A vida do povo nordestino pelas mãos e tintas de J. Borges

 Aos 81 anos, artista de Bezerros (PE) ilustrou livro de Eduardo Galeano, foi saudado por Suassuna como o melhor do Nordeste e já correu mundo. "Na morte não penso. Termino aqui, e já penso no outro dia".

Por Fabíola Mendonça





j.Borges

Uma rotina que começa logo cedo, às 7h, quando ele cruza o quintal da sua casa e se instala na oficina de xilogravura. Sai às 11h para almoçar e retorna às 14h, recolhendo-se no final da tarde para o descanso noturno. Assim é o dia a dia de J. Borges, um dos patrimônios vivos da cultura pernambucana e autor de cordéis clássicos como A mulher que vendia cabelo e A chegada de prostituta no céu. Aos 81 anos, 60 dedicados à arte, ele continua produzindo com a mesma vitalidade de quando começou. “Na morte eu não penso. Quando termino aqui, penso em trabalhar no outro dia”, ensina J. Borges, que recebeu a reportagem de Garra em seu memorial, no município de Bezerros, no agreste do estado de Pernambuco.

Diante de uma mesa com pilhas de pedaços de umburana (madeira macia), J. Borges talha uma por uma, dando forma a incontáveis croquis de xilogravuras, que ganham cor pelas mãos dos seus discípulos: filhos, netos, genros, noras e até cunhado. E por falar em herdeiros, cinco dos 24 filhos de J. Borges – 18 de sangue e seis adotivos – já ganham a vida com a arte aprendida com o pai. Quem encontrar por aí xilogravuras com sobrenome Borges e prenomes como Manacés, George, José Miguel Pablo ou Ivan, pode adquiri-las sem medo porque tem o DNA de J. Borges.

A fábrica de todo esse talento fica às margens da BR 232, em Bezerros, onde está instalado o Memorial J. Borges, aberto à visitação. Um verdadeiro convite à celebração à arte popular. Lá, o visitante poderá encontrar uma imensa exposição com quadros, cordéis, canecas, talhas, camisas e azulejos com a técnica da xilogravura. Todas as peças estão à venda. Mas o lado empreendedor do artista está longe de enquadrá-lo ao mercado que encara a arte como mais uma mercadoria. Muito diferente dos valores cobrados por empresários que revendem as peças de J. Borges, os preços dos objetos no memorial são razoáveis e justos.

“Estou no cumprimento do meu dever. Ariano dizia que eu era o melhor do Nordeste brasileiro e me esforcei para que o povo achasse isso. Hoje, o mundo me procura. Enquanto tiver vivo, balançando a orelha, estarei aqui”, ressalta J. Borges, ao lembrar do amigo, padrinho e tutor artístico, o escritor Ariano Suassuna. J. Borges ganhou o mundo. Já expôs em vários países da Europa e nos Estados Unidos.

Atualmente, com dificuldade de locomoção por causa de um problema na perna, J. Borges evita viagens longas, mas abre uma exceção: “Faço um sacrifício se for para expor no Novo México, nos Estados Unidos. Adoro aquele lugar (risos)”. Um de seus trabalhos mais célebres foi ilustrar o livro As Palavras Andantes, do escritor uruguaio Eduardo Galeano. “Galeano foi um amigo, um grande cliente, um mestre querido”, relembra, saudoso.

Para os apaixonados pela arte de J. Borges, o artista está na finalização de dois livros, os quais pretende lançar em julho, na Feira Nacional de Arte (Fenearte), evento que acontece anualmente no Centro de Convenções de Pernambuco. Nascimento, Vida e Morte de Lampião e As lendas do Rio São Francisco. “Minha inspiração vem das lendas, das festas, do folclore, da alegria do povo. Nossa região é muito rica”, salienta J. Borges.

Além desses novos livros, o Borges pretende inaugurar em breve um museu que resgate a sua e outras histórias. Ele já conta com todo arsenal, falta apenas organizar. Entre as peças que devem compor o museu estão 304 cordéis originais – um deles de 1925 –, troféus e premiações, além de imagens que retratam vida e obra de um artista que já foi carpinteiro, só frequentou a escola por 10 meses, aprendeu a ler com o cordel, mas que retrata como poucos a vida – ora sofrida, ora alegre – do povo nordestino.

Salve J. Borges.