Intervenção é inconstitucional e visa dar espaço para Temer nas urnas

A decisão de Michel Temer de decretar a intervenção no Rio de Janeiro, anunciada nesta sexta-feira (16), traz uma série de questionamentos, principalmente no que se refere aos aspectos legais.

Por Dayane Santos





Temer - Reprodução da internet

A intervenção federal é autorizada pela Constituição nos artigos 34 e 36 do capítulo VI da Constituição, que define quais são as hipóteses em que tal medida pode ser aplicada, pois apesar da decisão de decretar a intervenção ser uma atribuição exclusiva do Presidente da República, a decretação deve se limitar ao que determina a lei.

Temer utilizou o inciso três do artigo 34, que permite uma intervenção federal para "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública".

No entanto, a crise na segurança pública não é uma exclusividade do Rio de Janeiro. Pelo contrário, nos últimos anos vários estados têm enfrentado onda de assaltos, saques, arrastões, rebeliões que terminam em massacres em presídios e paralisações de polícias.

Não há dúvida de que a segurança pública fluminense necessita de uma medida de urgência, diante dos fatos cotidianos que a população enfrenta. Mas a pergunta é se houve um fato que justificasse a utilização de um remédio constitucional excepcional tão extremo.

O questionamento ganha força quando o nomeado como interventor da segurança pública do Rio de Janeiro, o general Walter Braga Netto, afirmou que a situação da violência no Estado não está tão ruim.

O general disse que “a situação do Rio é grave, mas não está fora de controle” e que há “muita mídia” em cima do assunto.

Ora, se a intervenção tem como objetivo “pôr termo ao grave comprometimento da ordem Pública no Estado do Rio de Janeiro” e, para tanto, estenderá a medida até o dia 31 de dezembro de 2018, mas se o próprio interventor admite que não situação fora do controle, o que justificaria juridicamente a ação?

O decreto veio após o Carnaval que, apesar dos graves problemas de segurança, ocorreu na cidade com saídas de blocos carnavalescos, desfile de escolas de samba e tudo que cerca a festa popular.

Dados mostram que foram registradas 5.865 ocorrências policiais no total no Rio, entre os dias 9 e 14 de fevereiro, enquanto no carnaval do ano passado (quando a Polícia Civil ainda estava em greve), foram 5.773. Em 2016, 9.016 ocorrências foram registradas e, em 2015, computaram-se no total 9.062.

Significa dizer que não houve nenhuma explosão de violência que interrompesse o cotidiano do estado a ponto de justificar o uso do instrumento da intervenção sob o argumento da "preservação da ordem pública".

Interventor militar

Além disso, de acordo com renomados juristas, a inconstitucionalidade do decreto não para por aí. A Constituição autoriza a intervenção federal, mas não permite que o governo substitua um governo civil por um militar.

Trata-se do artigo 2º do decreto, que estabelece: “Fica nomeado para o cargo de Interventor o General de Exército Walter Souza Braga Netto. Parágrafo único. O cargo de Interventor é de natureza militar”.

Temer justifica a nomeação de um militar pela suposta necessidade de combate ao crime organizado.

O decreto indica entre as atribuições tomar “ações necessárias à segurança pública” previstas na Constituição do estado, assumindo o controle operacional dos órgãos do setor (como as polícias) e podendo requisitar “os meios necessários para a consecução da intervenção”.

Na avaliação de Eloísa Machado, professora de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, o texto viola a Carta Magna ao determinar uma “natureza militar” para o interventor. De acordo com Eloísa, não há problemas na ocupação do posto por um general, mas o decreto vai além, ao delimitar a natureza do posto.

“A intervenção é a substituição de uma autoridade civil estadual por outra autoridade civil federal. O interventor toma atos de governo, que só podem ser praticados por autoridades civis. O problema está no decreto conferir esse caráter militar. A consequência prática é que você tem submissão desses atos tomados no momento da intervenção à Justiça Militar, e não à Justiça Civil. É uma proteção inconstitucional”, afirma a professora.

Para o jurista e professor emérito da USP, Dalmo Dallari, a medida é uma “invenção” de Temer “sem qualquer fundamento legal”.

“A caracterização do Interventor como militar é absolutamente inconstitucional, não tendo qualquer fundamento jurídico”, reforça.

Barganha

Os fatos indicam que o interesse que governo em decretar a intervenção estão bem distantes da busca pela proteção do cidadão e garantia da ordem pública, como justifica o governo.

Um dos interesses por trás dessa decisão seria uma tentativa de mudar a situação do governo Temer no processo eleitoral. Com um índice de rejeição recorde, beirando 3% de aprovação, Temer e sua cúpula que comanda o MDB, apesar de deter o maior tempo de TV na propaganda política, estão em desvantagem na corrida presidencial, inclusive para tentar barganhar uma vaga de vice, como fazem desde a saída de Sarney.

A eminente derrota na votação da reforma da Previdência deixaria o Temer praticamente fora do páreo das eleições deste ano, se tornando um peso morto para aliados.

Nas pesquisas, a questão da segurança pública aparece como uma das principais preocupações da população, inclusive levando candidatos da bancada da bala a apresentar índices significativos nas pesquisas de intenções de voto.

Historicamente adepto da política pelo terror, Temer decide se pendurar no medo e apreensão da população para sair do seu estado vegetativo de governo. Usa a intervenção pela primeira vez desde a promulgação da Constituição de 1988.

No pacote, junto com o decreto, Temer anunciou oficialmente, durante visita neste sábado (17) ao Rio de Janeiro, a criação de um “Ministério da Segurança Pública”, pasta que vai tentar ser a vitrine do governo na área, tanto é que a ideia que seja criada a pasta em caráter extraordinário, ou seja, com prazo de validade e seja extinta, provavelmente após as eleições.

Para comandar a pasta, o nome cotado é o do ex-secretário estadual do Rio de Janeiro José Beltrame, que saiu da secretaria depois da implantação das polícias pacificadoras e ainda mantém uma imagem de austeridade para o cargo.

Segundo a Folha, além de ser considerado um nome técnico e de prestígio na área, Beltrame é delegado aposentado da Polícia Federal, o que poderia reduzir a resistência na corporação com a eventual saída da Polícia Federal da Justiça.

Com isso, Temer tenta abrir um caminho para tentar salvar a imagem desgastada e deslegitimada de seu governo e, assim, ter espaço de vez o voz nas eleições que até agora estava no limbo.