Sobre limões, limonadas e a pessoa com deficiência

por Vinicius Gaspar Garcia

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Eu sei, a frase está meio desgastada. Muita gente usa, nem sempre com os melhores propósitos (auto-ajuda me incomoda, embora eu corra o risco de flertar com ela aqui). Mas, parando para refletir sobre minha vida num momento qualquer, como este, me veio essa história de tentar fazer dos limões que aparecem no caminho uma limonada.

Senão, vejamos. Da minha deficiência física adquirida, abriu-se a possibilidade de um campo de estudo que sigo até hoje. Das dores crônicas que passei a sentir de uns anos para cá, brotou fortemente a necessidade de escrever, seja sobre elas, sobre meu passado ou meramente sobre aquilo que penso, como faço agora.

Uma advertência inicial é importante: sem hipocrisia, eu preferiria não ter tanto as deficiências como as dores! A primeira me impôs uma série de privações. Tá certo, muitas coisas são passíveis de adaptação, a vida continua, adquirir uma deficiência física está longe de ser o fim do mundo. Mas, vamos ser claros, não dá para jogar futebol, por exemplo! Como eu adorava fazer isso, sinto uma tremenda falta, sonho que estou fazendo gols (existem testemunhas, eu era bom de bola) e por aí vai.

Quanto às dores, é ainda mais evidente. Você fica tetraplégico, se adapta, vai atrás dos recursos de suporte, retoma a vida, segue o rumo. Depois de quinze anos, já está no ritmo da vida de “chumbado” (algumas pessoas não gostam que eu use essa palavra, mas o faço de maneira leve, carinhosa até). Também existem testemunhas: estudava, trabalha, tinha reunião, namorava (até conhecer a Rê, e depois também, com ela, é claro), saía, viajava, enfim, tudo certinho, exemplo de adaptação!

Aí começo a sentir formigamentos, pressões, “explosões internas” em áreas que, devido à lesão, não tenho sensibilidade. Pernas, pés, mãos, abdômen, é como se uma armadura de ferro e espinhos tivesse tomado conta do meu corpo. Gostoso, né? Toca fazer mil exames, dezenas de consultas, remédios até cansar, terapias diversas. E venho nesse ritmo, com novas privações, vida mais reclusa, menor tempo na cadeira de rodas… E talvez mais tempo para pensar na vida e escrever essas coisas.

Pois é, dos limões para as limonadas. Afastada a hipocrisia, fato é que ambas – a deficiência e as dores – vieram e me obrigaram a encontrar caminhos. Sim, obrigaram! O que eu poderia fazer? Jogar-me da ponte? Também não dava com o nível de limitação física!

Então, da minha nova realidade com uma deficiência física, da convivência com outras pessoas com deficiência e da minha vontade de procurar entender as questões sociais e econômicas, o que já vinha antes, surgiu a ideia de estudar e pesquisar sobre tudo isso. O que me motiva até hoje. Do advento das dores crônicas, da raiva, da tristeza, do questionamento sobre os obstáculos que a vida, repetidamente, nos impõe, surgiu essa ânsia por escrever, por expressar de algum jeito, por compartilhar o que penso. Porque falar sobre as dores, quando escrevo sobre elas e leio meus textos em voz alta, é um jeito de combatê-las ou, ao menos, torná-las menores, menos dominantes, toleráveis, passíveis de algum tipo de convivência.

Por fim, o curioso é pensar que as coisas foram assim, em grande medida, sem nenhum tipo de planejamento prévio. Claro, a racionalidade é necessária, mas muitas vezes o limão se transforma em limonada sem que o ato de espremer seja premeditado. A vida, ou algo maior (será?), te empurra para os caminhos que são necessários tomar.

Onde isso vai dar, não sei… Mas é preciso seguir.