Catalunha pede mediação internacional nas negociações com Madri

Executivo catalão também irá criar uma comissão para investigar os casos de abuso cometidos pela polícia espanhola no dia da votação; ONU também quer investigação

Catalunha independente - Paperblog

Após reunião extraordinária com o Executivo catalão nesta segunda-feira (02), o presidente da Catalunha, Carles Puigdemont, afirmou que busca “mediação” internacional com governo espanhol.

“Este momento pede mediação”, disse Puigdemont um dia após o referendo em que os catalães votaram a favor da independência da região. O presidente ainda destacou que é necessário “reestabelecer a normalidade institucional” com o governo de Madri, porém não renunciará ao resultado favorável da votação de domingo.

“Não deixaremos de insistir no que já é um clamor internacional: este momento pede mediação. O governo espanhol deve estar disposto. Se aparecem atores que sirvam, seria uma irresponsabilidade não fazê-lo”, afirmou. Puigdemont ainda fez um pedido ao governo de Mariano Rajoy, para que aceite uma “terceira via” para normalizar as relações e “ponha fim à violência policial e crie um clima de distensão que permita essa mediação leal e sincera”.

O executivo catalão também irá criar uma comissão para investigar os casos de abuso cometidos pela polícia espanhola no dia da votação. Mais de 800 pessoas ficaram feridas em decorrência da ação de policiais enviados à região para impedir que o referendo ocorresse.


Zeid Ra’ad al-Houssein, principal autoridade de direitos humanos da ONU, também se manifestou pedindo que as autoridades espanholas investiguem os casos de violência cometidos pela polícia.

“Eu acredito firmemente que a atual situação precisa ser resolvida através do diálogo político, com total respeito pelas liberdades democráticas”, disse Houssein, em comunicado.

O chefe do executivo catalão ainda afirmou que “a Comissão Europeia deve encorajar a mediação internacional, ela não pode mais desviar o olhar”. Em comunicado divulgado nesta segunda-feira, a Comissão Europeia declarou que “violência nunca pode ser um instrumento na política. Nós confiamos na liderança do primeiro ministro Mariano Rajoy para administrar esse difícil processo, com respeito total pela Constituição da Espanha e os direitos fundamentais dos cidadãos”.

Referendo

No último domingo, 2,2 milhões de catalães foram às urnas para decidir se a região se tornaria independente da Espanha. O resultado foi de 90% dos votos a favor do 'sim'.
Desde que foi convocado pelo governo catalão em junho deste ano, o referendo tem sido considerado ilegal e inconstitucional pelo governo espanhol. O premiê espanhol chegou a declarar que “não haveria referendo na Catalunha” e que sua convocação configurava uma “desobediência”.

O debate e a necessidade de diálogo 

O movimento pela independência da região tem sua origem há séculos, quando em 1714, a Catalunha perdeu seu autogoverno em uma guerra de sucessão pelo trono espanhol. Em 2006, foi aprovado em referendo um estatuto que concedeu mais autonomia à região e a classificou com “nação”, mas tal decisão foi anulada por Madri.

Os catalães argumentam que existe uma intenção por parte do governo espanhol de "asfixiar" a autonomia da região e recentralizar o território. Além disso, os indepedentistas alegam que, como a região representa 19% do PIB do país, contribui demais para a economia e acaba financiando as demais comunidades do território.

A Catalunha nunca chegou a ser uma nação independente, mas tem um governo próprio conhecido como Generalitat. A região fazia parte do reino de Aragão, quando foi unificada ao reino de Castela em 1492, dando origem ao nascimento da Espanha. Além de ter aspectos culturais completamente diferentes, a Catalunha tem idioma próprio e não se reconhece como parte da nação espanhola.

O sentimento independentista ganhou força durante a segunda metade do século XX, após a região retomar autonomia com a queda da ditadura franquista. Somando 19% do PIB da Espanha e 12% da população do país, a Catalunha reacendeu o debate da independência em 2010, durante grave crise econômica que a Espanha passava.

O atual debate independentista teve origem em 2005, quando os catalães aprovaram, também em referendo, novas leis de autonomia. O Estatuto, como foi chamado o conjunto de leis, ampliava os poderes da Generalitat e classificava a Catalunha como uma ‘nação’ dentro do território espanhol. Após protestos do governo central de Madri, o Tribunal Constitucional da Espanha anulou a decisão catalã, o que deu início a uma série de protestos independentistas.

Em 2014, a Generalitat convocou uma consulta popular (de caráter simbólico, diferente de um referendo) onde 80% dos 2,3 milhões de votos escolheram o “sim”. A decisão foi considerada ilegal. Em 2015, a chapa Juntos pelo Sim, que defende a independência e concorreu nas eleições locais, se juntou com a Candidatura de Unidade Popular, de esquerda, para formar um governo. Carles Puigdemont assumiu a presidência da região autônoma da Catalunha prometendo a convocação de outro referendo, que foi realizado no último domingo (01).

O parlamento catalão declarou que irá implantar o resultado da votação em 48 horas, contadas a partir da promulgação oficial do resultado do referendo. Isso representaria uma declaração unilateral de independência e a criação de uma república catalã.

Segundo as leis espanholas, o governo de Madri poderia recorrer a poderes de emergência e ocupar os controles administrativos da região para impedir a independência. A Catalunha precisaria de reconhecimento e apoio internacional ou um acordo com o governo espanhol para ser reconhecida como nação independente. Em comunicado, a ONU pediu ao governo espanhol que respeite a liberdade de expressão e o direito a manifestação dos catalães.

O discurso da unidade nacional é um dos motes para que a Espanha seja contrária à independência da Catalunha. No entanto, questões econômicas parecem figurar como as principais responsáveis pela aversão do governo espanhol à causa dos independentistas. A região abriga indústrias de ponta e e lidera setores chave da economia do território nacional espanhol.

Exemplo disso é a presença na Catalunha de mais da metade das 1.600 companhias espanholas que têm participação alemã.

Luis de Guindos, ministro da economia da Espanha, afirmou que uma Catalunha independente (e fora da UE) significaria, além de um "suicídio político, uma queda entre 25% a 30% do PIB da região e uma duplicação do desemprego".

Com a Constituição espanhola de 1931, a Catalunha conseguiu pela primeira vez certa autonomia em relação ao governo central de Madri, passando a ser governada pelos nacionalistas. Após a Guerra Civil que terminou com a derrubada da República e a escalada fascista do general Francisco Franco, a região catalã passou a ser perseguida e perdeu toda a sua autonomia. Passou-se, por exemplo, a proibir o idioma catalão.

Passados 40 anos de ditadura franquista, a Espanha se tornou novamente uma República, com a promulgação da Constituição de 1978. Os catalães exerceram grande influência na elaboração da atual Carta Magna, podendo moldar o texto a diversas necessidades regionais. De concepção descentralizadora, os catalães conquistaram, com a Constituição, a autonomia desejada.