Desertor da Coreia Popular, Kwon quer voltar ao seu país de origem

"É preciso andar no cavalo para saber se é a montaria certa para você", ele explicou, entrevistado em Seul. "Eu tentei, mas a Coreia do Sul não é o certo para mim. Quero voltar ao Norte para viver com minha ex-mulher e meu filho de 16 anos."

coreia norte

Kwon diz que se desiludiu com a vida na capitalista Coreia do Sul, onde, alega, desertores da Coreia Popular como ele são tratados como cidadãos de segunda categoria, "Eles me xingavam, me tratavam como idiota e me pagavam menos do que é pago a outros que fazem o mesmo trabalho, só por eu ser do Norte", disse Kwon, indignado.

Para angariar apoio a seu pedido incomum, ele vem dando entrevistas coletivas à imprensa, enviou petições às Nações Unidas e se manifestou com cartazes diante de edifícios governamentais em Seul.

Kwon tentou voltar à Coreia Popular com seus próprios meios, mas acabou sendo posto na prisão por alguns meses na Coreia do Sul. Como todos os desertores, quando chegou ao Sul ele se tornou cidadão sul-coreano, e nenhum sul-coreano pode visitar a Coreia Popular legalmente sem autorização do governo.

Agora Kwon está pedindo abertamente que a Coreia do Sul o repatrie. Ele é o segundo desertor a lançar tal apelo. A costureira da Coréia Popular Kim Ryen Hi está fazendo um esforço semelhante desde 2015.

Mas, na dividida península coreana, onde os dois países permanecem oficialmente em guerra e não deixam seus cidadãos sequer trocar cartas, atravessar a fronteira fechada para voltar para casa é quase impossível.
Não existe saída legal para desertores como Kwon, que não conseguiram adaptar-se à vida na Coreia do Sul e querem retornar ao Norte.

"Estes casos ressaltam a complexidade da questão das separações familiares, que começou 70 anos atrás, e o fato de que ela continua a assumir novas formas e afetar profundamente as pessoas na península coreana", disse Tomás Ojea Quintana, relator especial das Nações Unidas para os direitos humanos na Coreia Popular, que conversou com Kwon em julho.

"Como ficamos sabendo pelo protesto choroso de Kwon Chol Nam, que diz que não consegue mais viver no inferno chamado Coreia do Sul, muitos de nossos cidadãos estão sendo mantidos à força no Sul e anseiam retornar à sua pátria", disse o Norte em comunicado em junho, acrescentando que a situação de Kwon revela que o discurso de humanitarismo da Coreia do Sul não passa de hipocrisia.

Em 2014, Kwon, 44 anos, vendia ervas perto da fronteira com a China quando ele e uma mulher que conhecera enquanto colhiam mirtilos fugiram, atravessando a fronteira. A mulher tinha estado na China antes e disse a Kwon que ele poderia ganhar muito dinheiro na China.

Mas, quando ele chegou à China, após uma travessia repleta de dificuldades, nada aconteceu conforme o previsto.

A mulher desapareceu. Kwon acabou nas mãos de um traficante de pessoas que prometeu levá-lo à Coreia do Sul por US$2.500. Após uma viagem árdua que levou um mês, ele chegou à Coreia do Sul em novembro de 2014 e se fixou em Ulsan, cidade industrial no sudeste do país.

Como outros desertores, porém, Kwon sofreu para fazer a transição para a sociedade capitalista, hipercompetitiva e acelerada da Coreia do Sul. Segundo um estudo de 2016 do Instituto Coreano de Unificação Nacional, 63% dos desertores dizem que sofrem discriminação no Sul.

Kwon trabalhou na agricultura e na construção. Foi ridicularizado frequentemente por não entender as palavras em inglês empregadas pelos sul-coreanos na linguagem diária. Medindo pouco mais de 1,5 metro, ele não se via tendo um futuro em empregos que demandassem força física.

As saudades de sua família na Coreia Popular era crescente, especialmente de seu filho. Kwon economizou US$4.500 e, com a ajuda de intermediários, já que não são permitidas transferências bancárias entre as duas Coreias, enviou o dinheiro à sua ex-mulher na Coreia do Norte, que lhe disse que queria que ficassem juntos outra vez. Depois de saber que seu pai morrera em sua ausência, ele se sentia culpado por ter abandonado sua família. Para agravar seus problemas, o intermediário que o levara da China à Tailândia o processou, acusando-o de não ter pago o valor total devido.

Kwon disse que acabou "explodindo" em maio do ano passado. Quando não recebeu o pagamento prometido por carregar tijolos, ele pediu à polícia que interviesse, mas os policiais tomaram o partido de seu chefe sul-coreano, que negou a acusação de Kwon.

Em 22 de junho do ano passado, 12 policiais invadiram sua casa e o prenderam pela acusação de conspiração para fugir para a Coreia Popular, um crime cuja punição pode ser até sete anos de prisão. Kwon foi solto em setembro, quando um juiz suspendeu sua sentença de um ano de prisão.

Desde então ele está desempregado e cata pontas de cigarro do chão para fumar. "Passei por dificuldades no Sul que eu não conhecia no Norte", ele disse. "Tenho medo de viver na Coreia do Sul."