Skate: A luta das mulheres por igualdade vai além do valor do prêmio

A diferença de R$ 12 mil entre o prêmio de skatistas pelo Oi Park Jam exibida na foto gerou polêmica na internet. Yndiara Asp ficou em 1º lugar junto com Pedro Barros, mas ganhou prêmio de R$ 5 mil, enquanto ele recebeu R$ 17 mil. Diversos fatores influenciaram no valor final, como menor número de mulheres nas competições e de patrocínio. Mesmo assim, vale destacar que a categoria de competição masculina e feminina é a mesma, portanto, o valor do prêmio deveria ser igual. 

Por Verônica Lugarini

skate 2 - Reprodução

No mercado de trabalho as mulheres ganham cerca de 23,6% menos do que os homens em 2015, de acordo com uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número é alarmante, principalmente se considerar que hoje as mulheres já representam 44% das vagas ocupadas no país em 2016, segundo dados do governo. Lembrando a igualdade salarial entre os gêneros deverá levar mais de 100 anos país, apontou o Fórum Econômico Mundial.

E essa discrepância no valor recebido se repete nas premiações da área esportiva, mas o questionamento sobre a desigualdade não deve se deter apenas à foto. Neste domingo (28), foi realizada a competição Skate Park Internacional, em Itajaí, Santa Catarina a imagem da premiação do evento Oi Park Jam gerou grande debate neste final de semana.

A foto mostra os dois vencedores, das categorias feminina e masculina, com as suas respectivas premiações. A polêmica da imagem está justamente na diferença de valor entre as premiações para o campeão e a campeã. O montante do cheque recebido por Pedro Barros é três vezes maior do que a da ganhadora, Yndiara Asp. Ele recebeu R$ 17 mil e ela apenas R$ 5 mil.

Apesar de disputarem provas com o mesmo nível de dificuldade, o prêmio tem uma diferença de R$ 12 mil que é reflexo da diferença de gênero e do machismo estrutural inserido na sociedade. Mas não é possível debater apenas a imagem e o valor destacado nos cheques, há outros fatores que influenciam nesse cenário do esporte.

Nas redes sociais, a postagem foi compartilhada milhares de vezes por internautas indignados. Diante da repercussão na internet, o empresário André Barros, organizador do Oi Park Jam e pai Pedro Barros, tentou justificar a diferença na premiação dizendo que “os 24 atletas masculinos são os 24 melhores skatistas do mundo. Entre as dez meninas que participaram, só três são profissionais. Não dá para comparar o nível de performance entre os dois grupos, assim não tem como a premiação ser a mesma”, disse André Barros em entrevista ao Uol.

Outra justificativa é o gasto ao longo do ano que eles têm para se manter em alto nível, competindo fora do país e com grandes recursos. “Já as meninas têm um grau de dificuldade muito menor. Disputaram só entre brasileiras, e foi uma quantidade muito pequena de atletas em alto nível ali”, informou ao Uol.

André Barros diz que os skatistas homens despenderam anos e recursos competindo fora do país. Em uma publicação no Facebook, Barros destacou a diferença entre ambas as categorias, feminina e masculina.

“Nesse campeonato, foram feito (sic) duas competições paralelas, uma profissional masculina onde o critério de seleção super rigoroso dentro de um ranking mundial que tem em média de custo para o competidor, mais de 60 mil reais por ano para tentar entrar nessa seletiva. A outra foi categoria OPEN feminina, com critério de escolha apenas pelo circuito brasileiro amador com convidadas especiais de profissionais”.

Lembrando que essa foi a primeira vez que o evento incluiu a categoria feminina na competição. Mesmo assim, tanto Yndiara, quanto Pedro competiram pela mesma categoria, ou seja, a premiação de qualquer forma deveria ser igual.

Questionada pelo Uol, a skatista Yndiara Asp informou que recebeu inúmeras mensagens em relação ao episódio e, embora ainda não tenha uma opinião “extremamente formada” sobre o assunto, agradeceu a mobilização feita pelo direito das mulheres. “Acho que mulheres têm o direito de receber os mesmos valores dos homens, a gente está fazendo a mesma coisa ali. Vemos que em muitas profissões existe desigualdade de salário, o mundo é machista, e no esporte também tem”, disse a skatista.

“Mas eu acho que não precisa dar tanta ênfase ao lado negativo. O torneio foi ótimo, é uma grande conquista ter atletas femininas nesse campeonato, ter a transmissão ao vivo, com certeza mais meninas vão querer participar”. Ela disse que foi o primeiro campeonato no Brasil da modalidade Park com premiação em dinheiro para categoria feminina. “O skate feminino começou mais tarde que o masculino, eles já estão na luta há mais tempo, a gente já está chegando agora. Estamos crescendo, chegando junto, as coisas vão acontecendo naturalmente”, relatou ao Uol.

Conforme relatou Carla Mata da Federação Piauiense de Skate, em seu Facebook após os debates na internet, ainda existem preconceitos nas famílias das meninas e jovens que querem seguir como skatistas profissionais. Dessa forma, infelizmente, ainda há um menor número de mulheres no esporte.

Carla Mata escreveu em seu Facebook:

“O ‘machismo’ é estrutural, é hereditário, vem da formação familiar…. Essa foto é reflexo da cultura, mesmo com a organização do evento querendo romper com o ciclo do machismo, as mulheres não participam. Temos que ser racionais nas situações. Precisa haver equidade. Igualdade não é sinômimo de justiça…. Cada coisa em seu lugar. Estão problematizando uma situação sem propriedade sobre o assunto!”

Reconhecendo o problema do machismo estrutural do esporte, Carla disse ser necessário que as mulheres se apoderem das oportunidades e dos espaços. Segundo ela, as mulheres representam cerca de 20% do esporte, possivelmente 2% desse universo feminino sejam de competidoras.
Sobre o argumento de que há diferença na colocação mundial entre as competidoras e os competidores, é possível constatar no site theboardr.com esse fato.

Pedro Barros está entre os cinco melhores skatistas do mundo, com o quarto lugar no ranking mundial, enquanto está em 141º lugar também no ranking mundial, segundo o site. Um dos fatores que poderiam justificar a divergência nos montantes do prêmio.

Diante do exposto, mesmo com problemas de patrocínio e um menor número de mulheres, vale destacar que a categoria de competição masculina e feminina é a mesma e, portanto, o valor do prêmio deveria ser igual.

Mas o questionamento sobre essa polêmica não deve se ater apenas ao fato da diferença de valores no cheque da premiação. Claro que o questionamento do montante é válido e necessário, até porque o próprio mercado de trabalho e inclusive ações de órgão internacionais ligados aos esportes, como nas Olimpíadas, vêm tentando igualar os valores dos prêmios e até a participação das mulheres nos esportes. Como é o caso do Comitê Olímpico Internacional (COI) que divulgou a promoção da igualdade de gênero como 11º item da lista de 40 recomendações para repaginar o futuro olímpico, no documento conhecido como Agenda 2020 para conseguir igualar a participação das mulheres nas próximas edições da Olimpíadas.

Outro estudo encomendado pela BBC em 2017 constatou que dos 44 esportes pesquisados que pagavam prêmios em dinheiro, 35 davam igualmente a mesma quantidade para homens e mulheres (83%).

Além disso, há outras barreiras para as mulheres no esporte. Como é o caso da publicidade. Segundo pesquisa Forbes, o atleta mais bem pago do mundo é Cristiano Ronaldo, que recebeu US$ 32 milhões entre junho de 2015 e o mesmo mês de 2016. Enquanto isso, a atleta mais bem paga do mundo, no mesmo período, foi Serena Williams, com US$ 20 milhões, diferença de US$ 12 milhões em um ano.

Com isso, se não há diferença na premiação – com valores menores para as mulheres – há nas propagandas.

Ou seja, a discussão foi gerada pelo valor do prêmio e o problema também é o montante premiado, mas são necessários outros questionamentos anteriores a ele. Por que o Oi Park Skate ainda não era uma competição aberta às mulheres? Porque os organizadores nunca conseguiram patrocínio para abrir para as mulheres? Por que o skate ainda é um esporte majoritariamente masculino?

Dessa forma, há a necessidade de compreender o quanto o skate foi e ainda é um esporte masculinizado por conta de um caráter histórico machista que permeou e ainda deixa resquícios em todos os esportes.

A luta das mulheres pela igualdade deve continuar, e esse é só o início para ganhar o mesmo salário que os homens no mercado de trabalho tradicional, nas premiações esportivas e também na publicidade. É preciso ter debate e justiça no esporte, o que perpassa pelo valor do prêmio.

Abaixo confira a nota na íntegra do Oi Park Jam:


Temos recebido alguns questionamentos sobre a diferença de premiação do Oi Park Jam, realizado no último domingo, e entendemos que este é um debate importante para o desenvolvimento do skate no universo feminino.

O número de praticantes de skate ainda é diferente entre os gêneros e o Oi Park Jam reflete essa realidade, com 23 homens (22 profissionais e entre os mais bem colocados no ranking mundial e 1 amador) e apenas 10 mulheres (em sua maioria amadoras) competindo. As premiações levaram em conta, portanto, a participação qualitativa e quantitativa de skatistas profissionais, que por consequência leva a um maior grau de dificuldade para se chegar às primeiras colocações.
Para mudar esse quadro, nos esforçamos para garantir que as mulheres tivessem a oportunidade, inédita, de competirem num evento de skate com visibilidade nacional e relevância internacional.

O Oi Park Jam tem como premissa estimular a popularização do skate e o aumento da participação das mulheres nessa cena, historicamente masculina. Temos ainda a intenção de, através do estímulo ao skate feminino, quebrar mais barreiras e preconceitos para, em um futuro próximo, conquistar o objetivo de ter o mesmo número de homens e mulheres praticantes, profissionais e amadores, o que levará, naturalmente, à equivalência nas premiações. Estamos comprometidos com o debate sobre igualdade de gênero e vamos continuar nos esforçando para a inserção da mulher no skate em igualdade de gênero.