Colômbia e Venezuela, a disputa em uma fronteira de guerra

A fronteira entre Colômbia e Venezuela é uma das principais trincheiras na guerra contra a revolução bolivariana. Nesta região as agências de comunicação desenvolvem suas operações midiáticas; o presidente colombiano Juan Manuel Santos se propõe a endossar o discurso de “crise humanitária”; e se desenvolvem as forças paramilitares que controlam os corredores do contrabando. Não se pode compreender o conflito nacional e internacional contra a Venezuela sem esta fronteira.

Por Marco Teruggi

Fronteira entre Colômbia e Venezuela - Divulgação

Esta região de mais de 2.200 quilômetros tem territórios de maior tensão. Um deles está entre os estados de Táchira, na Venezuela, e Norte de Santander, na Colômbia, com as cidades de Sant Antônio e San José de Cúcuta, respectivamente. A partir de Cúcuta são produzidas grande parte destas imagens internacionais, as ações dos políticos que alentam a violência atual e as futuras. Nesta cidade aconteceu o atentado contra o candidato presidencial colombiano Gustavo Petro no último sábado (3).

Neste ponto também foi realizado o Encontro Unido Povos pela Paz, entre os dias 1 e 2 de março. As jornadas tiveram mesas de trabalho simultâneo de ambos os lados da fronteira para abordar diferentes eixos temáticos, e um show de encerramento em San Antonio, a poucos metros da ponte internacional Simón Bolívar, de onde mais de três mil pessoas assistiram ao espetáculo.

“O objetivo principal é fomentar ações corretas com a participação da comunidade pela construção da paz, e nos irmanarmos com o povo venezuelano que está sendo agredido pelo imperialismo norte-americano, com a anuência das demais nações poderosas do mundo, e com a cumplicidade do governo colombiano e o território colombiano que tem sido utilizado para ofender e atacar nosso país irmão”, disse Olimpio Cárdenas Delgado, porta-voz da Mesa Social pela Paz, e do Congresso dos Povos, organizações que formaram parte do encontro, junto a outras como Movimento Binacional de Integração pela Paz e a Rede estadual de Direitos Humanos.

Trata-se de um evento que se instalou no epicentro do conflito para disputar seu território, sentidos, atores, e colocar sobre a mesa a necessidade urgente de destruir/enfrentar os ataques políticos, comunicacionais e econômicos, e construir uma proposta fronteiriça que permita evitar o caminho que pretendem as classes dominantes colombianas. Para isso, a convocatória foi feita por organizações populares, sob a premissa de que não se pode alcançar uma reconstrução da fronteira sem o protagonismo popular, comunitário e social.

As guerras em curso

A ofensiva do governo e dos meios de comunicação colombianos contra a Venezuela se aprofundam em um cenário crescente de mortes no país: 317 líderes sociais foram assassinados em 2017, e 38 neste começo de 2018, dos quais, 6 em Norte de Santander. O processo de paz firmado com as Farc está em retrocesso crítico devido, entre outras coisas, ao retorno da política de massacre contra uma força desenhada pelas classes popularer – 40 líderes desmobilizados foram assassinados neste período.

Enquanto a mesa de diálogo com o Exército de Libertação Nacional (ELN) – última guerrilha da Colômbia – também está em crise. Isso se deve, segundo as matrizes de comunicação da direita, ao apoio que esta força insurgente supostamente recebe do governo venezuelano. Unificação de inimigos, política de guerra contra toda forma de paz, e uma tentativa de esconder os problemas evidentes: desnutrição infantil, gente nas ruas, um modelo econômico de marginaliza, expulsa e mata. Aí estão os números: mais de 5 milhões de colombianos vivendo na Venezuela.

Quem impulsiona estas políticas, são os mesmos que alimentam o racismo contra venezuelanos, falam de centros de refugiados diante do que denominam “crise humanitária”, se unem ao presidente para afirmar que a “migração de venezuelanos é o problema mais sério da Colômbia”.

Trata-se do aprofundamento do cenário de guerra que já existe há anos e agora está num momento de agudização devido às diretrizes do governo dos Estados Unidos, porque esta é a via possível de prejudicar a Venezuela.

A pergunta central para eles segue sendo a mesma: como tomar o poder politico na Venezuela. A resposta, no entanto, não aparece com clareza, não descartam nenhuma opção – a eleitoral parece distante em vista dos últimos movimentos – entre elas, uma possível intervenção via Colômbia, apoiada por forças irregulares e paramilitares. Quando? Com que identidade e sob que ato capaz de desencadear isso? Por ora existem hipóteses, cenários em construção como este de Cúcuta e as ações midiáticas dos grandes conglomerados.

As respostas

Trata-se de manter cenários de paz quando tudo empurra para a guerra: a economia, a comunicação, a diplomacia. Cada frente saiu do campo democrático como parte da estratégia contra o chavismo, e a intervenção já existe em formas não convencionais. Uma delas é a perda do poder da moeda nacional, algo evidente na zona de fronteira, onde se fala em pesos, ou no país de um modo geral, com a dolarização dos preços, faturas e pagamentos.

Diante de cada uma destas frentes existem respostas em desenvolvimento, não somente por parte do governo de Maduro, mas também dos movimentos populares, as comunas e a teia de organizações que existem nos bairros e no campo. São necessárias iniciativas que apontem nesta direção, construam outras narrativas, relações, disputem o território. Tanto do lado venezuelano, como do lado colombiano. Fica claro que o inimigo é o mesmo: asa classes dominantes de cada país subordinadas aos Estados Unidos.

O encontro binacional foi uma iniciativa nesta direção, a de não deixar livre o território para o controle paramilitar, instalar um cenário com 3 mil pessoas no centro de San Antonio, debater com mais de mil pessoas e Cúcuta. A estratégia contrária busca acuar a população, instalar o medo, o silêncio, a cultura paramilitar que passa a ditar as horas, os caminhos, os preços e até as formas de vestir do povo. Diante disso, devemos impulsionar a retomada dos espaços públicos, o debate. É uma tarefa complexa, ameaça por balas permanentemente.

Está em jogo desenrolar um quadro de guerras em ascensão, que busca novas etapas de confronto e parece disposto a destruir o que seja necessário para alcançar seus objetivos. A hipótese do caos, tentativa de fraturas e colapsos econômicos não são especulações acerca das estratégias inimigas, são a conclusão de análises de movimentos, discursos e atos concretos. É isso que estamos enfrentando, não somente o governo venezuelano, o chavismo como movimento históricos, mas todos aqueles processos políticos que não se subordinam a um imperialismo norte-americano que se encontra ameaçado por um mundo que já não está mais sob seu controle, como foi durante anos.