A mídia brasileira precisa ser debatida com urgência

O desconhecimento que a sociedade tem do seu próprio país se deve à maneira como a grande mídia recria a nação. É preciso discutir sua estrutura e conteúdo para compreender o papel que ela exerce.

Por Pedro Simon Camarão*

Globo golpista - Blog Miguel do Rosário

O Brasil vive um momento singular resultado da crise política que se arrasta desde 2013, quando ocorreu a primeira leva de grandes protestos protagonizados, principalmente, pela classe média. No período em que as manifestações se iniciaram, quando a grande mídia brasileira não atuava como convocadora, o objetivo dos protestos era exigir mais e melhores serviços públicos.

Já quando os grandes meios de comunicação e a Globo, principalmente, passam a explorar as manifestações nos noticiários, a pauta foi se invertendo e ocorreu uma separação entre “manifestantes de esquerda”, que muitas vezes eram associados à “baderna”, e “manifestações pacíficas” que, segundo as notícias, eram protagonizadas por “cidadãos brasileiros”. Infelizmente, foi muito difícil a essa altura distinguir exatamente o que significava cada uma das manifestações, quem participava delas e quais os anseios de cada um desses participantes.

O fato é que o quadro apresentado pela grande mídia encaixotou os brasileiros em diferentes campos e fomentou a polarização, o que provocou fortes tensões em momentos de extrema importância para a política nacional. Porém, toda essa crise não permitiu que a grande mídia saísse do processo com o mesmo poder com o qual entrou. O ativismo das grandes empresas de jornalismo do Brasil foi tão grande que acabou não sendo possível esconder da população a maneira enviesada pela qual eram produzidas as notícias. Não se trata de afirmar que a grande mídia perdeu o seu poder, mas hoje ela divide as atenções da opinião pública com informações que são provenientes de outras fontes, majoritariamente, da internet.

Prova de que o monopólio da grande mídia vem sendo abalado é a tentativa do Jornal Nacional da Rede Globo de se apresentar como um programa feito por profissionais da internet e da televisão, se proclamando utilizador de uma linguagem diferenciada. A alteração que ocorreu recentemente vem sendo feita também nas outras emissoras e é uma consequência da aproximação do público com a internet. É uma tentativa da grande mídia de se manter como a maior influenciadora da opinião pública. Acontece que o Brasil de hoje é bem diferente de como era nos anos 1990 quando essas grandes empresas de comunicação controlavam quase toda a informação que circulava no país. Hoje, graças à internet, pode-se dizer que a Rede Globo e as outras emissoras já não são as únicas provedoras de entretenimento audiovisual e informação das famílias.

A quebra do monopólio da informação exercido pela grande mídia brasileira há décadas é algo significativo, mas está muito longe de representar uma democratização da informação. Enquanto a polarização na sociedade vai se arrefecendo muito vagarosamente, fica nos cidadãos a sensação de que as notícias podem não ser representações tão confiáveis dos fatos. Mesmo que por tradição continue-se a consumir os mesmos jornais e os mesmos programas, hoje, existe uma ponta de desconfiança que antes não tinha lugar.

Essa nova situação requer atenção porque dela pode decorrer uma série de novas ressignificações sobre o funcionamento da sociedade brasileira que é extremamente pautada pelos media. Entretanto, se não surgirem questionamentos que possam gerar reflexão no grosso da sociedade, o processo de transformação permanecerá estagnado. Debater o conteúdo e a estrutura da grande mídia talvez seja o caminho mais produtivo para a compreensão do papel que ela exerce.

Arrisco dizer que a responsabilidade pelo desconhecimento que a sociedade tem do seu próprio país se deve à maneira como a grande mídia recria a nação. Na perspectiva das grandes empresas de comunicação existe apenas o Sudeste, Brasília e uma parte do Sul. O restante é tratado apenas em ocasiões especiais. Os assuntos prioritários são política, economia e violência.

A política restringe-se a Brasília, a como estão as discussões na capital que vão afetar o restante do país. O problema é que essas notícias são construídas a partir da política e não dos cidadãos. Seria muito diferente se a notícia tivesse como preocupação primordial a vida e a perspectiva do cidadão. Na economia, a lógica é parecida. As notícias tendem a mostrar como o trabalhador e o consumidor são afetados por mudanças no mercado ou no cenário econômico.

O discurso do trabalhador é ignorado, é como se essa parcela da sociedade não tivesse um posicionamento que merecesse ser acrescentado no debate nacional. Já a violência é o único tema que pode motivar notícias de qualquer região do Brasil. Enquanto isso, diariamente, milhares convivem com as dificuldades da seca no semiárido nordestino e quase nada é dito sobre isso. Da mesma forma, é cada vez maior o número de pessoas que convive com a fome, mas esse é outro assunto indesejável para a grande mídia. A educação, a cultura, a falta de políticas para cultura, a falta de serviços públicos de qualidade e os motivos desses problemas também são ignorados pelos telejornais e jornais impressos. Esses assuntos só vêm à tona quando são utilizados politicamente contra ou a favor de algum ator político.

Há que se debater a qualidade desse tipo de jornalismo que esconde não apenas uma parte do Brasil, mas uma parcela significativa da população. As forças políticas também não são tratadas de forma semelhante, o que deixa claro que não existe pluralidade de discursos na mídia brasileira. Uma característica que prejudica o país como um todo.

*Pedro Simon Camarão é jornalista, trabalhou como repórter de televisão e atualmente é colaborador na Fundação Perseu Abramo e mestrando em Comunicação e Semiótica na PUC-SP.