Eliana Gomes: A luta pelo direito de votar e ser votada

“Nos últimos anos, a agenda feminista tem destacado a questão da participação política da mulher. Cada vez mais, os espaços de debate abordam o tema, e deputadas e vereadoras colocam o assunto em pauta. Contudo, por mais que o avanço das discussões feministas traga efeitos positivos, sua influência ainda não pode ser sentida com muita intensidade”.

Por *Eliana Gomes

Eliana Gomes: A luta pelo direito de votar e ser votada

Em 1932, a mulher brasileira obteve o direito de votar nas eleições nacionais. Entretanto, a conquista não foi completa. O Código Eleitoral da época permitia apenas que mulheres casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras e com renda própria pudessem votar.

Em 1934 as restrições ao pleno exercício do voto feminino foram eliminadas no Código Eleitoral e em 1946, a obrigatoriedade do voto foi estendida às mulheres.

A luta é mais antiga. Alguns registros apontam para reivindicações acerca dos direitos eleitorais da mulheres ainda no século 19. Em 1891, por exemplo, o projeto da primeira Constituição do sistema republicano continha uma emenda que garantia o voto feminino . Porém, ela foi rejeitada.

Durante os quase 40 anos que separaram a primeira movimentação para o direito ao voto e novembro de 1930, a História do Brasil foi marcada por uma intensa mobilização das brasileiras. Em 1910, o primeiro partido de mulheres – Partido Republicano Feminino – foi criado e presidido por Leolinda Daltro. Bertha Lutz, por sua vez, fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino em 1922.

Atualmente, segundo dados do Tribunal de Justiça Eleitoral (TSE), as mulheres já representam a maior parte do eleitorado em todos os estados brasileiros: o número de eleitoras ultrapassa em 6,4 milhões a quantidade de eleitores homens. Mas a política não pode ser resumida ao exercício do voto. Sendo assim, como é a atuação das mulheres como candidatas e eleitas?

O direito ao voto veio acompanhado do direito a ser votada. Desde 1932, as mulheres podem se candidatar a cargos políticos, porém, sua participação ainda é tímida quando comparada à representação masculina. Nas eleições de 2016, por exemplo, as mulheres representaram quase 32% dos candidatos e apenas 13% do total de eleitos eram mulheres.

A questão é um problema estrutural que pode ser explicado por uma combinação de fatores. O senso machista de que as mulheres não pertencem à classe política, por exemplo, inibe uma presença mais significativa em termos numéricos. Outro aspecto é a estrutura das relações de gênero que sobrecarrega as mulheres: além da carreira profissional, elas ainda são as principais responsáveis pelo trabalho doméstico e cuidado dos filhos e dependentes, o que diminui suas possibilidades de conseguir se dedicar à campanha e ao cargo.

Quando as mulheres superam estes obstáculos e pensam em seguir uma carreira política, ainda há a falta de incentivo da família. Dentro desse fator, está incluído o machismo por parte do companheiro, que não permite que a esposa saia como candidata por causa da exposição pública do cargo. Problema ainda complementado pelo baixo interesse partidário em investir em candidaturas femininas.

Mas há esperança. Nos últimos anos, a agenda feminista tem destacado a questão da participação política da mulher. Cada vez mais, os espaços de debate abordam o tema, e deputadas e vereadoras colocam o assunto em pauta. Contudo, por mais que o avanço das discussões feministas traga efeitos positivos, sua influência ainda não pode ser sentida com muita intensidade. Isso porque as discussões sobre a equidade de direitos entre os gêneros ainda não adentraram o campo jurídico para estabelecer mudanças na legislação.

O impacto na consciência da população é um avanço, porém, a política continua estagnada quando pensamos na participação feminina.

Umas das propostas que incentivam a presença das mulheres em cargos eletivos estão idealizadas nas cotas, que nascem com o objetivo de aumentar a participação parlamentar feminina. Elas estabelecem um número mínimo de candidatura feminina e outras regras a serem seguidas pelos partidos, em termos de propagandas eleitorais e de destinação de verbas.

As cotas são um importante instrumento tendo em vista que os direitos eleitorais das mulheres foram alcançados há muito pouco tempo. Desta forma, a política foi criada e se estabeleceu como um ambiente masculino, e é preciso que a legislação incentive as mulheres neste movimento participativo.

Por outro lado, se as cotas geraram efeitos positivos em termos de candidaturas – em 2016, por exemplo, o número de candidatas ultrapassou a marca de 30% no Brasil –, os resultados das eleições não acompanham essa melhora: menos da metade das candidatas foram eleitas. Por isso, dizemos que as cotas não podem valer somente para o momento do registro das listas de candidatura.

Assim, a obrigatoriedade de 30% de mulheres em cada partido ou coligação muitas vezes não é cumprida. Afinal, até o momento das eleições, boa parte das candidatas já abandonou o pleito. Como os órgãos julgadores entendem que este fenômeno não é de responsabilidade dos partidos, estes não são punidos e a lei não é cumprida.

Enquanto isso continua a se repetir, o processo cai em um círculo vicioso, no qual a baixa representatividade feminina impacta na forma como as mulheres enxergam suas possibilidades na política.

Ainda assim, hoje em dia uma menina pode pensar em ser presidente porque nós já tivemos uma presidente mulher, embora ela tenha sofrido um golpes.

As porcentagens e as estatísticas não são os únicos problemas a serem superados. Ainda hoje, as mulheres não conseguem ter tanta notoriedade qualitativa na política brasileira. A quantidade de senadoras, por exemplo, que se destacam na atividade parlamentar é menor do que o número de homens que conseguem evidência em seus trabalhos.

Resultado de um senso sexista, elas precisam se esforçar mais para ganhar destaque na atividade parlamentar. Por isso, acredito que a formação política feminina é essencial para que as mulheres não só cheguem em maior número aos cargos políticos, mas que também possam ter garantia de que suas vozes serão escutadas.

Além de todas as questões legais, é preciso lembrar que o déficit de mulheres na política surge de um problema estrutural: o machismo. Dessa forma, o feminismo se insere com o objetivo de combater a ideia de que a política é feita por homens e transformar a forma como a mulher atua na sociedade. Uma mulher que precisa se dedicar à carreira, ao trabalho doméstico e aos filhos não consegue tempo hábil para se inserir no processo político.

Por reconhecer a existência do machismo apresentei anos atrás um projeto de resolução que obrigava a Câmara Municipal a ter pelo menos uma mulher na mesa diretora. Parece pouco, mas isso mudou a composição desde então da mesa diretora deste parlamento.

Portando, assim como a conquista do voto feminino, a consolidação do papel da mulher na política é um processo lento, que precisa de uma série de incentivos para avançar na sociedade brasileira. Incentivos que mudem a forma como os partidos enxergam as mulheres e a transformação da mentalidade do País, por exemplo, são essenciais para que, nos próximos 86 anos, o desenvolvimento da questão atinja níveis cada vez mais próximos de equidade entre os gêneros.

Por mais mulheres na política. Por sociedade sem machismo!

Viva as mulheres. Nós temos coragem pra lutar!

*Eliana Gomes é vereadora de Fortaleza pelo PCdoB.

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