Lançamento de livro contra Lei Maria da Penha é cancelado

O lançamento do livro "A discriminação do gênero-homem no Brasil em face à Lei Maria da Penha", do juiz Gilvan Macêdo dos Santos, causou indignação na internet ao defender uma “proposta para a solução do cenário de inconstitucionalidades e injustiças contra o homem advindas da Lei Maria da Penha" em meio ao aumento de registros de violência contra a mulher.

Por Verônica Lugarini*

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O livro "A discriminação do gênero-homem no Brasil em face à Lei Maria da Penha" do juiz Gilvan Macêdo dos Santos foi alvo de críticas nas redes sociais. O lançamento aconteceria nesta terça-feira (19), no Palácio da Justiça de Pernambuco, mas foi cancelado após polêmica.

Com o subtítulo “Proposta para a solução do cenário de inconstitucionalidades e injustiças contra o homem advindas da Lei Maria da Penha”, o autor ignora os dados sobre a realidade das mulheres brasileiras e aborda um tema quase inconcebível para a realidade das mulheres brasileiras: a discriminação do gênero-homem pela Lei Maria da Penha, uma das grandes conquistas brasileiras.

Enquanto há a publicação de livros como esse, de cunho machista, Pernambuco registra o aumento da violência contra a mulher em 2017, tanto em caso de estupro, quanto em caso de feminicídio.

Autor do livro, o juiz Gilvan Macêdo dos Santos

Os dados da Secretaria de Defesa Social (SDS) mostram que não há discriminação do gênero masculino, mas um aumento no número de mulheres que sofrem violência doméstica justamente no estado de lançamento do livro.

Segundo as estatísticas da SDS, quase 90 mulheres são vítimas de violência doméstica e familiar em Pernambuco por dia. Ou seja, a cada 17 minutos a um caso de agressão. Apenas em janeiro deste ano, foram registradas 2.743 ocorrências de violência contra a mulher no estado. Quase mil ocorrências a mais do que em 2015.

Para além da indignação causada pelo tema, o lançamento ocorreria no Palácio da Justiça de Pernambuco, ou seja, em um órgão público de peso. A ilustração da capa do livro também é incoerente.

Uma nota de repúdio assinada por coletivos de mulheres ganhou força nas redes sociais e fez críticas ao conteúdo da obra. Na capa, o autor sugere uma "proposta para a solução do cenário de inconstitucionalidades e injustiças contra o homem advindas da Lei Maria da Penha".

Em nota, diversos movimentos destacaram o aumento da violência contra a mulher em 2017, tanto em caso de estupro, quanto em caso de feminicídio, e a vulnerabilidade da mulher.

Os movimentos lembraram também que a “histórica resistência de Maria da Penha e de tantas outras mulheres sujeitas à violência doméstica e familiar não pode ser reduzida a uma mera discussão teórica, sem qualquer conteúdo e capacidade de se inserir na realidade do debate. E defenderam:

“Igualdade enquanto princípio constitucional e necessário para o aprofundamento da democracia, traz em seu significado a compreensão das desiguais condições materiais (econômicas e sociais) que as mulheres possuem em razão da sistemática subjugação dos seus direitos, da sua dignidade e da sua liberdade”.

A nota também ressalta o histórico profissional do juiz que inclui a perseguição aos movimentos sociais e a resistência a um judiciário garantidor dos direitos e princípios constitucionais.

“O cancelamento do evento horas antes da sua realização não é suficiente para afastar a (ir)responsabilidade da Corte de Justiça do Estado para com a vida das mulheres”, diz o texto.

Confira a nota na íntegra:


NOTA DE REPÚDIO CONTRA O LANÇAMENTO DO LIVRO “A DISCRIMINAÇÃO DO GÊNERO-HOMEM NO BRASIL FACE À LEI MARIA DA PENHA” NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO

O Tribunal de Justiça de Pernambuco receberia hoje, em seu salão nobre, o lançamento do livro “A DISCRIMINAÇÃO DO GÊNERO-HOMEM NO BRASIL FACE À LEI MARIA DA PENHA”, de autoria de um magistrado de Pernambuco que já tem em seu histórico profissional a perseguição aos movimentos sociais e a resistência a um judiciário garantidor dos direitos e princípios constitucionais. O cancelamento do evento horas antes da sua realização não é suficiente para afastar a (ir)responsabilidade da Corte de Justiça do Estado para com a vida das mulheres.

No Estado em que o aumento da violência contra a mulher em 2017, tanto em caso de estupro, quanto em caso de feminicídio, atingiu um nível catastrófico, não é à toa que o judiciário se torna cúmplice de métodos, argumentos e elaborações teóricas as quais tendem a manter a situação de vulnerabilidade da mulher.

A histórica resistência de Maria da Penha e de tantas outras mulheres sujeitas à violência doméstica e familiar não pode ser reduzida a uma mera discussão teórica, sem qualquer conteúdo e capacidade de se inserir na realidade do debate. A igualdade enquanto princípio constitucional e necessário para o aprofundamento da democracia, traz em seu significado a compreensão das desiguais condições materiais (econômicas e sociais) que as mulheres possuem em razão da sistemática subjugação dos seus direitos, da sua dignidade e da sua liberdade.

O Tribunal de Justiça de Pernambuco receber o lançamento de um livro que traz em seu título o esvaziamento da Lei Maria da Penha – um dos mais importantes avanços no combate à violência doméstica e familiar sofrida pelas mulheres – é ter em suas mãos o sangue de Josefa Severina da Silva Filha, Daiane Reis Mota e tantas outras mulheres assassinadas por seus parceiros sexuais.

Não nos calaremos diante da suspeita e injustificável cumplicidade da Justiça de Pernambuco com nossas mortes. Não aceitaremos que nossos direitos sejam esvaziados em alto som nos salões nobres dos poderosos, enquanto nossas mortes são silenciosamente ignoradas. Nenhum direito a menos.

Assinam:
Marcha Mundial das Mulheres de Pernambuco
RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
CPDH – Centro Popular de Direitos Humanos
Grupo Robeyoncé de Pesquisa-Ação
DADSF – Diretório Acadêmico Demócrito de Souza Filho (Direito-UFPE)
Grupo contestação
Maria, vem com as outras! Grupo de extensão em combate à violência contra a mulher.
DCE Dom Helder Câmara – Gestão Ponto de Ruptura
Diretório Acadêmico Fernando Santa Cruz – gestão Sem Medo de Mudar
Coletivo MUDA
Grupo Asa Branca de Criminologia
RENFA – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
Consulta Popular
Secretaria de Mulheres do PT de Pernambuco
PartidA
Meu Recife
Mulheres no Audiovisual PE
MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
Rede de Mulheres Negras de Pernambuco
Levante Popular da Juventude

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Clarissa do Rego Barros Nunes
Juliana Serretti de Castro Colaço Ribeiro
Elisa Maria Lucena Albuquerque
Jéssica Barbosa Siqueira Simões
Aline Marques
Juliana Teixeira (coordenadora do PPGD/UFPE)
Ana Carolina Cavanellas Gomes Pereira
Raíssa Mendonça Leal
Luiza Duarte Lindoso
Maria Joaquina da Silva Cavalcanti
Sophia Alencar Araripe Luna
Juliana Passos de Castro
Elissa Deimling
Raiana Martins Pereira
Luísa Duque Belfort de Oliveira
Renata Alves Calabria
Josenira Ilze do Nascimento
Gabriela Borba da Costa Santos
Laís de Carvalho Lapa
Maria Paula Gusmão Costa Pereira
Tieta Tenório de Andrade Bitu
Luana Paula Ribeiro Varejão