PSDB flertou com o fascismo e agora é obrigado a encará-lo

Na ânsia de tomar o poder o PSDB flertou com o fascismo. O inconformismo com a quarta derrota consecutiva nas urnas, levou a legenda a elevar o tom do discurso de ódio e adotar o moralismo, como instrumento de combate à corrupção. Judicializou a política e insuflou a campanha midiática de espetacularização do processo. Como disse o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), tiraram o gênio do fascismo da lâmpada e agora não sabem como devolvê-lo.

Por Dayane Santos

João Doria - Reprodução Facebook

“No processo do impeachment, foram convidados outros atores para participar do processo político que, em situação normal, não estariam como o Ministério Público e o Judiciário. Mas isso foi muito conveniente quando se tomou a decisão de derrubar o governo da Dilma”, afirmou o sociólogo Rafael Castilho, pesquisador da Fespsp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).

Segundo ele, ao insuflar o golpe, os tucanos deram “protagonismo a outros personagens fora do sistema político partidário, que agora não querem mais voltar ao lugar onde estavam”.

“Agora reivindicam tomar o poder, eleger candidatos. A disputa feroz, que sempre existiu no PSDB, se tornou até vulgar para ver quem leva”, reforçou ele, se referindo ao bate-boca nas redes sociais entre o vice-presidente nacional da legenda e ex-governador de São Paulo Alberto Goldman e o prefeito paulistano, João Doria, que postula a vaga de candidato a presidente em 2018 pela sigla.

Goldman questionou Doria se ele é prefeito ou candidato à presidência. "Esse é o homem que se diz puro, limpo, gestor, que não tem nada a ver com políticos. Ele é político sim, mas dos piores políticos que já tivemos aqui em São Paulo", diz Goldman.

O fogo amigo se transformou em artilharia pesada. Sob o título "Nove meses, e o prefeito ainda não nasceu", Goldman disse: "Prefeito nós não temos. Temos um candidato a presidente da República e é preciso que o prefeito assuma de uma vez por todas o que ele quer. Quer ser presidente ou prefeito? Se quer ser prefeito, comece a ser. Pare de simplesmente fazer cena".

Também pelas redes sociais, Doria respondeu com outro vídeo demonstrando que não pretende parar a guerra. "O meu bom recadinho vai pra você, Alberto Goldman. Você que viveu a vida inteira na sombra, na sombra do Orestes Quércia, na sombra do José Serra, você que é um improdutivo, um fracassado. Você coleciona fracassos na sua vida, e agora vive de pijamas na sua casa. Fique com a sua mediocridade que eu fico com o povo, Alberto Goldman”.

Arthur Virgílio entrou na briga e disse que Doria não tem legitimidade para ser candidato e criticou o fato dele ter comprado apoio do MBL, grupo que foi o braço dos tucano nas manifestações pelo impeachment.

Em meio às bicadas de tucanos, seja com Doria ou Alckmin, a legenda é sócia majoritária do golpe e vai para eleição em 2018 enfrentando dificuldades para convencer a população de que é a alternativa para a crise.

“Existe um sentimento na população de que os problemas políticos não passam de uma disputa paulista, gerando uma percepção de que São Paulo quer tudo. E o PSDB é visto como um partido de São Paulo, o que aumenta as dificuldades de penetração da legenda em certas regiões. Não se pode descartar o fato de que a população ainda associa o PSDB como o partido dos ricos”, avaliou Castilho.

O "novo" faz a velha política

João Doria se garantiu como candidato a prefeito tendo como padrinho o governador de São Paulo Geraldo Alckmin. Desde as prévias, o seu nome não era uma unanimidade. A confirmação como candidato foi a base de muitos socos e pontapés nos diretórios municipais e a saída de lideranças como o vereador Andrea Matarazzo, fundador do PSDB e então pré-candidato.

Eleito, o tucano Doria quer voar sozinho e decidiu disputar a vaga de candidato a presidente, que já era preterida pelo seu padrinho Geraldo Alckmin.

“Doria tenta se colocar como alguém fora do jogo político, mas ele foi eleito para ser prefeito e até agora não foi. E as pessoas estão cobrando. Acabou a lua de mel como prefeito, pois os problemas estão ficando cada vez mais visíveis para a população. Vai ser muito difícil para ele se descolar dessa imagem de não-político”, observou Rafael Castilho.

Falência

Para o sociólogo, a disputa interna do PSDB pode não resultar no que esperam. “A hipótese principal é que ninguém leve. A classe política está muito preocupada com essa crise das instituições e é muito provável que nenhum deles leve, mas um outro insider: Bolsonaro”, analisa.

“Com a política criminalizada e as instituições enfraquecidas, as soluções autoritárias passam a ser mais tentadoras”, adverte Castilho. “O que fizeram em 2016 foi jogar no lixo todas as conquistas que o país teve nas últimas duas décadas”, reforça.

Para o sociólogo, caso o ex-presidente Lula não seja candidato, os votos dele não migram para um candidato progressista, mas para o Bolsonaro.

“E isso se explica porque as pessoas querem alguém com capacidade de resolução. Assim como nos EUA, se o Bernie Sanders tivesse sido candidato no lugar da Hillary Clinton, pelo partido Democrata, poderia ter vencido o Trump. Existe uma busca hoje por uma espécie de “sinceridade” no discurso político. As pessoas querem alguém que tenha capacidade de superar esse jogo de cartas marcadas, essa democracia do mercado que, mesmo elegendo candidato da esquerda ou da direita, não consegue superar o que está decidido pelos grandes grupos econômicos. Um estado sob intervenção do mercado”, disse.

Segundo ele, no Brasil e em todo o mundo há uma criminalização da política que, somada a incapacidade dos partidos de atender às demandas de desenvolvimento, tem levado a outros atores a ganhar protagonismo.

“Ainda que as instituições estejam funcionando, está com uma febre de 40 graus. Uma grande parte da população brasileira tem uma um profunda decepção e desconfiança com o processo democrático. Na percepção da população, essa democracia é um teatro, pois quem eles elegeram, assumiu, mas depois foi deposta. Em seguida houve um grande choque das instituições”, destacou.

De acordo com Rafael Castilho, a atual crise política deve durar pelo menos dez anos. “Não é de resolução simples. Se ganha o Lula, setores da classe política e da sociedade não vão aceitar. Se for outro candidato, depois do que fizeram no impeachment, as outros as forças políticas também vão querer derruba. Esse é o problema gerado pelo que aconteceu em 2016”, enfatizou.