Fernando Brito: Barbosa é um candidato em busca da classe média

A entrevista do ex-ministro Joaquim Barbosa, conduzida pela inteligente Maria Cristina Fernandes, no Valor, negando ser candidato mas se comportando como um faz lembrar, a quem o leu, o conto “O 22 da Marajó”, de Monteiro Lobato, onde um velho capoeirista agora convertido em “gente bem”, ensina que “não há solta sem negaça”.

Por Fernando Brito*, no Tijolaço

Joaquim Barbosa - Foto: Márcia Kalume/Agência Senado

Solta, explico, é a cabeçada forte, sem usar as mãos, que derruba o cidadão alvejado e, claro, negaça é o movimento típico do balanço do capoeira, indo para um lado para golpear no outro.

Não se encaixaria melhor que a descrição da repórter:

O homem tem discurso de candidato, intenção de voto de candidato e biografia de candidato.

– O senhor é candidato?
– Não, não sou.

A negativa, curta e sem demora, era previsível. Se Joaquim Barbosa vier a ser candidato, não tem motivos para se antecipar ao calendário.

Dizendo que não é candidato, permite-se ser um perfeito tucano ao apontar caminhos para a superação da crise econômica, ficando num vago privatismo onde as empresas invistam por sua própria conta (quais, ministro, antes e quais agora, depois da Lava Jato?) e afirmando que reformas como a trabalhista e a previdenciária são – como todos sabem que são – importantes mas “talvez não com essa visão ultraliberal que se quer implantar, que mexem no cerne do pacto social”.

Em qual pescoço de gato vai ser preciso colocar o guizo, Barbosa não diz e responde à perguntas sobre como enfrentar as corporações, “a começar daquelas do Judiciário” dizendo que isso se fará “com liderança política, um presidente forte, legítimo, fortalecido pelo voto popular”. Se é verdade que é assim, falta dizer como o Judiciário paralisará tudo o que ferir seus privilégios.

Despreza Lula sem agredi-lo expressamente – e reconhece a condução política da Justiça contra o ex-presidente -, apenas aconselhando que se aposente e gaste o que ganhou em palestras:

“Acho que ele não deveria ser candidato. Vai rachar o país ainda mais. Já está em idade de usufruir da vida e do dinheiro que ganhou com suas palestras. Só que o estão empurrando para ser candidato, com essa cruzada que o coloca contra a parede. É um ódio irracional esse que apareceu no país”.

Em condições ideais, talvez pudesse ter razão e em nada eu duvido que Lula até pudesse preferi-lo. Mas a gula da direita, desde 2013, pela “solução” golpista o empurrou – até tardiamente – para isso e, agora, é tarde demais para isso.

Pois, como registrou ontem a própria Dilma Rousseff, o que o golpe conseguiu foi erguer Bolsonaro e destruir o PSDB, ao qual só resta agarrar-se a uma versão chique do ex-capitão.

Como não mergulhou de cabeça no golpe – “O Brasil teve um processo de impeachment controverso e patético e o mundo inteiro assistiu” – conserva-se como gosta de estar, como alternativa palatável à parcela da classe média que ficou fora da histeria e crê estar fora da polarização.

A pergunta é o quanto restou de sanidade e se é possível responder ao dilema que Maria Cristina descreve ao final de seu texto, de forma magistral:

No seu romance mais político (“Numa e a Ninfa”), o escritor brasileiro da predileção do ex-ministro, Lima Barreto, constrói no personagem de um deputado arrivista a síntese do que chama de “pavor nacional do dia de amanhã”. É este o clima que invade a pré-campanha de 2018 num país bestializado pelo governo Michel Temer e pelo arregaço de suas instituições. Há mais de dez anos, a magistratura comanda o espetáculo com o qual a política tem um encontro marcado em 2018. Lima Barreto foi um dos melhores intérpretes de um país que transitou para a alforria e para a República, sem liberdade ou cidadania. Dizia que o Brasil não tem povo, tem público. É entre um e outro que Joaquim Barbosa parece hesitar.

A legitimidade na qual Barbosa diz apostar ser a chave para mudar não virá, certamente, de um público, personagem passivo e nem sempre tratado como “respeitável” no espetáculo do qual ele foi um dos pioneiros.

Legitimidade, nesta conflagração, depende de povo, este ser mítico que só aparece nos jornais quando se trata de CCC: crime, carência e catástrofe.