Guantânamo: após 115 anos, o reforço da campanha pela retirada dos EUA

O movimento internacional da paz marca, neste 23 de fevereiro, o 115º aniversário de um “acordo” forçado pelos EUA à República de Cuba, que estabelecia as bases da usurpação de parte da província de Guantânamo. Com ações em todo o mundo pela consolidação de uma coalizão internacional contra as bases militares estrangeiras, a luta pelo restabelecimento da soberania cubana sobre o território, com a retirada das forças estadunidenses, tem lugar central nesta campanha

Guantanamo

Importantes e crescentes empenhos de diversas entidades populares, partidos e intelectuais pelo fim das bases militares estrangeiras (mais de mil esparramadas pelo planeta) afirmam a centralidade da exigência do povo cubano de encerramento da base estadunidense em Guantânamo. Ações coordenadas globalmente têm sido promovidas para projetar esta campanha.

Iniciativas contundentes incluem o Seminário Internacional pela Paz e a Abolição das Bases Militares Estrangeiras realizado pelo Movimento Cubano pela Paz e a Soberania dos Povos (MovPaz), outras entidades cubanas e o Conselho Mundial da Paz, em Guantânamo (caminhando para sua sexta edição), e a primeira Conferência contra Bases Militares dos EUA no Exterior realizada por uma coalizão de entidades estadunidenses em janeiro deste ano, que já resultou num compromisso de abrangência.


Ao lado de Socorro Gomes, presidente do MovPaz Silvio Platero fala no 5º Seminário pela Paz e a Abolição das Bases Militares Estrangeiras. Maio de 2017, Guantânamo. Foto: Granma

No quadro da militarização da América Latina e Caribe e da sustentada agressividade contra a ilha revolucionária, Guantânamo é também o símbolo da resistência.

Para a presidenta do Conselho Mundial da Paz, Socorro Gomes, “a prepotência estadunidense, aliada ao ódio e ao preconceito contra Cuba, eterniza a criminosa usurpação da soberania sobre o território da nação cubana. É uma clara demonstração do desprezo completo ao direito internacional.” Por isso, continua Socorro, “Cuba, em claro contraste uma nação amiga dos povos, plenamente comprometida com a paz, tem dos povos do mundo respeito e solidariedade.”

Expansionismo e ingerência

Em abril de 1898, numa resposta ao pedido de ação militar pelo então presidente William MacKinley contra a Espanha, uma resolução do Congresso dos EUA emendava a declaração de guerra com uma proposta do senador Henry Teller, garantindo que não seria intenção estadunidense “exercer soberania, jurisdição ou controle sobre tal ilha, exceto para a sua pacificação”. O controle de Cuba seria entregue ao seu povo, já engajado em heróica luta independentista que, em 1895, iniciava uma segunda etapa.

A percepção dos independentistas cubanos, como José Martí, já era a de que o objetivo estadunidense era comprar Cuba ou não permitir que outra potência a “possuísse”. Findando a guerra em dezembro de 1898, EUA e Espanha negociavam as Filipinas, que os EUA “comprariam” por USD 20 milhões, e o destino de Cuba. Já em 1901, uma emenda apresentada pelo senador republicano Orville Platt impulsionaria um expansionismo mais aberto, revertendo a emenda de Teller.

A chamada Emenda Platt às provisões militares era “expressão legislativa dos perenes propósitos de ingerência dos Estados Unidos em relação a Cuba”, escreveu no Granma Gabriel Molina Franchossi. Os EUA ocuparam Cuba, impondo sua “tutela” e a Emenda Platt à Constituição cubana (na forma de um conjunto de artigos elaborados pelo secretário da Guerra Elihu Root) e ao tratado de relações bilaterais de 1903, para manter a ilha submissa aos interesses estadunidenses.


Em 23 de fevereiro de 1903, uma semana após a assinatura pelo presidente cubano Tomás Estrada Palma, o presidente estadunidense Theodore Roosevelt assinava o acordo para o arrendamento por tempo indeterminado de uma porção do território de Cuba para uma base naval dos EUA.

O texto faz referência às medidas anteriores e propunha colocar em prática a intenção manifesta de que, para que os EUA pudessem “ajudar os cubanos a manter sua independência”, Cuba vendesse ou arrendasse terras escolhidas pelo presidente estadunidense para instalação militar. Os detalhes finais foram acertados no Convênio de Arrendamento para Estações Navais ou Carvoeiras, ratificado em outubro do mesmo ano, estabelecendo como renda anual o valor de dois mil pesos em moedas de ouro.

Ainda em 1889, escrevia Martí: “E uma vez que os Estados Unidos estiverem em Cuba, quem os tira dela? (…) Quero bases mais seguras para o meu povo. Esse plano, com seus resultados, seria um modo direto de anexação.” Os 115 anos desde a imposição do acordo e da Emenda Platt certamente atestam tal visão.

Pela retirada dos EUA de Guantânamo

Logo após a Revolução Cubana, o governo revolucionário deixou de coletar o valor do arrendamento do território de 117 km2 ocupado pela base militar dos EUA: USD 4.085. Desde então, o desejo e a exigência soberana do povo cubano de devolução do território de Guantânamo é repetidamente reiterada, mas a demanda é acintosamente rechaçada pelos EUA. Mesmo assim, a discussão sobre as dimensões legais de tal via segue empenhada.

Em 2002, os EUA instalaram ali também um centro de detenção de onde relatos horrendos de um sistema contraventor do direito internacional humanitário (contravenção já corriqueira no ambiente criado pela “guerra ao terror” inventada por George W. Bush) projetam-se em inúmeras matérias e diários censurados de torturas e outros maus tratos, durante anos de encarceramento ilegal, sem acusação formal ou julgamento.

Entre as infames ordens executivas assinadas por Donald Trump, em janeiro deste ano o presidente dos EUA fez retroceder a tímida promessa de Barack Obama de que a prisão seria fechada (promessa, na prática, impedida pelo Congresso estadunidense). Obama chegou a assinar uma ordem pelo encerramento da instalação em 2009 e em 2016 reafirmou sua posição, em despedida do cargo, embora não a defendesse tanto com base nos princípios dos direitos humanos, mas mais porque a instalação “custa caro” aos EUA.

No seu discurso sobre o “Estado da União” deste ano, Trump afirmou que ainda mais pessoas podem ser enviadas para aquele que é um centro de tortura à margem da lei. Segundo o diário britânico The Guardian, em matéria de janeiro, a ordem de Trump encomenda para abril uma revisão da política de detenções de combatentes, “inclusive das políticas que regulam a transferência de indivíduos para a Instalação Naval dos EUA na Baía de Guantânamo”.

Também por isso, ao marcar os 115 anos desde a ocupação do território de Guantânamo pelos EUA, o movimento da paz em todo o mundo alça a voz em apoio ao povo cubano pela recuperação da sua soberania sobre o local, pelo desmantelamento de um posto avançado do imperialismo estadunidense e pelo encerramento de um centro de torturas que ofende a humanidade.