Muçulmanas denunciam assédio sexual na peregrinação a Meca

Mulheres muçulmanas denunciam série de assédios que ocorreram- e ocorrem- durante a perigranação a Meca, um dos rituais mais sagrados para o Islã. Casos juntam-se a série de denúncias de assédios sexuais no ocidente, e mostram que o machismo deve ser combatido em todos os lugares e culturas 

peregrinação à Meca - AFP

Primeiro foi uma mão em sua cintura, depois algo duro pressionado contra suas nádegas; imediatamente percebeu que não se tratava de um contato casual pela multidão espremida ao redor da Kaaba. Alguém tentava agarrar seu traseiro e a beliscava. Sabica Khan estava sendo assediada sexualmente durante a peregrinação a Meca. No começo de fevereiro, se atreveu a contar a experiência no Facebook. A reação a obrigou a fechar sua conta, mas outras muçulmanas se encorajaram a denunciar que nem mesmo no lugar mais sagrado do Islã as mulheres estão a salvo de predadores e surgiu a campanha #MosqueMeToo (EuTambémMesquita).

“Durante minha sexta volta [na Kaaba], de repente notei que algo era pressionado com força contra meu traseiro, fiquei paralisada, sem saber se era intencional. [Eu] ignorei e continuei avançando devagar porque a multidão era enorme”, relatou Khan em sua publicação. Mas o que primeiro era uma suspeita, se transformou em certeza quando sentiu uma mão em suas nádegas. Khan a agarrou e a retirou de seu corpo, ao mesmo tempo em que tentava voltar-se para ver o assediador. Não conseguiu. Também não teve forças para denunciar. Mesmo sentindo-se estuprada, temeu que ninguém acreditasse nela. Até agora.

“Fiquei literalmente petrificada. Não podia escapar, então parei e me voltei o máximo possível para ver o que estava acontecendo, mas… não pude ver quem era”, explicou a mulher, cujo perfil do Facebook a identificava como moradora de Karachi (Paquistão). “Toda minha lembrança da peregrinação à cidade santa ficou ofuscada por esse horrível acontecimento”, concluiu.

Várias mulheres responderam a Khan compartilhando suas próprias experiências de apalpadas e roçadas sofridas durante essa parte da peregrinação, conhecida como tawaf, o ritual de dar sete voltar na Kaaba, as três primeiras em passos rápidos e o resto mais devagar, mas mais perto da pedra sagrada. As aglomerações são inevitáveis, especialmente durante o Haj, a maior peregrinação, quando até dois milhões de fiéis vão a Meca. O assédio sexual, não, e os religiosos que acompanham os grupos de peregrinos alertam a respeito, o que indica que os responsáveis estão a par do assunto.

“Fico feliz em ver as mulheres expondo os abusos que sofreram durante o Haj”, declara Mona Eltahawy, a ativista egípcio-norte-americana que lançou a campanha #MosqueMeToo após Khan reabrir o debate.

A própria Eltahawy sofreu essa experiência em 1982 quando tinha 15 anos, como revelou em uma entrevista três décadas depois e mais tarde em seu livro Headscarves and Hymens: Why the Middle East Needs a Sexual Revolution. Lá relata que durante anos nem mesmo se atreveu a contar aos seus pais porque não tinha suficiente autoconfiança e a santidade da peregrinação tornava as coisas mais difíceis.

“Há anos falo do assunto e sempre encontrei mulheres que me diziam que também aconteceu com elas; mas é difícil avaliar o alcance do problema porque com o tabu e a vergonha que acompanham os abusos sexuais vem também o fato de ter acontecido no lugar mais sagrado do Islã, o que aumenta a pressão sobre as mulheres para que fiquem em silêncio”, afirma durante uma conversa pelo telefone. Khan também deixou claro em seu relato, antes de encerrar sua conta do Facebook, que teve “medo de contar [seu caso] por temer ferir sentimentos religiosos”.

“Nós muçulmanas estamos em um beco sem saída”, explica Eltahawy. “De um lado, a comunidade [islâmica] nos pede que fiquemos em silêncio; e se denunciamos, armamos a direita racista e islamofóbica”. Por isso ela se sente obrigada a utilizar a voz que tem como escritora para falar pelas que não podem fazê-lo e apontar os agressores, refutando ao mesmo tempo a manipulação dos islamofóbicos.

Eltahawy, que se define como feminista, acha que chegou o momento de romper o silêncio. “As mulheres não fizeram nada do que se envergonhar. Os homens precisam deixar de nos agredir”, afirma. Até lá é a favor de detê-los, inclusive utilizando a força como contou que ela mesma fez dias atrás com um impertinente em uma discoteca. Por enquanto, a #MosqueMeToo causou certo alvoroço no Twitter, onde se transformou em tendência.

“A #MosqueMeToo mostra que não importa como uma mulher se veste, onde está e o que faz. O comportamento predador não precisa de desculpas”, diz uma usuária que se identifica como Safaneh. Alguns homens também usaram a marcação para mostrar sua solidariedade.