar vida ao Fórum Social Mundial, em meio à um cenário de instabilidade política, crises, conflitos e aumento de desigualdades em âmbito global.

Por Juliana Corrêa*

Fórum Social Mundial - Divulgação

O Fórum, cujas atividades se iniciaram no dia 11 de Março, com a abertura do Acampamento Intercontinental da Juventude, evidencia a urgente necessidade para a construção de novas formas de engajamento político e de convergências entre os movimentos sociais para que se contraponham ao unilateralismo predominante no sistema internacional e indutor das desigualdades entre os povos.

O cenário internacional não poderia ser mais complexo neste momento. A nova ordem mundial que se estabeleceu nos anos 1990, hoje encontra-se em uma crise estrutural, com a ascensão de movimentos nacionalistas, xenofóbicos e de extrema direita em meio à falta de representatividade nas democracias e desafios socioeconômicos que o modelo neoliberal é incapaz de resolver, como a crescente desigualdade social. Diante desta conjuntura, não é surpresa que as injustiças e os conflitos entre os povos ao redor do mundo se intensifiquem com as tentativas de reorganização do capital financeiro, advindas das grandes potências, que ao proteger suas economias, o fazem em detrimento da soberania e do desenvolvimento dos países periféricos e emergentes, como o Brasil, China e Venezuela, dentre outros.

Se não bastasse esta crise estrutural, a própria natureza da Globalização tem se transformado frente à novos padrões nas relações internacionais devido à emergência da China como potência, ao mesmo passo em que os EUA se isolam e passam a ser um ator internacional reativo e inconsistente, dado a Presidência de Donald Trump. As transformações que estamos testemunhando impõem uma nova dinâmica a todos nós, na qual as tensões que perpassam entre Rússia, EUA e Coreia do Norte tornam-se mais agudas, tampouco podemos fechar os olhos para as consequências da Guerra ao Terror de Bush que hoje eclode em conflitos no Oriente Médio e na maior crise de refugiados da história recente.

O fato é que nos últimos 20 anos, o sistema internacional mudou e assumiu uma nova configuração, onde as incertezas são maiores e no qual a visão Ocidental acerca dos problemas e desafios é incapaz de oferecer respostas. Os maiores símbolos das estruturas de poder bélico, econômico e simbólico do imperialismo das grandes potências ocidentais (como a OTAN, FMI, e o Consenso de Washington) enfrentam como ameaça, a ascensão de uma alternativa multilateral ao sistema internacional dominado pelos EUA e União Europeia por meio de iniciativas como o BRICS, a ascensão da China como potência e o aumento da cooperação sul-sul, como o Mercosul e o IBAS, que são fundamentais para disputar novas estruturas para a ordem internacional.

Na América Latina, a vitória de governos progressistas entre o final dos anos 1990 e meados da década de 2010, cumpriu um papel imprescindível em um amplo processo de disputa das narrativas e posicionamentos internacionais. A integração entre os países da região, como um bloco de enfrentamento, integração e o fortalecimento de uma identidade latino-americana, possibilitou maiores condições aos movimentos sociais em âmbito doméstico em todos os países.

No Brasil, a chegada de governos progressistas e movimentos sociais ao poder, significou grandes avanços na Educação, sobretudo através da popularização do acesso às universidades e mais oportunidades para a juventude em toda a sua diversidade. Contudo, esta mesma juventude, hoje se depara com os retrocessos de um governo desinteressado em garantir um futuro para o povo e cujas políticas são o reflexo de uma nova tentativa de manutenção do sistema capitalista.

Os projetos de soberania nacional e a autodeterminação dos povos são construção dos movimentos que estão na base da sociedade e disputam assiduamente as narrativas políticas e as estruturas que mantêm países como o Brasil em uma posição de dependência com as potências e com os centros do capitalismo mundial, em uma lógica de dominação Centro-Periferia. Esta lógica de dependência contribui para uma extrema desigualdade social, sobretudo nos países em desenvolvimento que, devido às diversas formas de dominação imperialista, se submetem às políticas de abertura de mercado e “Reformas Estruturais” que tolhem direitos sociais e oportunidades para a sociedade.

Sendo este o caso da Educação no Brasil e na América Latina em nossos dias, que se encontra ameaçada, por ser vista como um mercado frutífero aos interesses dos grandes grupos capitalistas, que buscam remover o caráter crítico da educação para a formação de uma mão de obra desinteressada em transformar o mundo ao seu redor. Infelizmente, no marco do centenário da Reforma de Córdoba, o que se vê é a continuidade de antigas pautas dos movimentos estudantis ainda em pauta num cenário de lutas.

Contudo, uma coisa é certa: a emancipação da América-Latina está intrinsecamente ligada ao papel da Educação e a formação de uma sociedade capaz de criticar as estruturas e de colocar em prática um novo modelo de pensamento intelectual, social e político autônomo. Não à toa, as grandes potências têm como a principal base de manutenção de seu poder, a dominação simbólica dos discursos, narrativas e pensamento social, sobretudo através da detenção de produção intelectual e cultural, que podemos denominar Soft Power.

No Brasil, podemos ver como as disputas entre os campos progressistas e conservadores evolui. Desde as Jornadas de 2013, as narrativas sobre o que é o Brasil, seja à esquerda ou à direita, enfrentam-se em todas as arenas, sobretudo na política, moral e cultural. Grupos conservadores, baseados nas mesmas lógicas das chamadas “Revoluções Coloridas” e inspirados em novas formas de engajamento pela internet, colaboraram para que o Brasil desse uma guinada conservadora e reacionária, causando um momento de amplos retrocessos sociais com as “Reformas” de Temer, com destaque para as ameaças à educação com projetos como a PEC do Teto do Gasto Público. Em pleno centenário da Reforma de Córdoba, o ataque ao caráter gratuito das universidades públicas e a desnacionalização do ensino superior privado são entraves que novamente entram em pauta e conclamam os movimentos sociais a se posicionarem na luta contra tais retrocessos.

Enquanto o mundo se reinventa através da 4° revolução industrial, de uma nova ordem internacional e de desafios, o Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, sofrem com a lógica de dominação Centro-Periferia, com as oportunidades de desenvolvimento podadas pelos interesses do capital. Portanto, torna-se latente também a necessidade de se reinventar a resistência e o engajamento dos movimentos sociais.

Nosso momento é de resistir, criar uma nova narrativa e gerar transformações. Portanto, a troca de experiências e conhecimento entre as gerações e a integração cultural se fazem urgentes e tiveram muito destaque nesta edição do Fórum Social Mundial, com indicativos de ampliação.

Sendo nítida, diante da grande participação da juventude e do movimento estudantil na passeata de abertura, bem como na construção de uma programação própria, a exemplo do baile das entidades estudantis, do Encontro de Culturas e da Assembleia Mundial da Juventude, que resultou em uma carta apontando a necessidade da luta frente aos atuais entraves vivenciados pelos jovens ao redor do mundo.

É fundamental que os movimentos sociais possam convergir em uma agenda que ultrapasse os dias do Fórum, para que se chegue até as bases sociais em cada continente, assim como o movimento estudantil têm se proposto fazer com o debate do Centenário de Córdoba, a UNE Volante e a campanha contra a mercantilização do ensino superior. O principal desafio está em encontrar meios de alavancar este já importante espaço. Afinal, se antes a atuação da sociedade e dos Estados como contraponto ao unilateralismo era de suma importância, hoje é ainda mais. É crucial, principalmente, que este necessário contraponto seja também construído pelos movimentos sociais de todo o mundo, em consenso, a fim de fortalecer políticas de Estado, que se sobreponham às políticas de governo regidas pelos interesses do mercado. Desta forma é que se poderá abrir caminhos alternativos, em que passará pelas demandas populares a consolidação da soberania nacional e a autodeterminação dos povos.