Adilson Araújo: "Querem transformar trabalhadores em mercadoria"

Em entrevista especial para o Portal Vermelho, o presidente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo, analisou a conjuntura nacional no contexto em que as reformas da Previdência e Trabalhista chegam à fases decisivas no Congresso Nacional. 

Por Railídia Carvalho

Adilson Araújo

Ele vê com otimismo a unidade das principais centrais sindicais brasileiras e sente que a população vem aderindo aos movimentos anti-reformas.

“A população começa a pensar: vou perder salário, direitos e nem vou me aposentar”. De outro lado, ele considera as centrais sindicais também estratégicas no debate de uma alternativa para o Brasil.

“Fica evidente que depois desse ciclo de empoderamento é que a gente precisa ter um programa para o Brasil que permita uma transição mais avançada”.

O sindicalista se refere aos anos em que o Brasil estava em ascendência e cita o patamar de crescimento chinês registrado em 2010: 7,5%. Naqueles anos o trabalhador tinha reajustes acima da inflação e aumento real. O desemprego era de 4.3%, longe da marca que país ostenta hoje com cerca de 14 milhões de desempregados.

Reafirma que o golpe em 2016 que depôs a presidenta eleita Dilma Rousseff foi do capital contra o trabalho e que o Brasil vive uma tempestade que pode se transformar em um tsunami.

“Imagine da noite para o dia um efeito tsunami. Decorrente de um golpe do capital contra o trabalho, de um governo ilegítimo que se instala e tenta acabar com tudo. Liquidar o país como se fosse um feirão de remarcações”.

Confira a entrevista com o presidente da CTB

Vermelho: O golpe de 2016 foi do capital contra o trabalho?

Adilson: Eu confirmo que se consumou um golpe, em síntese um golpe do capital em essência contra o trabalho. Por que? O governo ilegítimo de Michel Temer ao tomar posse colocou a cabo a defesa de uma agenda, de um programa ultraliberal no qual se advoga o fim da Consolidação das Leis do Trabalho, o fim dos direitos previdenciários, com a terceirização generalizada e a desregulamentação do trabalho na sua totalidade.

Em 2016 a polarização se intensificou entre os que defendiam o resultado das urnas e a democracia e aqueles que defenderam o impeachment como se fosse a saída para o Brasil. Agora com o avanço das reformas, a classe trabalhadora começa a acordar?

Essa polarização deixou a classe trabalhadora atônita, ou seja, o trabalhador ainda é vítima da forte influência que é produzida pela imprensa burguesa, essa informação que entra nos lares das pessoas com muitos editoriais distorcendo tem um efeito sobre o trabalhador. Alguns demoram a acreditar mas outros acreditam à medida que a imprensa utiliza da máxima de repetir a mentira várias vezes, um expediente do fascismo. Muita coisa soou como verdade e então o trabalhador demandou um certo tempo mas agora começa a perceber porque vê que a agenda neoliberal chegou com todo esse intento de acabar com a CLT e a aposentadoria, por exemplo.

Você me disse que os anos 1940 foram marcantes para a proteção do trabalhador com a instituição do salário mínimo em 1940, a criação da justiça do trabalho em 1941 e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em 1943. A reforma trabalhista extingue esses direitos?

Essa cesta básica de direitos foi endossada na constituição cidadã de 1988 que atribuiu entre o seu arcabouço a garantia dos direitos sociais. Então o que se conquistou ali? Se sacramentou aquilo que seria o patamar razoável para uma negociação. A base da negociação se deu com a legislação. Quando se fala hoje negociado sobre o legislado, a negociação existe porque tem uma base. A base para a negociação é a CLT. É com a CLT que negociamos os nossos acordos e convenções coletivas. Diferente do negociado que a reforma quer implementar, o negociado sobre o legislado já existe mas não é para retroagir direitos, é para avançar ou, no mínimo, garantir o que está na lei. Hoje o trabalhador começa a enxergar que eles não querem acabar com a CLT para negociar direto comigo, eles querem acabar com a CLT para introduzir a livre negociação, a corda sempre vai partir do lado mais fraco. Porque é neste ambiente hostil de crise e instabilidade que vão com a reforma trabalhista querer tirar as férias, o 13º, a licença-maternidade, fracionar jornada, trabalhar como se trabalha no Japão, que tem livre negociação. Lá tem empresa que admite que o trabalhador tenha uma jornada de 15 horas por dia. O trabalhador já tem uma jornada de 6 horas, trabalha mais 15, trabalha 21h por dia, a pessoa vive ou vegeta? Isso tem provocado no Japão um fenômeno chamado Karoshi, que provoca a morte súbita dos trabalhadores.

As principais centrais sindicais brasileiras estiveram presentes nos grandes atos contra as reformas de Michel Temer e apesar da campanha midiática contra, a população tem recepcionado bem os atos. A anestesia da população em geral também passou?

O efeito da anestesia vai passando e a melhor resposta que a gente poderia encontrar a gente passou a viver. O dia 8 de março com a luta das mulheres, o dia 15 que já possibilitou uma paralisação do metrô e dos ônibus, o dia 31 de março e o dia 28 da greve geral foi o ápice. As pessoas vão tomando conhecimento, se lutou muito. Nós levamos 488 anos para conquistar um Constituição. Essa constituição estabeleceu valores no campo econômico, social e política. É uma das mais avançadas do mundo. E ela se materializou dessa forma muito decorrente do atraso secular. Então nós começamos a desenhar um cenário com a política de valorização do salário mínimo, aumento real. Uma jornada de trabalho, instituída na Constituição, de 44 horas com uma pressão forte da sociedade para reduzir para 40 horas, que trazia a possibilidade de gerar mais 3 milhões de empregos. Junto a isso tem a garantia do 13º salário, do seguro saúde, das férias remuneradas.

A reforma da Previdência da maneira como se apresentar vai gerar um estado de calamidade no Brasil?

A previdência social é o maior programa de distribuição de renda do país. Compreende um tripé fundamental nesse que é o maior programa de distribuição de renda do país. A previdência social é esse empreendimento que alimenta no Brasil mais de 4 mil municípios. Imagine da noite para o dia um efeito tsunami. Decorrente de um golpe do capital contra o trabalho, de um governo ilegítimo que se instala e tenta acabar com tudo. Liquidar com tudo como se fosse um feirão das Casas Bahia. O povo começa a se dar conta que desse jeito não dá. O dia 28 de abril mostrou isso: o Brasil amanheceu parado muito decorrente de que o povo vai dando conta de que do jeito que está não dá pra ficar.

O governo golpista de Michel Temer repete sem parar que a reforma trabalhista servirá para modernizar a CLT e trazer segurança jurídica às empresas. Como você avalia esse discurso?

O trabalhador não vai na justiça reclamar que tá doente. Ele vai na Justiça porque o patrão diz: ”vai reclamar na Justiça suas verbas rescisórias”. Sabe por quê? Porque é mais barato pra o patrão. Na Justiça, o patrão, que deve 100 mil propõe pagar 20% e a ai o trabalhador aceita porque precisa alimentar o filho, precisa levar um quilo de carne, feijão arroz, a lata de leite pra o filho. Então ele acaba submetido. E ai eles usam esse discurso. Quem precisa de segurança jurídica é o trabalhador. Modernização é precarizar as relações de trabalho? É permitir ambiente análogo à escravidão? É levar os trabalhadores à estafa? E subtrair direito? É aumentar jornada? É um estágio em que se alimenta o desejo de acabar com o direito constituído do trabalhador para transformar esse homem e essa mulher em uma mercadoria.

Quais as consequências da terceirização ilimitada que foi aprovada no Congresso e que agora virou lei sancionada pelo presidente ilegítimo Temer?

A terceirização vai ser um prato fértil para a subcontratação. Imagine vocês que nos últimos dez anos nos casos de trabalho análogo a escravidão identificados 95% devem-se à subcontratações, ou seja, trabalho desprovido de direitos, regras e garantias, jornadas exaustivas, ambiente insalubre, péssimas condições de trabalho e adoecimento, o que se configura na chamada escravidão moderna. É um retrocesso tamanho, que não podemos conceber essa lógica. É isso que pretende a reforma trabalhista, o PL 4302 (sancionado por Temer) nivela por baixo. A tendência é que em curto espaço de tempo o trabalho da atividade-fim seja substituído por um trabalho precário e as consequências disso quais são? Empobrecimento do Estado porque perde em contribuição porque menos salário menos contribuição, com ambiente insalubre, trabalho precário, jornada exaustiva, adoecimento. Quem paga a conta? Vai para a Previdência. Aumenta-se o déficit da previdência. No fundo, no fundo as medidas do governo golpista pretendem também privatizar a previdência.

O consultor do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), Marcos Verlaine, afirmou ao Portal Vermelho que o movimento sindical conseguiu traduzir a reforma da Previdência para a população com o mote “é o fim da aposentadoria”. Como você analisa esse tema na vida do trabalhador?

A previdência vem demandando maior calor e disposição da sociedade porque o sonho, o desejo de todos os que começaram cedo a labutar é a perspectiva de que um dia pudesse se aposentar de forma digna. Ninguém trabalha com a hipótese de se aposentar quando estiver doente. Até que se prove o contrário, incontestavelmente, a previdência é também a única forma que o trabalhador tem para fazer a sua poupança porque, via de regra, o trabalhador não tem a poupança, mas ele deposita na poupança previdência social. Primeiro pelo princípio da solidariedade, segundo porque ele pretende ter o direito de gozar esse benefício. Mas quando o governo aumenta idade mínima e o tempo de contribuição, se a gente levar em consideração a expectativa de vida, sobretudo no norte nordeste e nas periferias das grandes cidades, muita gente vai morrer sem se ter acesso à aposentadoria. E é lamentável que o governo faça a opção porque se o governo admite que em mais de 4 mil municípios o que se recebe da Previdência é algo maior que o fundo de participação dos municípios, a Previdência alimenta milhões de brasileiros. Então a reforma é um descalabro. É diante desse olhar que o povo começa a dizer: eu vou perder meu salário, meus direitos e não vou poder nem me aposentar? É fazer poupança para banqueiros porque quem mais vai se beneficiar da reforma são os ricos e o poder econômico.

O Valor Econômico fez um levantamento divulgado em março afirmando que em três anos da operação Lava Jato 740 mil postos de trabalho acabaram. Só no setor de óleo e gás foram 440 mil vagas. A Lava Jato e a política de Temer ajudaram a configurar esse quadro de desemprego no país?

A operação Lava Jato condenou o CNPJ, paralisou a indústria da construção civil, que durante 10 anos tinha participação de 14% em média no PIB nacional. Do dia pra noite as obras pararam. No período anterior, com know-how, capacidade tecnológica as empresas de produção nacional foram expandindo mercado lá fora e ajudaram o Brasil a crescer. Da noite para o dia se paralisa tudo e esse desemprego é muito decorrente disso. A indústria naval teve um boom nos anos 80, Fernando Henrique afundou, Lula recuperou daí vem a estagnação econômica. Se antes do golpe já tava difícil com a consolidação do golpe, o Temer jogou uma ancora no mar. Paralisou geral. Hoje temos estaleiros que sofreram investimentos do BNDES, concessão de terrenos, financiamentos e que tiveram 70%, 80% das obras em funcionamento e que agora estão paralisados como o de São Roque de Paraguaçu (BA), EISA (RJ), muito por falta de uma política. Ai o governo Temer reduz a política de conteúdo local, a Petrobras passa a ser minoritária na exploração do Pré-sal. Isso tudo é uma fatia fértil para as empresas de capital estrangeiro Chevron, Texaco e Shell, que vão ingressar no mercado nacional e vão trazer equipamento de fora, mão de obra de fora.

A proposta de reforma trabalhista acaba com a contribuição sindical deliberadamente para enfraquecer o movimento social. Sem os sindicatos representando os trabalhadores está concedida a licença para violação de direitos?

O sindicato é parte importante na formação social de um país. Ou seja, a revolução industrial na Inglaterra sinalizou para um processo de constituição do sindicalismo que de alguma forma mudou as feições do mundo. É exatamente na possibilidade da construção de uma relação entre o capital e o trabalho que as nações cresceram e se empoderaram. É claro que do ponto de vista do capital, ter um canteiro de obra onde não tenha contraditório, nem questionamento é um tempero fértil para que prevaleçam a violação dos direitos, pouca ou nenhuma atenção para segurança e saúde do trabalho. Muitos empregadores tratam investimento em saúde e segurança como despesa. Isso faz com que o Brasil seja o 4º colocado no mundo em acidentes de trabalho e 2º no mundo em óbitos no ambiente de trabalho. Negar os sindicatos é também uma contribuição ao desequilíbrio social porque o sindicato é a voz direta do trabalhador frente à ofensiva do capital. É só o sindicato que vai contestar quando é descumprida uma norma orientadora, um direito individual ou coletivo. É o sindicato que vai celebrar acordo e impedir que a negociação anule aquilo que está na lei. O sindicato também é onde o trabalhador encontra o seu esteio para garantir o que está consagrado e legitimado.

Você afirmou que o Brasil precisa se dar conta do papel estratégico nos movimentos de resistência aos ataques contra direitos e citou a responsabilidade das centrais, artistas, intelectuais, sociedade organizada, partidos do campo democrático. De que forma as centrais sindicais contribuem nesse debate?

O tempo é de pressão e muita mobilização social sem negar o papel que deva ser permanente, que é a busca do diálogo e do entendimento. Há um bom tempo as centrais vem fazendo investidas dessa natureza. Foram diálogos com presidentes da câmara e do senado, presidente da comissão do trabalho, deputados, senadores. Todo esse movimento precisa ser feito e é necessário, porém é necessário que aquela chama que se viu ascender no dia 28 de abril na greve geral é primordial para os próximos passos. Diz o dito popular que depois da tempestade vem a bonança. Essa tempestade que o Brasil tá vivendo pode sinalizar para um tsunami e para que ele não chegue temos que resistir. É preciso nesta etapa todo o esforço do movimento sindical para barrar essa agenda, esse retrocesso. Em segundo lugar precisamos ser parte importante de uma nova alternativa para o país, a defesa das eleições diretas, a construção de uma frente ampla motivada por um debate nacional. Nós não podemos abrir mão de discutir com esse povo uma agenda nacional, uma agenda pra o brasil. Essa agenda precisa ganhar centralidade. Qual o Brasil que nós queremos? Acho que fica evidente que depois desse ciclo de empoderamento é que a gente precisa ter um programa para o Brasil que permita uma transição mais avançada. É preciso desenvolver forças produtivas, precisamos destinar atenção especial para as potencialidades advindas do Pré-sal. A gente sabe que muito desse ranço golpista tem a ver com as expectativas do Pré-Sal porque ali estava desenhada a possibilidade da pátria educadora, a possibilidade de grandes investimentos em obras de infraestrutura e um alicerce importante para a educação. Precisamos construir um Brasil soberano, que retome a sua capacidade de produção industrial e que possibilite a geração de empregos.