Alexandre Weffort: Uma luta em todas as frentes

Quem acompanhe as notícias sobre o Brasil, cotejando a mídia e os sites informativos, encontra visíveis as contradições que fazem a realidade social e política. Os comportamentos das personalidades políticas, as ações do movimentos sociais, dos sindicatos e dos partidos, são confrontadas com o exercício do poder pela classe dominante, nas várias instâncias da sociedade civil, como no âmbito do Estado, do qual se assenhoreou.

Por Alexandre Weffort*

Manifestação das centrais sindicais

Assim, vemos as contradições no tratamento dado a atores políticos do poder judicial (o que é, só por si, uma contradição) como Gilmar Mendes, atual presidente do STF, que ao votar favoravelmente pelo habeas corpus de José Dirceu, passou a ser alvo de ataques da direita mais retrógrada, a qual se encontra acantonada atrás da figura de Sérgio Moro, juiz que se permite dirigir aos "apoiadores da lava-jato", dando indicações para não irem a Curitiba (1).

Por um lado, a mídia ataca Mendes, mas escamoteia na informação os dados que permitem entender a mudança de posição dos integrantes do STF e que se relaciona com a aproximação do processo a figuras da direita partidária (nomeadamente, do PSDB). Aparentemente, é chegada a hora de colocar limites à ação desenvolvida pela lava-jato ao nível da investigação, aos métodos abusivamente utilizados de pressão sobre os investigados (prolongada prisão preventiva injustificada, vazamentos e outras estratégias com vista à obtenção de delações), depois de, por via da mesma lava-jato, se terem criado as condições para o golpe parlamentar que colocou Temer no poder.

Nesse mesmo sentido se podem considerar as ações midiáticas dos promotores da lava-jato, recorrendo às redes sociais para, violando os limites que a lei impõe ao servidor público nomeadamente na esfera judicial, atacar processos e decisões do foro legislativo. Os comentários políticos (tanto as falas do senador Roberto Requião, no debate sobre a lei de abuso de autoridade, como as de Gilmar Mendes quando comenta os atos de Dallagnol) enfatizam a tese da natureza pueril dos excessos cometidos, mas escondem que essa é também uma forma de preparar o terreno para fazer mudar o rumo, ou o ritmo, da lava-jato (pela mesma razão, atrás apontada: demasiada proximidade do processo a figuras do PSDB).

Na esfera sindical, o Brasil foi palco da maior mobilização grevista de sentido político, contra a reforma da previdência, mobilização que contou com a adesão de amplas camadas da população e de organizações de diverso âmbito (da CNBB e outras confissões religiosas, dos movimentos sociais, dos partidos de esquerda, de organizações representativas dos advogados, dos professores, etc.). Enquanto, na esfera política, a questão da oitiva de Lula em Curitiba se apresenta (para a mídia, mas também na esfera informativa independente) como o núcleo da tensão atual.

Jogam-se, no terreno midiático, os valores simbólicos que representam Lula, por um lado, com o capital político da sua história pessoal e política, e Moro, em que se confunde o capital simbólico da justiça (lavada ao extremo, na caricatura do justiceiro), e o capital político do combate movido contra o PT, onde a lava-jato é, de forma cada vez mais evidente, instrumento. É nesse cenário, em que o juiz "apela aos apoiadores da lava-jato" para não se deslocarem a Curitiba, que se prepara um ambiente repressivo contra as forças populares que se propõem manifestar, in loco, o apoio a Lula, proibindo mesmo a realização de manifestações (2).

A luta desenvolve-se em diversos terrenos, sendo o espaço midiático um dos mais visíveis. Todavia, existem outros espaços, não menos importantes, onde o diálogo e o entendimento são conquistados, espaços que mereceriam maior visibilidade informativa e estímulo (pelo menos, à esquerda), não tanto nas referências ao posicionamento momentâneo de Fulano e Sicrano (como tem acontecido em torno de Renan Calheiros), mas no que importa a posicionamentos mais consequentes, como o praticado por movimentos sociais, como o MST, com a sua liderança.

A questão agrária tem estado no cerne da vida política brasileira. A reforma agrária é uma bandeira que tem sido confundida com a da reforma fundiária. Esta, a fundiária, centra-se na questão da posse da terra e nos interesses do agronegócio, enquanto a verdadeira reforma agrária assume como núcleo a dimensão humana, do trabalhador sem terra, da agricultura familiar, da agroecologia (3).

Aparentemente na mesma esfera das questões relacionadas com os movimentos sociais, a produção agrícola e as questões ambientais, surge ciclicamente a questão da liberalização da maconha (4). Todavia, trata-se de questão bem diversa. O problema social do consumo de estupefacientes, das chamadas drogas leves, deve ser equacionado considerando a sua especificidade. No caso da maconha, cruzam-se a questão da eficácia do modo de controle social através da criminalização da produção, da comercialização ou do seu consumo, com a questão da natureza do estupefaciente e seu impacto, observáveis tanto a nível social como clínico. O debate em torno destas questões revela um potencial fracturante tanto quanto o desconhecimento (e sua a manipulação pseudo-científica). Num plano análogo, poderemos colocar a questão do consumo do ayahuasca e sua relação com práticas de âmbito religioso.

Esta última questão evidencia a necessidade da reflexão política (em sentido amplo, que envolve tanto o detalhe técnico como as consequências a nível simbólico de cada tema), papel que, agora focando neste espaço – o Vermelho – a mídia mais esclarecida busca cumprir. Que deve procurar cumprir sistematicamente, sob pena de, remetendo-se à mera reprodução do elemento noticioso, relegar para segundo plano o papel ideológico que assume, por natureza, a intervenção partidária.

*Alexandre Weffort é professor, mestre em Ciência das Religiões e doutorando em Comunicação e Cultura

(1) http://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2017/05/epoca-negocios-em-video-moro-pede-a-apoiadores-da-lava-jato-para-nao-irem-a-curitiba.html
(2) http://www.conjur.com.br/2017-mai-08/justica-parana-proibe-manifestacoes-apoio-lula-curitiba
(3) http://www.m.vermelho.org.br/noticia/296577-1
(4) http://www.m.vermelho.org.br/noticia/296578-1