Lava Jato criminaliza doações em nova onda da perseguição contra Lula

Sem provas que possam sustentar a tese de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu alguma vantagem indevida, a estratégia é manter o factoide de que os pagamentos legais eram fruto de propina. Em "novo" depoimento feito à Polícia Federal de Curituba, Marcelo Odebrecht – preso desde junho de 2015, disse que fez doações de R$ 4 milhões ao Instituto Lula.

Por Dayane Santos

Estadão criminaliza doação Lula - Reprodução

No depoimento, Marcelo diz que foram doações legais e não apontou nenhuma suposta contrapartida para o pagamento de tais valores. Uma das provas anexadas ao processo é um email enviado no dia 26 de novembro de 2013 por Marcelo para Alexandrino Alencar, com cópia para Hilberto Mascarenhas.

"Italiano disse que o Japonês vai lhe procurar para um apoio formal ao Inst. De 4M (não se sabe se todo este ano, ou 2 este ano e 2 do outro). Vai sair de um saldo que o amigo de meu pai ainda tem comigo de 14 (coordenar com HS no que tange ao Crédito) mas com MP no que tange ao discurso pois será formal", escreveu ele no email.

À PF, Marcelo Odebrecht disse que o valor foi registrado na planilha do "Setor de Operações Estruturadas" e vejam só, os recibos foram anexados em um inquérito da Lava Jato na quinta-feira (21).

A defesa do ex-presidente apontou a manobra e denunciou "a tentativa de criminalizar o recebimento de doações legais para o Instituto Lula"

De acordo com o advogado Cristiano Zanin, a informações retratadas em recibos "parece ser a nova onda da perseguição da Lava Jato contra o ex-presidente Lula".

"Lula não recebeu qualquer doação ilegal da Odebrecht ou de qualquer outra empresa. As doações questionadas não tiveram Lula como beneficiário, mas sim entidade sem fins lucrativos que não se confunde com o ex-presidente", pontuou Zanin, reforçando que se trata de mais uma tentativa mentirosa e fabricada para superar a ausência de provas.

Ao que tudo indica, a estratégia é garantir que as brechas do depoimento do ex-ministro Antonio Palocci sejam preenchidas. Em depoimento, Marcelo disse que "houve outros pagamentos a Lula, acertados por Emílio [pai de Marcelo], que não transitaram pela conta 'Italiano' [supostamente de Palocci] e nem tiveram o envolvimento do colaborador", registra a PF, no termo de depoimento de Marcelo.

O inquérito investiga as doações ao Instituto Lula e pagamentos de palestras via Lils Palestras e Eventos. No entanto, até agora, os investigadores não explicaram: se a doação era "propina", o que Lula deu em troca dos valores?

A imprensa "investigativa" também não se importou em publicar os detalhes do depoimento fazendo a ilação contra o ex-presidente sem apontar o crime. Em todas as matérias, as contrdições apontadas pela defesa ganharam nada menos que o rodapé, sob o título "o outro lado".

A contradição é tanta, que o próprio Marcelo diz em depoimento que na tal conta do "Italiano" houve "créditos", "mas que fazia parte de uma agenda mais ampla, sem vinculação específica, ou seja, sem contrapartida específica".

Mas isso não importa. Para a força-tarefa, a distinção feita pelo empresário, entre créditos condicionados a contratos específicos e os que entraram em espécie de "conta geral" em troca de benefícios no governo, é retórica, tratando-se tudo de corrupção.

Na construção subjetiva da prova, Marcelo diz nos dois novos depoimentos à PF, que os valores registrados na planilha eram de créditos que eles separavam para atender as demandas de quem eles consideravam importantes.

"Os valores doados ao Instituto Lula, total de R$ 4 milhões, foram lançados na planilha Italiano como 'Doação Instituto 2014 4.000', após o qual remaneceu o saldo de R$ 10 milhões, conforme a última atualização", disse ele, novamente sem apontar qualquer suposta contrapartida. Marcelo é o único integrante do grupo ainda preso pela Lava Jato.

Apartamento em São Bernanrdo 

Outro caso é do apartamento em São Bernardo do Campo, cujo Ministério Público Federal aponta que o imóvel faria parte de um suposto pagamento de propina da Odebrecht.

Nesta segunda-feira (25), a defesa do ex-presidente apresentou recibos referentes aos pagamentos de alugueis do apartamento vizinho ao que mora, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Os documentos datam de agosto de 2011 a dezembro de 2015.

De acordo com o MP, Glaucos da Costamarques, parente do pecuarista José Carlos Bumlai, teria comprado o imóvel com dinheiro da Odebrecht. O objetivo seria entregar o apartamento a Lula, que alugava o apartamento desde que assumiu a Presidência.

Glaucos declarou à Receita Federal que a família de Lula tinha quitado todos os valores desde 2011, quando firmou contrato com a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Mas em depoimento, disse que só começou a receber os valores referentes ao aluguel a partir de 2015.

"Na ausência absoluta de qualquer elemento que pudesse dar sustentação à fantasiosa tese de que o Peticionário [Lula] teria sido beneficiado com recursos provenientes de contratos com a Petrobras, a Força Tarefa da Lava Jato elegeu artificialmente uma relação privada de locação entre o Sr. Glaucos da Costamarques (locador) e D. Marisa Letícia Lula da Silva (locatária), envolvendo o citado apartamento 121 do residencial Hill House, no principal assunto da ação e dos questionamentos apresentados a Lula durante seu interrogatório em 13/09", disse a defesa do ex-presidente na petição que apresentou o documento a Moro.