Na Argentina, tantas minas juntas sorrindo

Diz o cartaz levantado por duas adolescentes argentinas: “Se a revolução feminista é inevitável, relaxa e goza”. Então, há de se cumprir a consigna. Relaxar e desfrutar desta marcha de milhares e milhares de mulheres em Buenos Aires, que sorriem e avançam, no ritmo do candombe.

Por Martín Granovsky

Marcha de mulheres em Buenos Aires - Divulgação

Aparece uma magra de topless. Seios pequenos coloridos. No corpo, está pintado em tinta negra a seguinte frase: “o que é pessoal é político”.

Outra exibe seus seios mais volumosos e bamboleantes, e traz uma frase que aponta a outra problemática: “o ódio lesbotrans mata”.

Há muitas adolescentes de escola secundária e garotas maiores universitárias, além de mulheres representantes dos sindicatos, ou dos movimentos sociais. Quase todas chegaram para marchar em grupos grandes, mas às vezes perambulam entre duas ou quatro. Difícil encontrar aqui uma mulher sozinha. Ali está uma, é uma baixinha, que não deve ter mais de treze, e veste uma camiseta branca. Anda devagar, para que eu possa ler o que diz o seu cartaz: “quero caminhar sem medo”.

Não há bumbos, mas sim tambores e tamborins. Ta-ta-ta/tatá, ta-ta-ta/tatá, ta-ta-ta/tatá. Golpeiam com força, revirando as baquetas, e só fazem pequenas pausas para tomar uma água e logo continuar com a batucada. As que tocam são as de verde, com lenços pedindo aborto livre, seguro e gratuito. As de violeta trazem a cor da marcha internacional das mulheres. Verde e violeta combinados. Quase todas estão vestidas de verde ou de violeta, também nos rostos brilhantes, ou nos braços pintados. Ou no ventre desnudo, para aproveitar este final de verão.

Perto do monumento a Julio Roca, o exterminador de indígenas, um dos poucos grupos que não apelou ao candombe canta: “violências patriarcais/ feministas resistindo”, entre vozes suaves ressalta uma solista de timbre agudíssimo.

A palavra da moda nos movimentos sociais é “visibilidade”. Fazer visíveis os problemas ocultos para que, supostamente, seja mais fácil lutar pelas soluções. Se há algo visível nos últimos tempos na Argentina é esta marcha, onde a criatividade não é só grupal. Cada mulher parece ter decidido que, além de participar em alguma coluna ou na concentração gigantesca, ela mesma é portadora de uma mensagem. E por isso há centenas de milhares de mensagens variadas, de várias formas, tons, letras e calibres. São pouquíssimas as participantes que não levam seu lema. Às vezes na roupa, às vezes num cartaz, às vezes na própria pele, e até mesmo numa publicidade de sanduíche, com papéis amarrados entre o peito e as costas, mostrando mensagens a quem está à sua frente e quem está atrás.

“O silêncio nos torna cúmplices”, diz a cartolina mostrada por uma senhora que chama a atenção, em meio a um mar de jovens.

“Nem puta, nem tua”, diz o texto que flameia sobre uma camiseta cinza.

Outra camiseta mostra a seguinte pergunta: “por que serei tão puta?”.

Passa correndo uma moça com blusa violeta: “Eu aborto o patriarcado”. Ao seu lado, outra blusa diz: “puta, mas não tua”. E outra: “despedidas do Hospital Posadas”. Mais uma: “não há espaço para as mulheres engenheiras”.

Quase na esquina com a Rua Tacuarí, um cartaz exibe o desenho de uma escavadora tipo homens trabalhando. Diz: “homens nos matando”.

“A-qui-es-tão/ as-bru-xas…”, começa o canto típico, entre as ruas Hipólito Yrigoyen e Chacabuco. Dá a sensação de que não fala de bruxas como sinônimo da mulher mandona ou qualquer outra acepção patriarcal e antiquada entre casais. Fala de bruxas como as de Salem. Ou seja, mulheres queimadas na fogueira, e diferentes fogueiras que vêm mudando de forma e matando as mulheres através dos séculos.

É estranho o que acontece. O drama está em cada palavra e na história pintada em cada corpo. Mas não é um clima de tragédia o que surge desta marcha. Se parece mais ao orgulho coletivo, ao desafio, a alegria de ter dado este passo enorme. Que me desculpem as feministas se a frase é politicamente incorreta, mas não consigo descrever isso de outra forma: na história argentina, deve ser difícil encontrar outro exemplo de tantas minas juntas, em concentrações quase sem homens, marchando. E certamente nunca houve tantas minas juntas sorrindo.

Se a revolução feminista é inevitável, relaxa e goza.

Feito.