A obra de Frida: do íntimo ao retrato do feminino

Frida vive: 110 anos depois, continua sendo uma personalidade ícone. O mais importante agora, com a proliferação de sua imagem em todo tipo de produto para consumo, é relembrar a vanguardista por trás da figura: a artista que retratou através da pintura sua intimidade e psique, além do questionamento do feminino, contribuindo ativamente para a formação da identidade cultural e visual de seu país.

Por Alessandra Monterastelli

Henry Ford Hospital - 1932 - Divulgação

Personalidade marcante: criticou fortemente a sociedade norte-americana, quanto a sua desigualdade e futilidade. Vida trágica: contraiu poliomielite na infância, sofreu um acidente grave na adolescência. Expôs as passagens dramáticas de sua vida em suas pinturas, unindo-as a cores vivas, desenhos marcantes e ícones típicos da cultura mexicana. Suas obras demarcam o encontro da artista consigo mesma: o retrato da dor, da depressão, mas ao mesmo tempo da esperança e da inspiração. Para Carlos Fuentes, escritor mexicano, “uma espontânea fusão de mito e fato, sonho e vigília, razão e fantasia”.

“Pinto a mim mesma porque sou o assunto que conheço melhor”. O mais marcante da obra de Frida são seus autorretratos. Temos aí o primeiro ato inovador, quanto à forma: o registro intimista e recheado de sutilezas para abordar o mestiço, os fatores de um passado latino-americano, a liberdade de criação, o socialismo. Outros artistas mexicanos, como o próprio Diego Rivera, também tinham objetivos parecidos, contudo ele tomava um caminho mais geral, mais amplo.

Frida consegue fisgar o observador de forma mais íntima, por meio da exposição de si própria de forma profunda e dramática, como que mostrando um espelho de sua alma, mas sem deixar de abordar temáticas sociais. Como ela própria citou em seu diário, “minhas pinturas são (…) a mais franca expressão de mim mesma, sem levar em consideração julgamentos ou preconceitos de quem quer que seja (…) Muitas vidas não seriam suficientes para pintar da forma como eu desejaria e tudo que eu gostaria”.

Ainda com seus autorretratos, Frida Kahlo foi revolucionária tratando-se de toda a esfera feminina: daí o fato de ser considerada um grande ícone feminista até hoje. Os homens, tanto no surrealismo quanto em outros movimentos, costumam retratar o corpo feminino de forma erotizada; Frida se pinta diversas vezes nua, mas nunca escondendo a sua verdade: daí os pelos faciais, o corpo machucado. Fazia isso, claro, sem colocar de lado o empoderamento.

Assim como outras artistas mulheres importantes no movimento da época, como a fotografa Lola Álvarez Bravo, a pintora María Izquierdo, a muralista Aurora Reyes, Kahlo usava diversos adornos e punha-se como uma mulher poderosa. Essas artistas inspiraram-se entre si, tanto pelo surrealismo e a temática do corpo quanto pela natureza morta e pelas crenças populares.


Unos Cuantos Piquetitos, Frida Kahlo – 1935

Frida ainda se pintou diante de situações femininas delicadas pelas quais passou, realidades vividas por diversas mulheres. Um aborto, como no quadro “Henry Ford Hospital”, de 1932; uma traição de quem se ama, remetendo ao seu conturbado casamento com artista plástico Diego Rivera; a insegurança com relação ao corpo debilitado. E ainda por assuntos que denunciam problemas sociais, como o feminicído, no quadro “Unos Cuantos Piquetitos”, de 1935.

Frida morre: mas deixa um legado artístico intimista, latino-americano e feminino. Era ela quem estava por trás da tela.