Privatização da Eletrobras é "pá de cal"no setor, diz Ildo Sauer

Ex-diretor da Petrobras de 2003 a 2008 e professor do Instituto de Engenharia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEA-USP), Ildo Sauer rechaça o plano do governo de Michel Temer de privatizar a Eletrobras.

Hidreletrica de Itaipu - Foto: Alexandre Marchetti /ItaipuBinacional

Na noite da segunda-feira 21, a estatal anunciou ao mercado a intenção do governo de se desfazer de seu controle. Hoje, a União detém 63,2% das ações. A notícia surpreendeu o mercado, pois os papeis da empresa subiram mais de 50%. Mas não Sauer. "É um desastre continuado. Vai aprofundar os problemas e aumentar os preços."

Em entrevista a CartaCapital, o especialista traça um breve histórico dos fatores que levaram à desorganização do setor elétrico, alvo de diversas privatizações nos governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e garante: "não tem modelo de privatização aceitável".

Segundo ele, o objetivo de aumentar a participação da iniciativa privada no setor é o mesmo da gestão tucana: elevar a eficiência e, de quebra, tentar acomodar o rombo das contas públicas. "O governo Fernando Henrique começou a privatizar dizendo que ia abater a dívida pública, melhorar a eficiência, a qualidade e diminuir as tarifas. A dívida pública só aumentou, as tarifas aumentaram muito acima da inflação e criamos um racionamento", lembra Sauer.

CartaCapital: Qual a primeira impressão a respeito do anúncio da possível privatização da Eletrobras?

Ildo Sauer: Sem espanto e sem alegria. Sem alegria porque é um desastre continuado. Já vem de décadas essa postura em relação aos recursos naturais e seu aproveitamento em favor da transformação da sociedade brasileira.

Vem com a tentativa de privatizar a utilização aparelhada do sistema elétrico pelo governo de José Sarney, as tentativas de destruição do sistema elétrico nos governos de Fernando Henrique, o não resgate do sistema elétrico como deveria e como foi proposto pela campanha do governo Lula, ao continuado loteamento dos cargos do sistema elétrico pelo governo de coalizão ou cooptação, que já vem de antes, mas foi mantido.

Houve um breve interregno numa tentativa de mudar, com a presidência do Pinguelli (Luiz Pinguelli Rosa) na Eletrobras, mas ele foi demitido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que dizia que o Pinguelli não tinha senadores e o Sarney tinha.

E com a ex-presidente Dilma Rousseff aconteceu o desastre maior: ela fez a reforma do modelo do setor elétrico em 2004, mas abandonou o que foi compromissado na campanha, o resgate das empresas públicas e seu papel de garantir o abastecimento da energia no Brasil em conjunto com a iniciativa privada, vendendo a energia a um custo entre o médio e o custo marginal, usando essa diferença para ampliar os investimentos no setor e investindo em educação e saúde pública.

Quais foram os principais erros de Dilma?

O que ela fez foi destruir o valor econômico da Eletrobras para manter os privilégios dos grupos privados que vendiam energia a custos altíssimo, em leilões de natureza complexa e suspeita – leilões de reserva – e compraram muita energia térmica cara.

Ela resolveu renovar as concessões e forçar a venda da energia a um preço próximo do custo da operação e manutenção, 10 ou 12 reais o megawatt/hora mais impostos, quando os privados vendiam entre 250 ou até 1,1 mil reais megawatt/hora. Então ela usou o potencial de geração de recursos para fazer da Eletrobras uma muleta e subsidiar um sistema que não funciona.

E agora com o governo Temer?

É a pá de cal em tudo. A impressão que eu tenho é que é um bando de gangsteres ou de ratos que estão vendo o navio afundando e tentam abocanhar o resto de queijo, de riqueza, para se locupletar enquanto o navio não afunda. É importante dizer que o que esse governo está fazendo com essa ousadia, essa audácia, e ausência total de legitimidade é um acinte à democracia porque é um aprofundamento da cleptocracia. É um contraste brutal entre o que poderia ser feito e o que está sendo feito.