Renato Rabelo: Paulo Fonteles Filho tinha paixão pela luta

Segundo o presidente da Fundação Maurício Grabois, Paulo Fonteles Filho deixa um grande exemplo, uma memória importante.

Por Osvaldo Bertolino, do Portal Grabois

Renato Rabelo Paulinho Fonteles

Paulo Fonteles Filho foi um arqueólogo da vida, um construtor do presente, um arquiteto do futuro. O Sul do estado do Pará, região de agudos conflitos de classes, acostumou-se com a sua presença espalhando generosidade, sonhos e esperanças. A cidade de Belém presenciou sua intrepidez na semeadura de ideias para um Brasil democrático, soberano e desenvolvido. Incontáveis vezes os paraenses ouviram e leram suas palavras falando de justiça, paz, lutas, direitos humanos, progresso social. Não raro, viram seus gestos enfatizando pensamentos, convicções, concepções, reforçando o vigor das palavras com punhos fechados e mãos apontando para horizontes imaginários.

Mas as circunstâncias encerraram essa trajetória precocemente, com seu abrupto falecimento na madrugada de 26 de outubro de 2017, decorrente de parada cardíaca durante o tratamento de boncopneumonia. Uma sensação de vazio tomou conta da militância do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) — ao qual ele pertenceu desde os primeiros anos da adolescência —, de familiares, amigos, companheiros de ideais, camponeses e demais trabalhadores que com ele conviveram. Fica a memória de um bravo lutador, que muitas vezes pôs a vida em risco para defender as bandeiras que abraçou.

Nos últimos tempos, dedicou-se também ao registro da memória de seu pai, Paulo Fonteles, assassinado em 11 de junho de 1987 por balas de pistoleiros a serviço de latifundiários. Criou, com outros familiares de vítimas da ditadura militar, o “Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos”, que prepara o livro biográfico do pai, intitulado “Paulo Fonteles, sem ponto final”, do escritor Ismael Machado.

Perseguido pelos mesmos que tiraram a vida do pai, teve de se ausentar do seu estado. “Estive com ele recentemente, que me contou sobre seu auto-exílio em Niterói, Rio de Janeiro”, diz Renato Rabelo, ex-presidente do PCdoB e presidente da Fundação Maurício Grabois, que conviveu com Paulo Fontes, pai de Paulinho, como ele carinhosamente chama Paulo Fonteles Filho.

De acordo com Renato Rabelo, seus relatos lembraram muito o caso do seu pai. “A gente não pode correr o mesmo risco de anteriormente. Tiramos a lição de que não se pode subestimar o papel sobretudo de oligarquias como aquelas do Pará”, comentou ele com Paulo Fonteles Filho, enfatizando que o PCdoB passou a levar muito em conta a importância de preservar seus quadros, não se deixando levar por visões espontâneas, voluntaristas. “Isso só levava a fracassos e até mesmo à perda de dirigentes importantes do PCdoB”, afirmou, destacando que ele concordou com essa orientação.

Na conversa, Renato Rabelo diz ter comentado que achou correto ele sair da região até a situação esfriar. “Conversamos sobre alternativas e procurei ajudar, porque gato escaldado tem medo de água fria. Me veio muito à memória o caso do pai dele, com quem convivi”, comenta, lembrando que recomendou uma solução bem definida para o caso. “Paulinho, você tem de levar isso a sério, não pode tratar a questão ouvindo a opinião de um e de outro, que não vai resolver nada. O Partido tem de sentar contigo, inclusive com a presença de gente da direção nacional, e definir claramente onde você vai e que tarefa vai fazer, para te preservar, sobretudo nesse momento mais agudo”, recomendou.

Segundo Renato Rabelo, ele levantou a hipótese de fazer pós-graduação em direito em Portugal, possiblidade que considerou interessante, desde que fosse uma conclusão amadurecida. “Fiquei muito preocupado e procurei acompanhar isso. Depois é que soube que ele ficou muito doente”, comenta. Na conversa, Paulo Fonteles Filho pediu a Renato Rabelo uma apresentação do livro biográfico do pai. “Ele estava muito encantado com o lançamento, um projeto que merecia muita sua atenção, que eu considerei de fato importante porque ali está retratada a vida de Paulo Fonteles, com aspectos importantes daquela trajetória de luta libertária que a gente não pode deixar no esquecimento”, destaca.

Para Renato Rabelo, a conversa deixou uma recordação importante. “Eu poderia dizer que o Paulinho era a expressão viva do pai. Aliás, conversando com ele parece que eu estava diante do Paulo Fonteles. O Paulinho, como o pai, vivia a luta política de forma muito intensa, de maneira abnegada, apaixonada. Havia uma verdadeira paixão pelo que eles faziam, ações cheias de sonhos, de utopias, de ideias”, comenta. “Interessante que o contato com o Paulo Fonteles Filho era quase que uma revisitação à memória do seu pai. Até a voz, o jeito de falar. A mesma coisa”, enfatiza, recordando que na apresentação do livro cita que eram semelhantes até nas idiossincrasias.

Ao saber da morte de Paulo Fonteles Filho, diz Renato Rabelo, a trajetória do seu pai lhe veio à cabeça com muita força. “Aliás, recebi a notícia de manhã e para mim foi um choque terrível. Parece que eu estava vivendo novamente a morte do Paulo Fonteles. Porque eu via um e outro. Era impressionante isso”, diz. “Na conversa, observei que ele tinha tantas ideias, tantos projetos, uma pessoa nova, com grande viço, e morre assim, também de forma estúpida”, comenta, destacando que mesmo jovem ele tinha uma trajetória muito rica, dedicada à luta libertária, à defesa dos direitos humanos na vasta região da Amazônia do Pará.

De acordo com Renato Rabelo, a trajetória de Paulo Fonteles Filho é a de um exemplo de militante dedicado à causa do povo mais simples, sem ajuda e apoio. “Ele também se empenhou na localização dos guerrilheiros desaparecidos no Araguaia e se dedicou muito a isso, conseguindo certo êxito. Do PCdoB, talvez era o militante mais destacado na luta pelos direitos humanos. Deixa um grande exemplo, uma memória importante para o Partido”, afirma, enfatizando que os comunistas precisam desses exemplos. “O PCdoB se fortalece com a prática de seus militantes, sobretudo aqueles mais dedicados, que tem um papel de proa. É assim também que a gente forma o Partido”, finaliza.