Memórias de um homem negro

Luiz Roberto Lima teve uma infância e adolescência difíceis. Morou na rua, em orfanatos, enfrentou a violência. Uma realidade semelhante à de muitos jovens negros descritos no Atlas da Violência 2017. Luiz perseverou e hoje seus sonhos tornam-se realidade. Mora em Nova Iorque (EUA), é fotógrafo profissional cobrindo a ONU para a sua própria empresa, a Agência de Notícias Brasil. Porém, as marcas do racismo sofrido no Brasil ainda estão em sua mente. Veja abaixo três momentos desse enfrentamento.

luizonu

#MeuPrimeiroAbusoPolicial – 1
Era 02 de julho de 1992, estava morando na rua. Eu sempre ficava numa praça que era tranquila à noite. Andava pelas ruas da cidade até o comércio fechar e depois ia pernoitar nesse local.

Quase amanhecendo, já era por volta das 06 da manhã, quando de repente uma viatura subiu a calçada. Jogaram os faróis sobre o banco que eu estava sentado e desceram dois policiais armados. Revistaram, pediram meu RG, consultaram o documento e devolveram.

O policial ao conferir a data, perguntou: – É seu aniversário hoje? Eu disse que sim, e que estava completando 18 anos naquele dia. Ele ficou meio constrangido por me ver naquela situação.

Ele me olhou com pena e contou que uma vizinha havia ligado para eles, e falado que tinha um bandido na praça, que ela achava que ia roubar as casas. Eu fiquei muito triste e surpreso, pois as pessoas da região já me conheciam e sabiam que eu não era ladrão.

Ele me pediu educadamente para que eu fosse para outro lugar, só para que aquela senhora não voltasse a importuná-los novamente. Eu sai dali de coração partido e com muita vergonha.

#MeuPrimeiroAbusoPolicial – 2
Estava descendo a avenida das Amoreiras em Campinas. Uma viatura preto e branca da policia civil me abordou no meio da rua, parando todo o transito. Vários carros pararam para olhar e começou o show.

Perguntaram sobre uma metralhadora que havia sido roubada de um policial. Eu disse que não sabia. Me algemaram, me jogaram no banco de trás e me levaram para a delegacia. No caminho diziam que iam me matar, me chamando de tudo quanto é nome – macaco, fdp…

Ao chegar na delegacia, me levaram para uma salinha e me algemaram na parede. Disseram que se eu não dissesse onde estava a arma que eles iriam me matar. Eu pedindo pelo amor de Deus para que não me matassem. Abriram uma gaveta e pegaram um madeira fina com furos, que mais tarde fiquei sabendo que era uma palmatória.

Um deles segurou a minha mão e começou a bater na palma da minha mão com a palmatória. Quanto mais eu gritava, mais eles batiam. Se eu puxasse a mão para traz batiam mais forte ainda.

Gritavam: – Coloca a mão ai, seu preto fdp… Eu chorava pedindo pelo amor de Deus. Arrancaram minha roupa e me deixaram nu numa cela, e disseram que a noite me levariam para o mato e me matariam. Eu chorava, pedia pelo amor de Deus, mas nada demovia o intento deles de me apavorar cada vez mais.

Escureceu, me colocaram dentro da viatura e me levaram para uma estrada, eu esperneava, pedindo que me deixassem viver, que eu não contaria nada pra ninguém. Num matagal, eles tiveram que me arrancar do carro, porque eu gritava desesperadamente. Me jogaram no chão e apontaram a arma pra mim. Me mandaram correr e desaparecer. Eu só ouvi os tiros e sumi no meio do mato. Depois desse dia, toda vez que eu via uma viatura preto e branco, quase mijava nas calças.


#MeuPrimeiroAbusoPolicial – 3

Estava voltando do baile com uns amigos antes de chegar no Terminal Central de Campinas fomos abordados por uma viatura da PM. Pediram documentos; esculacho e tapa na cara já era práxis. Mas daquela vez um deles realmente pegou no meu pé. Dizia que me conhecia, que eu era bandido, que ela já me tinha prendido e disse que eu estava devendo pra ele.

Um dos meninos tentou me defender, dizia que eu trabalhava na padaria perto da sua casa. Como ele era o único branco, perguntaram pra ele o que fazia com bandidos, nós todos éramos estudantes.

Conversa vai conversa vem, eles queriam dinheiro, só tínhamos a passagem de ônibus e alguns trocados.

– Então ladrão, me dá esse tênis. Eu disse: – Que isso, meu senhor, esse tênis ainda tô pagando, foi tirado no crediário.

– Nem meu filho tem condições de andar com um tênis desse.

Devido à ameaça, fiquei só de meias na calcada, pensando como eu iria embora. O amigo branco interveio, disse que era seu pai que tinha tirado no crediário. O policial ficou puto, mandou a gente sumir e disse que me encontraria de novo.