Em novo livro, Sorrentino reflete sobre fatos que culminaram no golpe

“Anos que vivemos em perigo – a crise brasileira” é o título do livro de Walter Sorrentino, vice-presidente nacional do PCdoB, que será lançando nesta quinta-feira (30), em evento na Unip, em São Paulo (rua Vergueiro 1.211), a partir das 17 horas. Em entrevista ao Portal Vermelho, Sorrentino contou que o título do livro foi inspirado no filme do cineasta australiano Peter Weir, que dirigiu “O ano em que vivemos perigo”, de 1982.

Por Dayane Santos

PCdoB 2016 - Um projeto eleitoral que precisa de vitórias - Divulgação

O filme conta a saga de um repórter australiano, interpretado por Mel Gibson, que em missão internacional em Jacarta (Indonésia), para cobrir a guerra civil que o país enfrentava sob a ditadura Hadji Mohamed Suharto, tentava narrar os acontecimentos além dos fatos. Assim como o personagem Guy Hamilton, Sorrentino produziu uma série de artigos publicados em seu blog e em outros veículos, entre 2015 e 2016, traçando uma análise da conjuntura política desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff, até o fatídico golpe de Estado de modalidade parlamentar.

“Esse livro é uma contribuição ao debate. Foi escrito em tempo real, mas com um alinhamento muito concentrado e coerente, buscando fazer a leitura da realidade, da situação do Brasil e do golpe. São situações tão tempestuosas e inéditas que acabei por decidir em fazer a edição do livro”, afirmou.

Longe de ser uma edição ao velho estilo “concha de retalhos”, o livro busca retratar a realidade da história recente brasileira e fazer uma análise política e ideológica. Sorrentino salienta que, além da sua visão sobre os fatos, os artigos também são fruto do debate aprofundado que faz diariamente por conta da sua função como dirigente do PCdoB. Reuniões e debates com lideranças políticas de todo o país e o intenso debate político como membro do Comitê Central do partido, com a contribuição de outros dirigentes, ajudaram a formular o conjunto de artigos que compõem a obra.

“Fui retratando a conjuntura conforme as mudanças dos fatos. Para a edição do livro, acrescentamos uma linha do tempo, demonstrando ao leitor em que circunstâncias tais artigos foram produzidos”, enfatiza. De acordo com Sorrentino, de uma seleção de mais de 60 artigos, 52 foram selecionados.

Desafio

Sorrentino concorda que fazer uma análise da conjuntura política em meio a uma avalanche de fatos e diversas correlações de forças que mudavam, dia a dia, a direção da luta política, não foi – e ainda não é – uma tarefa fácil. “E mais, havia muita dispersão e divisão da esquerda brasileira”, diz.

“Os artigos refletem, em alguns momentos, o altruísmo da vontade e o pessimismo da razão. Escrevi artigos em dezembro de 2015, por exemplo, em que apontava que a marcha do golpe seguia em curso acelerado e uma semana depois escrevi outro destacando que o golpe engasgou, por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal”, relata.

Segundo ele, apesar da conjuntura muito dinâmica, a “leitura que o PCdoB tem da realidade era bem assentada e fundamentada”.

“A mudança que esses dois anos provocaram na história do país foram profundas. O livro evidenciava que se tratava de uma situação inédita, envolvendo muitos fenômenos novos, diferentemente dos tradicionais movimentos de golpe que ocorreram na América do Sul”, explica, referindo-se ao que chama de “modalidade de golpe parlamentar”, que teve o primeiro precedente no Paraguai contra o mandato de Fernando Lugo, em 2012.

“[No Paraguai] Foi um golpe revestido de uma suposta legitimidade por ter a participação da Suprema Corte. Esse é um problema, cujo ineditismo principal foi o que chamamos de ‘tenentismo de toga’, em referência ao Tenentismo, a rebelião de jovens militares das Forças Armadas, visando à modernização do país. Agora é o tenentismo de toga, que tem a emergência de um novo ator: o Judiciário", analisa.

O golpe

Para Sorrentino, o golpe de 2016 foi dado pelo consórcio político-empresarial e midiático, "mas sem a atuação desses agentes de Estado, como Ministério Público, Polícia Federal e setores do Judiciário, o golpe não teria sido possível".

Ele frisa ainda que não se trata de um fenômeno brasileiro, mas uma questão que tem sido alvo de debate por diversos setores importantes que classificam tal movimento como uma espécie de “poder desconstituinte”.

“É mantida a constituição, mas ela se torna um invólucro vazio. A financeirização captura os interesses do Estado e a democracia se torna mera formalidade. No caso brasileiro, um alto grau de discricionariedade. É curioso que o Brasil seja um dos três países que mais tem regulamentações. Alguns juízes chamam isso de “hipernormativismo”, ou seja, controles rígidos, rigorosos e numerosos por meio de normas, mas que estabelece um alto grau de discricionariedade. Com um Judiciário ativista e político-partidário, isso representou um perigo que levou ao golpe”, pontuou.

Segundo o dirigente comunista, assim como no Brasil, esse fenômeno ainda está em debate no mundo, tendo alcançado diversos autores e agentes sociais que tentam explicar como criou-se um estado de exceção dentro do Estado Democrático de Direito.

Esvaziamento da democracia

Questionado sobre qual é o papel dos partidos nesse cenário atual, Sorrentino afirma: "Os partidos se transformaram na Geni", disse ele, em referência a canção de Chico Buarque, Geni e o Zepelim, que diz que Geni servia apenas para apanhar.

“O esvaziamento da democracia levou o afundamento da política. A busca é por criminalizar toda a política numa espécie de retenção, passar tudo a limpo. Os partidos são os criminosos da história, embora isso também se relacione com uma complexa mutação que vem ocorrendo em todo o mundo, uma profunda crise de representação", afirma.

Neste sentindo, Sorrentino salienta que o golpe de 2016 não foi um acaso, uma circunstância. “Vem de longe e tem um poderoso braço externo”, reforça, citando as intercepções norte-americanas contra a Petrobras e a presidenta Dilma Rousseff.

Contudo, ele pondera que o golpe foi dado contra o legado positivo de Lula e Dilma e o projeto de afirmação nacional e democrática, mas também só se tornou possível devido aos erros que foram cometidos. “Esse é um debate indispensável”, afirma ele, “se a esquerda quer se apresentar como portadora de novas esperanças para o povo, ela precisa ter a humildade de entender como, quando, onde e porque errou”, asseverou.

“Os erros de construção política foram muitos. No livro eu alinho esse raciocínio feito num debate promovido pela Fundação Maurício Grabois, em julho de 2016, pouco antes do impeachment”, conta o dirigente.

A esquerda

Sorrentino destacou três aspectos dessa análise. O primeiro, é o fato de não existir um projeto nacional maduro e consistente no comando dos governos progressistas. Ele aponta ainda a pouca experiência do campo progressista de esquerda que chega ao governo sem constituir uma verdadeira agenda de Estado.

“O Estado que a gente herda é conservador e o estado da inércia. Portanto, a esquerda não poderia chegar ao governo sem ter uma agenda para tornar funcional a atividade estatal ao projeto político que almeja, pelo contrário, vigorou uma visão liberal do estado”, reforçou.

O terceiro e último aspecto citado por Sorrentino é a estratégia da esquerda brasileira de se aglutinar num partido âncora, encabeçado pelo PT, em que as coalizões eram feitas sem plataforma definida, podendo variar de acordo com as alianças que fizessem, e, sobretudo, sem a construção de um núcleo de esquerda no comando da coalizão.

“Acho que essa fase terminou”, diz ele. O partido já anunciou que, a partir da construção de uma frente ampla de esquerda, quer lançar uma candidatura própria à Presidência da República em 2018.

Serviço:

Anos que vivemos em perigo – A crise Brasileira
Autor: Walter Sorrentino
Editora: Anita Garibaldi