1968

Por Alberto Villas*

Lembra das coisas que aconteceram no ano que não terminou?

1968

Na semana passada, eu postei o seguinte no Facebook:

Percebo que estou ficando

velho quando vejo que todas as

coisas que estão fazendo 50 anos,

eu me lembro quando aconteceram.

Imediatamente começaram a chover curtidas, coraçõezinhos e, principalmente comentários. Solidários, os sessentões se arvoraram em dizer que todo mundo um dia chega lá, que tudo que aconteceu há décadas parece que foi ontem, que isso não é velhice, é sabedoria e amadurecimento.

Fiz o comentário no Face quando bati os olhos na legenda de uma foto que lembrava os cinquenta anos daquele prisioneiro sendo executado por um general vietnamita numa rua de Saigon.

Acontece que tudo que aconteceu há cinquenta anos, foi exatamente naquele ano que ainda não terminou. E foram muitas coisas.

Eu me lembro perfeitamente da guerra do Vietnã, que acompanhava diariamente nas páginas do Jornal do Brasil.

Do dia em que o cosmonauta Yuri Gagarin, o primeiro homem a ir pro espaço, morreu aos 34 anos de idade num acidente de ultraleve.

Quando o estudante Edson Luís caiu morto na fila do Restaurante Calabouço, no Rio, com um tiro no peito disparado pelas forças da ditadura militar.

Lembro-me perfeitamente da estreia do filme 2001, Uma Odisseia no Espaço, daqueles macacos jogando ossos pra cima, que assisti no Cine Pathé, em Belo Horizonte.

Do assassinato do líder negro Martin Luther King, aquele que tinha um sonho.

Da morte de Jim Clark, o campeão da Fórmula 1, que eu guardava um pôster da revista Autoesporte na porta do meu armário.

Dos metalúrgicos que pararam durante 10 dias em Contagem, exigindo aumento salarial e desafiando os militares de plantão.

Do dia em que comprei nas Lojas Gomes um disco de vinil chamado Tropicália e ouvi pela primeira vez Os Mutantes cantando "Panis et Circenses".

Da revista Manchete dependurada numa banca da Savassi mostrando a imagem do primeiro transplante de coração no Brasil, realizado pelo Doutor Euryclides de Jesus Zerbini.

Da voz aflita do meu pai ligando dos Estados Unidos no momento em que Bob Kennedy levou dois tiros no Hotel Ambassador, em Los Angeles.

Das páginas da Fatos e Fotos mostrando a polícia batendo nos estudantes que protestavam conta a repressão nas ruas do Rio de Janeiro.

De Martha Vasconcellos, tarde da noite, sendo coroada Miss Universo.

Do tititi em torno do Comando de Caça aos Comunistas que espancou o elenco da peça "Roda Viva", de Chico Buarque de Holanda, em São Paulo.

Dos tanques da União Soviética invadindo a Tchecoslováquia, pondo fim na Primavera de Praga.

Do Repórter Esso anunciando que o compositor de Coração Materno havia morrido.

De Seu Benito, o dono da banca, me entregando o primeiro número da revista Veja com a foice e o martelo na capa.

Da polícia invadindo um sitio em Ibiúna, no interior de São Paulo, e prendendo todos os participantes do Congresso da UNE.

Lembro-me perfeitamente do dia em que corri até a Enciclopédia Barsa para saber sobre a vida de Marcel Duchamp, depois de ler uma matéria no Estado de Minas sobre sua morte.

Do golpe militar que colocou o general Velasco Alvarado na presidência do Peru.

Do poema Porquinho-da-Índia que reli no meu quarto, assim que soube da morte de Manuel Bandeira.

Da radiofoto na primeira página do Globo no dia em que a Apollo 8 foi pro espaço.

Lembro-me do dia em que gastei todo o meu salário que ganhava no Ministério da Agricultura comprando os discos Beggars Banquet, dos Rolling Stones, e o álbum branco dos Beatles.

Quando soube à boca pequena que Caetano Veloso e Gilberto Gil haviam sido presos na boate Sucata, no Rio de Janeiro.

Lembro do dia em que o ditador Arthur da Costa e Silva fechou o Congresso, apertando ainda mais a ditadura.

Lembro do meu pai pedindo silêncio na sala de jantar para ouvir no seu radio GE, a leitura do Ato Institucional número 5.

A única coisa que eu não me lembro que aconteceu naquele ano de 1968 foi a inauguração da zona de livre comércio em Lomé, capital do Togo, que está fazendo 50 anos.