Em editorial, Estadão chama Operação Lava Jato de "partido político"

"Aos poucos, a Lava Jato, que caminha para seu quarto ano, vai deixando de ser uma operação contra um esquema de corrupção em estatais e organismos de governo para se transformar em partido político", a afirmação é do editorial do jornal O Estado de São Paulo publicada nesta terça-feira (24), intitulado "O partido da Lava Jato".

Por Dayane Santos

Lava Jato estadão - Reprodução

A imprensa sempre foi um braço importante da Lava Jato. Em entrevista ao jornal, publicada nesta segunda-feira (23), o próprio juiz federal Sérgio Moro disse que o apoio da imprensa foi fundamental para o fortalecimento da Operação Lava Jato. No entanto, desde a efetivação do golpe, com a posse de Michel Temer, o Estadão tem publicado editoriais com criticas à Lava Jato.

O jornal faz elogios a Lava Jato, dizendo que a mesma foi importante quando se "limitou a investigar a trama de relações promíscuas instalada na máquina do Estado desde que o PT chegou ao poder". Evidenciado de que lado está, o Estadão diz que "limitando-se a punir quem deve ser punido", a Lava Jato prestou inestimável serviço ao país, mas "quando se comportam como candidatos em campanha, seus integrantes se arriscam a perder credibilidade".

A Lava Jato sempre se autoproclamou como paladinos do combate à corrupção. Porém, na visão do Estadão, a "metamorfose começou a se manifestar quando alguns procuradores que integram a operação começaram a falar em “saneamento” da política como seu principal objetivo".

De acordo com o jornal, "ao se atribuírem uma tarefa que claramente extrapola o escopo de seu trabalho, imiscuindo-se em seara que, numa democracia, é exclusiva dos eleitores e de seus representantes no Legislativo, esses procuradores acabaram por se comportar como militantes de um partido – e, como tal, passaram a tratar todos os críticos de sua “plataforma” como adversários políticos".

O que o Estadão trata como novidade, sempre foi apontado por diversos setores como um objetivo evidente, a julgar pelos desdobramentos da operação e as ações seletivas, com apoio incondicional da imprensa, inclusive do Estadão, demonstrando que não se tratava de uma "investigação", mas de ações políticas.

Alvo: Dallagnol

O Estadão faz uma crítica direta ao procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Segundo o jornal, Dallagnol deixou claro a disposição política partidária ao dizer que “o objetivo da operação é colocar essas pessoas poderosas debaixo da lei”.

"Mas, segundo o procurador, “há um problema: elas fazem as leis”. Ou seja, a julgar pelo que diz o coordenador da Lava Jato, a operação só será considerada bem-sucedida se varrer do Congresso “grande parte da classe política”, gente que, em sua visão, faz leis exclusivamente para se proteger da Justiça", destaca o editorial.

Na entrevista, o procurador mantém o discurso das "convicções" e diz que não basta julgar os políticos que a Lava Jato considera corruptos, pois “apenas punições não resolvem” e que é preciso “avançar para reformas anticorrupção no sistema político, no sistema de Justiça e em outras áreas”. Para tanto, ele considera essencial eleger representantes “que tenham um compromisso claro com a causa anticorrupção”.

"O nome disso é política partidária. Em lugar de se preocupar com a obtenção de provas para sustentar as muitas acusações feitas contra políticos, alguns integrantes da Lava Jato parecem mais empenhados em construir a imagem de que a operação veio para salvar o Brasil e que ela se transformou em “patrimônio nacional”, conforme as palavras do procurador Dallagnol. Tornou-se assim, segundo essa visão, não apenas inatacável, mas também única intérprete autorizada dos anseios nacionais", diz outro trecho do editorial.

Ainda de acordo com o jornal, "o problema é que a sociedade dificilmente concordará com isso". O texto segue enfatizando que, se os parlamentares legitimamente eleitos "decidirem que algumas das leis e reformas propostas pelo partido da Lava Jato não servem para o país, isso não significa uma vitória da corrupção nem uma derrota da operação, e sim uma rejeição ao que poderia ser desde uma ideia qualquer até uma agressão ao Estado de Direito".

"Excessos do MP"

Vale destacar, que o alvo principal de críticas do Estadão é o Ministério Púbico Federal. Em outro editorial na mesma página, intitulado "Dos fins aos meios", o jornal diz que que trata de "excessos, ilegalidades e usurpação de papéis institucionais" que "têm sido cometidos como se estivessem autorizados pelo respaldo popular e pela justeza da causa".

O artigo segue o tom de críticas severas à cruzada anticorrupção do MP e chega a afirmar que tais ações – vejam só – representam uma ameaça à democracia.

"Um sinal evidente da ameaça à democracia representada por essa sanha saneadora que se impõe aos limites da lei é a distorção, feita por alguns membros do Ministério Público (MP), da natureza do instituto da colaboração premiada. O que deveria servir meramente como base para o início de uma investigação criminal tem sido convertido em sentença condenatória com uma frequência alarmante. E, o que é pior, uma sentença condenatória da qual o “acusado”, ou seja, o delatado, não pode recorrer por não contar com os instrumentos do contraditório previstos no processo judicial regular, diz o texto.

Mudou?

Mas a opinião da família Mesquita mudou da água para o vinho. Em 17 de janeiro de 2016, o editorial intitulado "Manifesto irrefletido", criticava carta de um grupo de advogados de defesa que denunciam os abusos e arbitrariedades da Lava Jato.

“Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática”, dizia o manifesto dos advogados.

O Estadão rebateu desqualificando os advogados, chamando de "molecagem" e dizendo que só faziam aquilo para defender os seus clientes, pois "a Operação Lava Jato está plenamente inserida nos caminhos institucionais".

"Se ela não estivesse dentro da mais plena legalidade, certamente muitos dos subscritores do manifesto, de notória capacidade profissional, já teriam obtido a nulidade dos processos. O que os preocupa é a consistência dos passos dados pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário".

Com isso o Estadão passa de um discurso de louvação a Lava Jato para manifestar uma súbita adesão a "molecagem" dos advogados. A que se deve essa repentina conscientização a respeito do devido processo legal?

Parece que a família Mesquita segue o roteiro do golpe. Apoiou a ditadura militar de 1964 e depois, diante da censura, foi obrigada a criticar já que era isso ou as receitas de bolo.

Enquanto Dilma Rousseff estava no poder, a campanha anticorrupção da Lava Jato atendia aos interesses dos donos do jornal que estabelecem a linha editorial. Agora, o discurso perde força para dar lugar ao "Estado Democrático de Direito".

A que interesses servem essa mudança editorial? Pela trajetória do Estadão, sabemos que não se trata dos interesses do Brasil.