O atentado de Las Vegas e o grande número de tiroteios nos EUA 

Stephen Paddock, aposentado de 64 anos, matou 58 pessoas. Atentado foi reivindicado pelo Estado Islâmico, mas autoridades dizem não haver provas de ligações a nenhuma organização terrorista. Astima-se que grandes tiroteios causam em média 121 mortes por ano nos Estados Unidos; entre 2009 e 2016, ocorreram 156 tiroteios que causaram a morte de 848 pessoas

Policiais no local do tiroteio em Las Vegas - ETHAN MILLER/AFP

As autoridades identificaram Stephen Paddock como o autor dos disparos que fizeram pelo menos 58 mortos e 515 feridos em Las Vegas, naquele que foi o tiroteio mais mortífero na história moderna dos Estados Unidos. O homem de 64 anos disparou a partir do quarto no 32.º andar do hotel Mandalay Bay, sobre uma multidão que assistia a um concerto ao ar livre, na madrugada de segunda-feira.

Segundo a polícia de Las Vegas, Paddock, um contabilista aposentado, cometeu suicídio no quarto de hotel depois do tiroteio. O homem estava hospedado naquele quarto desde o dia 28 de setembro e tinha com ele cerca de 10 armas automáticas.

"Acreditamos que o indivíduo se matou antes de entrarmos no quarto", disse o xerife de Las Vegas, Joe Lombardo.

Paddock vivia na cidade de Mesquite, no estado de Nevada, a mais de 70 quilómetros de Las Vegas. O atirador comprara uma casa nesta cidade – com cerca de 18 mil habitantes – em janeiro de 2015, segundo o Las Vegas Review Journal.

O homem não parecia estar ligado a qualquer grupo de militantes, segundo a polícia. Contudo, esta segunda-feira, o grupo terrorista Estado Islâmico reivindicou o ataque e declarou, através da agência de propaganda Amaq, que Paddock era "um soldado do Estado Islâmico" que se converteu ao islamismo há poucos meses.

Por outro lado, o FBI afirmou que não foi encontrada nenhuma ligação entre o incidente em Las Vegas e organizações terroristas. Fontes do governo afirmaram à Reuters que o nome de Paddock não constava em nenhuma lista de suspeitos de terrorismo e que, no comunicado, o Estado Islâmico não incluiu o nome de Paddock nem apresentou nenhuma prova que mostre que o homem era de fato militante do grupo.

"Não temos ideia de quais eram as suas crenças", disse o xerife Joe Lombardo. O irmão do atirador disse que Stephen era um homem normal, sem problemas de saúde ou dinheiro que vivia uma vida calma de aposentado.

Eric Paddock, que foi interrogado pelo FBI, disse também numa entrevista ao Las Vegas Review Journal que o irmão ia por vezes a Las Vegas jogar nos casinos. A cidade é conhecida como centro mundial do jogo, espetáculos e diversões.

Eric, de 55 anos, mostrou-se muito surpreendido por tudo o que aconteceu e disse que o irmão "podia até ter uma arma ou duas, mas não tinha um grande estoque delas".

"Não temos ideia de como isto aconteceu. É como se um asteroide tivesse caído em cima da nossa família", disse Eric. O homem diz ainda que falou com o irmão pela última vez quando o furacão Irma chegou aos Estados Unidos, em agosto. Stephen queria saber como estava a mãe.

O tiroteio deste domingo foi considerado o mais mortífero na história moderna dos EUA por ter feito mais vítimas do que o tiroteio de junho de 2016 na discoteca Pulse, em Orlando. Esse atentado, que foi também reivindicado pelo Estado Islâmico, deixou 49 mortos. Ainda assim, as autoridades realçam que o balanço de 50 mortos em Las Vegas é, neste momento, ainda provisório.

Os tiroteios e a questão do porte de armas nos EUA

Entre 2009 e 2016, ocorreram 156 grandes tiroteios, aqueles em que morrem pelo menos quatro pessoas. Esses ataques mataram 848 pessoas, de acordo com dados da organização Everytown, que advoga por um maior controle no uso de armas. Isso significa que em média por ano ocorrem 22 grandes tiroteios nos EUA que causam 121 mortes.

Se forem incluídos todos os tiroteios, ou seja, não só os que matam pelo menos quatro pessoas, os números são muito mais dramáticos. O cálculo indica que a cada ano no país morrem 33.000 pessoas por disparos de armas de fogo, o que equivale a 93 por dia, de acordo com dados da Campanha Brady.

Existem mais dados. A maioria dos grandes tiroteios, 54% deles, está relacionada à violência doméstica e familiar, segundo a Everytown. 63% ocorrem em residências privadas. Em 42% dos tiroteios, o agressor deu mostras anteriores de uma conduta perigosa, seja tentativas prévias de violência ou abuso de substâncias. 34% dos tiroteios foram realizados por pessoas que não tinham permissão de portar armas, o que revela a ineficiência dos controles atuais.

Não há um número exato de quantas armas de fogo existem em mãos de civis nos EUA, mas as estimativas são que o número equivale a nove para cada dez pessoas. O Serviço de Pesquisa do Congresso calculou, em um estudo de 2012, que três anos antes existiam nos EUA 310 milhões de armas. A população estadunidense é de 321 milhões de habitantes.

A abundância de pistolas e rifles, e o fracasso das principais tentativas de se impor maiores restrições à compra e venda desses artefatos se traduzem em uma violência desproporcional nas ruas dos EUA em comparação com outros países avançados. Em 2013, ocorreram nos EUA 35,5 homicídios com arma por cada milhão de habitantes, segundo um estudo da Global Burden of Disease. No Canadá, por sua vez, foram 4,9 por cada milhão de habitantes e no Reino Unido, 0,93 por cada milhão.

A cultura das armas nos EUA, cujo uso é amparado pela Constituição, a pressão dos eleitores e o lobby dos fabricantes dificultam as tentativas de reforma no Capitólio. A última mudança legal significativa em todo o país é de 2007, quando foi ampliada a proibição de venda a pessoas com transtornos e delinquentes. As maiores iniciativas nos últimos anos foram feitas pelos Estados.

Em 2016 o debate sobre os rifles semiautomáticos de estilo militar foi brevemente reaberto. Esse tipo de fuzil foi o utilizado em junho desse ano por um simpatizante jihadista que matou 49 pessoas em uma discoteca em Orlando, no que até agora era o pior tiroteio da história dos EUA. Ressurgiu à época o debate político sobre a proibição da venda desses rifles, levantado em 2004. Mas poucas semanas depois a falta de consensos o fez naufragar.