Sem crescimento ou imposto sobre mais ricos, rombo continua, diz Laura

A revisão da meta fiscal, anunciada nesta quarta-feira (15) pelo governo, não é novidade e já era esperada pelo mercado. A diferença entre o que a equipe econômica projeta em receitas e gastos em um ano saltou de um rombo de R$ 139 bilhões em 2017 para R$ 159 bilhões. Antes mesmo do anúncio oficial da nova meta, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), já afirmava que “o governo veio para estabilizar o crescimento do déficit”.

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Mas a verdade é que não há perspectivas de a situação se reverter, na opinião da economista e professora da Universidade de São Paulo (USP) Laura Carvalho.

“Não tem essa expectativa e o próprio governo adiou para 2021 a perspectiva de que haja algum superávit primário. Nem o próprio governo, nas metas atuais, que provavelmente ainda serão revistas, considera que no curto prazo esse problema será solucionado”, diz. "Porque não há perspectiva de retomada substancial do crescimento. E tampouco há o desejo de elevar impostos sobre os mais ricos, o que seria outra maneira de resolver o problema no curto prazo”, acrescenta.

"O saldo do golpe, o saldo do desastre deste governo, que não passou nas urnas, chega a R$ 660 bilhões”, afirmou hoje o senador Jorge Viana (PT-AC). O valor mencionado refere-se aos déficits primários acumulados entre 2016 e 2020, de acordo com as estimativas anunciadas pela equipe econômica. “Os números são alarmantes. O horizonte para o país é terrível”, diz o parlamentar.

O próprio governo chegou a aventar, no início do mês, a possibilidade de aumentar a alíquota do Imposto de Renda em 35% sobre rendimentos de quem ganha acima de R$ 23 mil reais por mês. Depois, Temer recuou e negou tal intenção. Na visão de Laura Carvalho, foi apenas um ensaio para suavizar o anúncio da revisão da meta fiscal que viria em seguida. “Não leio como um desejo real de fazer isso (o aumento da alíquota de IR). O que eu vi foi um ‘bode na sala’, aventado pelo governo para gerar tolerância maior com essa redução da meta fiscal”, avalia.

A simples possibilidade de aumento de imposto sobre os mais ricos provocou grande resistência, reverberada pela mídia tradicional. O cálculo do governo é que, com o bode (do IR) na sala, “essa mesma elite passa então a tolerar melhor a redução da meta fiscal, que era a intenção desde o início”, avalia Laura. Para ela, um aumento de imposto sobre os mais ricos “seria algo bem vindo”, mas não era para valer. “Eu não acreditei em momento nenhum, e não há qualquer razão pra acreditar, que a intenção fosse real. Parece um jogo de cena para depois tornar mais amigável a reação à redução da meta que veio ontem.”

O anúncio da revisão da meta fiscal para R$ 159 bilhões em 2017 e 2018 foi feita em entrevista coletiva pelos ministros Dyogo Oliveira (Planejamento, Desenvolvimento e Gestão) e Henrique Meirelles (Fazenda). Segundo eles, a revisão foi provocada pela “substancial queda da receita efetiva até este momento”, influenciada pela redução da inflação.

Como tem reiterado, Laura Carvalho ressalta que a situação das contas públicas brasileiras atuais não é novidade. “Já faz dois anos e meio que essa mesma situação ocorre. É a quarta revisão da meta fiscal desde o início do ajuste iniciado pelo ministro Joaquim Levy”, diz. “Em todas as revisões, a justificativa foi de que houve frustração de receitas. Em todas elas, já estava claro antes que a meta não era exequível.”

Para a economista, o que todas essas situações têm em comum é que há dois anos e meio a economia brasileira não cresce. E, se não cresce, obviamente a arrecadação cai. Isso sem falar nos cortes substanciais no orçamento em uma série de áreas prioritárias, como educação, saúde, mas também infraestrutura, ciência e tecnologia e outras, o que piora a situação da economia.

“O aumento do déficit fiscal em 2015 é mais ou menos da mesma magnitude do que ocorre em 2016, e em 2017 fica mais ou menos no mesmo patamar de 2015. O problema está no modelo adotado a partir de 2015 com Levy na Fazenda”, diz Laura. O déficit era de 0,6% do PIB em 2014 e pulou para 1,8% em 2015, e para 2,5% do PIB em 2016. “Com a última revisão, vai ficar mais ou menos em 2,5% em 2017”, afirma Laura Carvalho.