“Sem verbas, o futuro da ciência será trágico”, diz presidente da SBPC

Segundo Ildeu de Castro Moreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), as instituições de pesquisa já tiveram uma sobrevida no ano passado e, se o orçamento de 2017 não for liberado, todo o sistema científico e tecnológico terá um “retrocesso monumental”.

Por Verônica Lugarini*

Sem os investimentos que vinha recebendo antes dos cortes, o Brasil não poderia ter saído na frente na pesquisa sobre anencefalia causada pelo vírus zika - PORTAL BRASIL

O governo Michel Temer vem praticando o desmonte da ciência, tecnologia e pesquisa desde que assumiu o poder. Com a finalização do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, os duros golpes vêm se tornando cada vez mais frequentes e incessantes, o que mostra a falta de visão e de compromisso do governo federal com o desenvolvimento do país.

O primeiro golpe foi a junção de dois ministérios extremamente divergentes em suas funções e papéis na sociedade. Temer unificou o Ministério da Ciência e Tecnologia com o Ministério das Comunicações, criando o achatado MCTIC – Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

E em março deste ano, o governo anunciou mais um sucateamento da ciência brasileira: a restrição orçamentária de R$ 6 bilhões para R$ 3,3 bilhões, o que significa um corte de 44% nos recursos para o antigo Ministério de Ciência e Tecnologia.

Diante dessa drástica diminuição, institutos de pesquisa já anunciaram a real possibilidade de fecharem as portas.

No caso do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), instituição essencial para o desenvolvimento e disseminação de conhecimento cientifico e tecnológico, corre-se o risco interromper os pagamentos de bolsas e projetos a partir de setembro, se não houver o desbloqueio do orçamento. Apenas nesse órgão, a consequência seria a interrupção do pagamento de bolsas de estudo para 90 mil estudantes e 20 mil pesquisadores.

De acordo com Tamara Naiz, presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), em 2015, era investido 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em ciência, mas em 2017, no governo Temer, esse montante caiu para apenas 0,5%.

“Com esses cortes, há a desconstrução do futuro da ciência brasileira e isso significa que o governo não tem um projeto ou uma alternativa para o desenvolvimento do país. Ou seja, estamos à beira de um colapso nesse setor”, disse Tamara Naiz ao Portal Vermelho.

Tamara Naiz, presidenta da ANPG

 

Sobre os impactos diretamente na área de pós-graduação, a presidenta explicou que 90% das pesquisas no Brasil são feitas por pós-graduandos, mas que sem a liberação do orçamento, a possibilidade de retomar o crescimento e os avanços nessas áreas estratégicas no futuro é nulo.

“Michel Temer considera investimentos como gastos e à medida que esses cortes vão aumentando, vai se tornando cada vez mais difícil conseguirmos retomar as nossas conquistas. Hoje, a ciência e tecnologia contribui enormemente não só para a ampliação do conhecimento e avanço científico, mas também para transformações sociais”, falou Naiz.

Ela complementou dizendo que a população não sentirá o contingenciamento imediatamente, mas daqui dois anos, a perda nesses setores será notável.

"Em pouco tempo, em questão de um ano, as pesquisas que acabamos de fazer se tornarão obsoletas e será necessário fazer um investimento muito maior para recuperar um pouco das perdas que estamos tendo agora”, finalizou Tamara Naiz.

Diante deste cenário, as comunidades científicas vêm se posicionando incisivamente sobre a necessidade do papel e do protagonismo das pesquisas no Brasil.

Idealizado por pesquisadores, estudantes e professores que fazem parte da campanha “Conhecimentos Sem Cortes”, o Tesourômetro – painel eletrônico em tempo real – registra o impacto dos cortes de financiamento federal para as áreas da ciência, tecnologia e humanidades promovidos pelo governo, e já se aproxima da marca dos R$ 12 bilhões.

Segundo o painel, a pesquisa no Brasil perde em média R$ 500 mil por hora em verbas federais.
“Estamos fazendo uma grande pressão para o governo liberar os recursos para esse ano e também estamos preocupados com 2018, pois é necessário um orçamento adequado. Sem as verbas e sem a recomposição do orçamento, o futuro da ciência será trágico”, informou presidente da SBPC em entrevista ao Portal Vermelho.


Ildeu de Castro Moreira

 

Ildeu de Castro Moreira também frisou que houve um avanço no número de pesquisadores e de pesquisas no país nos últimos anos. Porém, se os valores de investimentos não se alterarem, haverá um retrocesso monumental.

De acordo com dados da Folha de S.Paulo, em 2006 o número de pesquisadores era de 90 mil, tendo um avanço de mais de 100 mil novos pesquisadores ao atingir quase 199 mil em 2016. Ainda segundo informações do veículo, instituições ligadas ao MCTIC, estão em estado calamidade, após o corte do ministério, os orçamentos das instituições analisadas pela matéria caíram pela metade.

O Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, do Rio de Janeiro, não terá recursos a partir de setembro para suas despesas. O montante investido na instituição antes do corte era de R$ 12,9 milhões e agora é de apenas R$ 7,2 milhões.

No caso do Laboratório Nacional de Computação Científica, a diferença foi de R$ 16,1 milhões para R$ 9 milhões, com a possibilidade de ter que desligar o supercomputador Santos Dumont, que gasta R$ 500 mil por mês de energia para ser mantido em funcionamento até outubro.

“Isso significa que cerca de cem projetos de pesquisa de todo o país que utilizam o supercomputador terão de ser interrompidos”, informou Augusto Gadelha, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica, em entrevista à Folha de S.Paulo.

Universidades

“A situação é dramática também nas universidades, como é o caso da UERJ, mas prefiro manter uma visão positiva do que está acontecendo porque estamos lutando para o não fechamento de diversas instituições e esperamos que o governo tenha lucidez e libere o orçamento”, concluiu presidente da SBPC.