O que a Guiana Francesa pode esperar de Macron

Único território francês na América do Sul, a Guiana Francesa, tem algumas pistas do que o novo presidente francês, Emmanuel Macron, empossado recentemente, reserva para o departamento francês ultramarino.

Por Clarisse Meireles

Guiana Francesa - Divulgação

Em visita à Guiana em agosto de 2015, Macron, então ministro da Economia, reuniu-se na capital Caiena com políticos locais e lideranças indígenas, e declarou abertamente seu apoio a projetos de extração madeireira e mineração, sobretudo do ouro (principal produto da mineração local), enfatizando o potencial de geração de riqueza e de empregos para o território.

Na época, não escondeu seu entusiasmo pelo polêmico megaprojeto Montagne d’or (Montanha de ouro), capitaneado por um consórcio multinacional formado pela canadense Columbus Gold (CoGo) e pela gigante russa Norgold, chegando a dizer que “faria tudo” para que o projeto saísse do papel. Mesmo após o afastamento de Macron do governo, para concorrer às eleições pelo movimento En marche, o governo do socialista François Hollande manteve as portas abertas para o lobby da mineração na Guiana Francesa, recebendo o diretor de desenvolvimento da empresa Norgold, Igor Klimanov, em setembro de 2016.

Abstenção recorde e greve

Certamente não é apenas este apoio à atividade extrativista a razão da falta de prestígio do presidente Macron na Guiana Francesa.

A Guiana é um território tradicionalmente à esquerda – por exemplo, Christiane Taubira, antes de ser ministra da Justiça de François Hollande, foi eleita quatro vezes para representar a Guiana na Assembleia nacional francesa, por partidos de esquerda. No primeiro turno, em 23 de abril, Jean-Luc Mélenchon ficou ligeiramente à frente nas zonas eleitorais da região, com 24,72% dos votos, seguido de perto por Marine Le Pen, com 24,29%. Emmanuel Macron veio em terceiro, com 18,75%. No segundo turno, duas semanas depois, a candidata de extrema-direita obteve 35,11% dos votos, sendo derrotada pelo banqueiro, com 64,89%.

O dado mais impressionante da participação do eleitor da Guiana Francesa deste ano, no entanto, é justamente a falta de participação. A taxa de abstenção foi de 58,07%, a segunda maior registrada este ano – ficando atrás apenas de Saint-Barthélemy et Saint-Martin, onde 64,66% da população não votou – e muito acima da média nacional, de 25%.

Alguns fatores podem ajudar a entender o desinteresse (ou a desesperança) do eleitor da Guiana Francesa. O fato é que o territ­ório conseguiu se fazer ouvir em plena campanha pelo primeiro turno presidencial, quando uma greve e bloqueios de estradas paralizaram por quase um mês as principais cidades. A população pedia – e conseguiu, pelo menos na forma de um acordo assinado pelo governo de Hollande – mais investimentos em saúde, educação, infraestrutura e segurança.
Durante a campanha do primeiro turno, falando da crise na Guiana Francesa, Emmanuel Macron cometeu o deslize de chamar o departamento de ilha. A gafe rendeu algum desconforto e muitas piadas, e Macron gravou um vídeo dando uma explicação literária (e para lá de forçada): a situação do território, entre o oceano atlântico e a floresta amazônica, equivaleria à de uma ilha.

Herança colonial

Essa vizinha brasileira pouquíssimo populada (cerca de 250 mil habitantes) tem extensa fronteira com o Amapá, que faz do Brasil o país com a maior fronteira com a França. Situada a 7 mil quilômetros da sede do seu governo, em Paris, o território já funcionou como colônia penal (entre 1852 e 1938), para onde os condenados eram enviados para fazer trabalhos forçados. Alçada à condição de “território ultramarino” em 1946, é um bom retrato dos desafios da França diante do passado colonial.

A Guiana Francesa é um dos departamentos mais pobres do país. O PIB por habitante, de 15 mil euros, não chega à metade do de um francês vivendo na França. Os investimentos em saúde e educação estão longe de atender à população local: há oito vezes menos médicos por habitantes na Guiana Francesa do que a média nacional, e o acesso a uma formação ainda é restrito. A taxa de desemprego é alta e vem sendo registrado um crescente índice de criminalidade (42 homicídios em 2016, para 38 no ano anterior), sem contar o alto custo de vida.

A insatisfação em relação à política da metrópole é clara e não se expressa apenas no desinteresse pelo voto. Foi o assassinato de um jovem num bairro popular de Caiena, dentro de um quadro de violência crescente, que deu origem, em janeiro, ao coletivo 500 Irmãos contra a Deliquência. O grupo reivindica uma série de medidas de segurança e foi bastante criticado – por Christiane Taubira, por exemplo – por participar de manifestações com as caras cobertas. Os integrantes negam ser uma milícia, e dizem cobrir os rostos apenas para chamar a atenção. Mesmo criticados, ajudaram a reforçar os movimentos que reinvindicavam mais atenção e investimentos por parte de Paris.

Em março, os 500 Irmãos já haviam participado do bloqueio do acesso ao Centro espacial da Guiana, em Kourou, em protesto contra a privatização de um hospital local. Em 4 de abril, durante o mês de greve, o próprio Centro espacial foi ocupado pelo coletivo Pou La Gwiyann dékolé (Para que a Guiana decole), reivindicando investimentos de 2,5 bilhões de Euros no departamento. A ocupação acabou adiando o lançamento do primeiro satélite controlado inteiramente pelo governo brasileiro. O Satélite Geoestacionário Brasileiro de Defesa e Comunicações Estratégicas foi finalmente lançado em 4 de maio.

Em 21 de abril, o governo francês coroou a vitória da mobilização guianense com o Acordo da Guiana, assinado pelo estado francês, por parlamentares eleitos e o coletivo Pou La Gwiyann dékolé. O acordo prevê o repasse de 2,1 bilhões de euros suplementares a serem investidos no território, que se somarão ao plano de urgência já validado em princípio de abril, de pouco mais de 1 bilhão de euros. As datas do repasse, no entanto, não foram precisadas.

A ponte inútil

Poucos dias antes da assinatura do acordo, brasileiros e franceses estreitaram um tantinho a distância entre os dois países. Mas só quem prestou muita atenção ao noticiário ficou sabendo que há pouco menos de dois meses, existe uma ponte ligando o Brasil à França.

“A ponte é a ligação do Amapá com o mundo”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) à RFI. “Para a França, a ponte sobre o Oiapoque vai abrir uma nova porta de acesso para o país vizinho e outros mercados da América do Sul. Para o Brasil, através do Amapá, abre-se um mercado de 1 milhão de pessoas que estão isoladas”.

Talvez um dia, mas não imediatamente. A ponte binacional foi chamada pela imprensa francesa de inútil, pois liga dois municípios praticamente isolados no meio da floresta, e de kafkiana, pois a sua história, da concepção à inauguração, é uma sucessão de confusões. Instalada sobre o rio Oiapoque, ligando as cidade de Oiapoque, no Amapá, a St. Georges, na Guiana Francesa, está pronta desde 2011, mas nunca fora inaugurada por aparente desinteresse do governo brasileiro, que nunca concluiu as instalações da alfândega.

O governo de Hollande pressionou para que fosse marcada uma data antes da sucessão presidencial. No dia 18 de abril, a ponte foi inaugurada, com a presença do governador do Amapá, Antônio Waldéz Góes, e do governador da Guiana Francesa, Martin Jaeger. A cerimônia contaria com a presença da ministra francesa do Meio Ambiente, Ségolène Royal, que estava na Guiana, mas ela teve que voltar à França antes da hora entre os motivos, o fato de o governo brasileiro não ter enviado ninguém do primeiro escalão e o incômodo com o aparecimento de homens encapuzados do grupo dos 500 Irmãos, durante uma conferência sindical em Caiena com a presença da ministra.

Eldorado francês?

A promessa de que o Montagne d’or possa transformar o departamento em eldorado francês não convence dezenas de associações e movimentos sociais locais. Entre as principais críticas, apontam que o número de empregos que seriam gerados foi inflado pelos empreendedores, além dos altos custos de geração da energia necessária para alimentar as instalações. Os defensores do projeto da megamina também são acusados de minimizar os riscos ambientais em plena floresta amazônica.

“Trata-se de um projeto de expoliação da Guiana, para não dizer pilhagem”, afirmou Harry Hodebourg, ativista ambiental da associação Maïouri Nature em entrevista recente ao site Reporterre.

Montagne d’or é um projeto de grandes proporções, que viria a ser a maior mina de ouro a céu aberto em território francês. Previsto para ser implantado no oeste da Guiana Francesa, ele prevê uma área de exploração de 2,5km de comprimento por 500 a 800 metros de largura e 400 metros de profundidade. Segundo o consórcio, a mina teria o potencial de gerar entre 150 e 200 toneladas de ouro.

Localizadas entre duas reservas naturais, a instalações da megamina devem causar o desmatamento direto de cerca de 10km² de floresta. Vista dentro da imensidão amazônica, a área pode até parecer irrelevante, mas é preciso lembrar que a Guiana responde por cerca de 80% da biodiversidade da França, com mais de mil espécies de árvores, 700 espécies de aves e mais de 500 espécies de peixes (das quais cerca de 45% seriam endêmicas).

Desastre da Samarco

O problema, como aponta o coletivo Or de question, está longe de se esgotar aí. Reunião de 25 organizações locais e nacionais, com o apoio da Liga dos Direitos Humanos de Caiena, da fundação France Libertés e da associação Engenheiros Sem Fronteiras, o coletivo ilustra os danos que o projeto pode causar, remetendo à tragédia ambiental e humana ocorrida em Mariana (MG), em novembro de 2015.

Na ocasião, a barragem do Fundão, pertencente à mineradora Samarco e que acumulava rejeitos da mineiração, se rompeu, liberando 62 milhões de metros cúbicos de lama tóxica, matando 19 pessoas e deixando milhares desabrigadas. O desastre da Samarco (consórcio entre a brasileira Vale e a angloaustraliana BHP Billiton) também causou danos irreparáveis à biodiversidade do entorno e do rio Doce, entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo, e é o maior vazamento de rejeitos da mineração de todos os tempos.

Longe de ser um evento isolado, o rompimento da barragem da Samarco vem se juntar aos mais de 25 rompimentos semelhantes ocorridos em todo o mundo desde o ano 2000, de acordo com a associação Engenheiros Sem Fronteira – sistemas extrativos e meio ambiente.

De acordo com a associação, como as quantidades de ouro presentes na rocha são pequenas (uma a dois gramas de ouro por tonelada de rocha), será gerado um volume de rejeitos extremamente nocivos, de cerca de 400 milhões de m3 de material tratado com soluções cianetadas, utilizadas no processo industrial pela Norgold e que precisariam ser represadas. O sistema de represamento causa inquietação particular, segundo a associação, numa região com alto índice de chuvas como a Floresta Amazônica.

Outra lacuna do projeto que inquieta a população local é como será garantida a geração de energia para a mina. Segundo os cálculos dos engenheiros consultados pelo coletivo, a alimentação da mina requer 20 megawatts por dia, ou 20% do consumo de toda a Guiana Francesa, e o mesmo que a cidade de Caiena hoje. A instalação de 120 quilômetros de linhas de alta tensão seriam pagas pela coletividade territorial, com custo aproximado de 60 milhões de euros. Para alimentar com madeira a central de biomassa prevista para fornecer esta energia, já foi solicitada a destinação de cerca de 200 mil hectares de florestas (incluindo terras de comunidades indígenas).

Para conquistar o apoio dos guianenses ao projeto, o consórcio fala na geração de 700 empregos diretos e cerca de três vezes mais em empregos indiretos, além de cursos de formação e grande retorno em impostos que beneficiariam a população local.

Argumentos refutados pelo coletivo Or de question. Segundo Harry Hodebourg, a taxa de empregos indiretos é calculada com base da exeriência da mineradora no Burkina Faso – onde o custo do trabalho é bastante inferior ao da França. Quanto aos ganhos em impostos, o cálculo é ainda mais claro. A imposição máxima às grande companhias extrativistas é de 2% do valor médio anual do ouro. “Ao longo de 13 anos de exploração, se forem produzidas 100 toneladas de ouro, a 35 mil euros o kilo em média, ficarão na Guiana, no máximo, 70 milhões de euros”, disse Hodebourg ao jornal francês L’Humanité.

O que está em questão, e deve ser agora debatido entre a coletividade territorial e o novo governo, é que tipo de desenvolvimento a Guiana Francesa quer e precisa.