PEC que proíbe aborto até em caso de estupro ameaça vida das mulheres

Enquanto a discussão da Proposta de Emenda Constitucional 181/15 – que proíbe o aborto mesmo em casos de estupro e risco de morte para a mãe – tramita na Câmara dos Deputados o número de estupros aumentam e o aborto clandestino continua a ser uma das principais causas de morte materna. Segundo dados de 2016 do Ministério da Saúde, diariamente, 4 mulheres morrem em hospitais no Brasil por conta de complicações do aborto.

Por Verônica Lugarini*

estupro em Laguna

A PEC 181 tenta retroceder no âmbito dos direitos humanos e impedir o aborto em situações já permitidas por lei, como caso de estupro ou possível morte da mãe, e se mostra uma ameaça às mulheres não apenas ao retirar o direito de escolha de ter uma criança fruto de violência sexual, mas também de não poder optar por sua vida em caso de complicações médicas.

Os números divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelam que o Brasil não avançou nas políticas de proteção às mulheres e que os números de violência contra elas continuam aumentando a cada ano.

Segundo o Anuário, no ano passado foram registradas 49.897 ocorrências de violação no país. O número é superior ao de 2015, quando 47.461 casos foram notificados. Isso porque apenas 35% dos casos chegam às delegacias do país.

Já no que se refere a morte de mulheres por complicações após o aborto clandestino o número chega a 4 por dia, de acordo com dados de 2016 do Ministério da Saúde.

Para além desses dados que comprovam o tamanho do retrocesso em relação aos direitos conquistados pelas mulheres, a manobra encabeçada pela bancada evangélica para aprovação da PEC 181 também demonstra desconhecimento sobre a realidade brasileira.

O artigo “Estupro no Brasil: vítimas, autores, fatores situacionais e evolução das notificações no sistema de saúde entre 2011 e 2014” aponta que entre 2011 e 2014 as crianças de até 13 anos foram as maiores vítimas de estupro, ultrapassando 50% em todos os anos.

Em seguida aparecem as mulheres maiores de idade e em seguida adolescentes, entre 14 e 17 anos, conforme gráfico abaixo:

Ou seja, com a aprovação da proposta, não apenas as mulheres brasileiras seriam negadas de escolha, mas as crianças seriam proporcionalmente as mais afetadas em caso de aborto clandestino.

Outro argumento vai de encontro com a necessidade de continuidade da legalidade do aborto nesses casos. Em entrevista ao Estadão, o médico Cristião Rosa, integrante da associação Grupo Médico pelo Direito de Decidir (Global Doctors for Choice), explicou que a cada 100 mil abortos legais e seguros há somente 0,5 mortes e o indicador chega a quase zero quando a interrupção é feita até a 10ª semana de gravidez.

Com isso, depreende-se que barrar a PEC 181 é também uma questão de saúde pública.

Para a deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), a tentativa de acordo demonstra ainda o peso que a reação das ruas teve sobre a bancada fundamentalista. Desde a aprovação do texto principal no colegiado, mulheres de várias cidades protestaram contra o texto e uma petição online também arrecada assinaturas para impedir o avanço da matéria.

“A proposta que os fundamentalistas vieram fazer demonstra que a reação da sociedade foi grande e fez efeito”, ponderou Jô.

Polêmica

A polêmica, porém, não se restringe ao fato de ferir os direitos das mulheres, mas também por ter sido uma discussão acobertada por uma proposta que era considerada positiva. Uma comissão havia sido formada para discutir a ampliação da licença-maternidade para os casos de mães de bebês prematuros, mas a emenda constitucional foi alterada e passou a incluir conceito de que a vida começa na fecundação do óvulo, e não no nascimento. 

A PEC com aparente boa intenção foi então denominada como "Cavalo de Troia" por ativistas e entidades que defendem o abortamento legal e os direitos reprodutivos das mulheres.

Também gerou inconformismo o fato da votação ter um número alarmante de membros homens na comissão do dia 8 deste mês. Foram 18 homens contra apenas 3 mulheres.

Para Erika Kokay (PT-DF), única mulher presente, a decisão configura “fraude”, ao desrespeitar os 171 deputados que assinaram a proposta original que apenas amplia a licença maternidade para mães de bebês prematuros.

"Aqui se aplaude a morte de muitas mulheres vítimas de violência", disse Kokay após a votação.

Com a mobilização das mulheres, de deputadas e de coletivos feministas, a proposta que seria discutida e votada pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (22) foi adiada, sendo esta uma primeira vitória das mulheres.