Previdência: Projeções do governo não são confiáveis, diz estudo

Quão precisas são as projeções financeiras e atuariais do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) que servem de base para o governo propor uma reforma previdenciária tão draconiana? De acordo com o estudo “A Previdência Social em 2060: as inconsistências do modelo de projeção atuarial do governo brasileiro”, divulgado nesta terça-feira (14), os instrumentos e métodos utilizados para o cálculo dos resultados previdenciários do governo não são “minimamente confiáveis”.

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A reforma defendida pela gestão Michel Temer endurece as regras para a aposentadoria e impedirá ou pelo menos dificultará o acesso de milhares de brasileiros à Previdência Social. As mudanças são justificadas pelo governo sob o argumento de que há um deficit no orçamento da Previdência e de que projeções para 2060 indicam que o sistema é uma bomba relógio, prestes a explodir.

Economistas, em conjunto com engenheiros e especialistas em ciências da computação e matemática computacional, lançam agora estudo no qual buscam promover o debate sobre “as inúmeras inconsistências do modelo atuarial do governo brasileiro”. Trata-se de uma iniciativa da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e da Plataforma Política Social.

Diante da constatação do baixo grau de transparência dos métodos utilizados na projeção dos resultados previdenciários, a publicação busca mergulhar no tema, para desvendar e avaliar criticamente – em três artigos –, o método e as projeções de longo prazo do governo federal, para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS).

“Como amplamente comprovado na presente publicação, o governo não dispõe de modelo de projeção atuarial minimamente confiável. Como se sabe, a desconhecida bola de cristal dos terroristas econômicos é categórica ao projetar desastre inexorável, ‘se nada for feito’. Muito mais grave que o catastrofismo é o fato de que a sociedade brasileira não conhece o ‘modelo’ atuarial que endossa o cataclismo anunciado”, escreve o economista Eduardo Fagnani, na apresentação do estudo.

E completa, tecendo uma série de questionamentos: “Não sabemos sequer se há ‘modelo’ atuarial. Se há, por que ele é mantido escondido, guardado a sete chaves, bem longe do conhecimento público? Ou não há mesmo modelo algum, e trata-se só de mais e mais ‘palpites bem informados’, meras conjecturas sem amparo técnico e científico? Quais parâmetros suportam tais projeções tendencialmente ruinosas? Quais variáveis são utilizadas? Quais premissas embasam os prognósticos para 2060? Enfim, quão acuradas são as projeções financeiras e atuariais do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que servem de base para os profetas do caos?”.

O primeiro dos três artigos do estudo, intitulado justamente “Quão acuradas são as projeções financeiras e atuariais do Regime Geral de Previdência Social?”, faz o exercício de aferir o grau de confiabilidade das previsões realizadas pelo governo federal para os últimos 14 anos (2002-2015). Para isso, investiga os resultados previdenciários do RGPS previstos em cada Anexo IV da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) dos anos de 2002 a 2015 e os compara com os resultados efetivamente realizados, divulgados nas estatísticas oficiais.

De acordo com o texto de introdução ao estudo, assinado pelos economistas Claudio Castelo Branco Puty e Denise Gentil, constataram-se erros de elevada magnitude para a maioria dos anos. “Neste sentido, as projeções do resultado previdenciário, feitas entre 2002 e 2015, não são sequer minimamente bem-sucedidas. Ao contrário, são sistematicamente equivocadas no curto prazo. Esses erros são tão consideráveis que, no longo prazo, tornam sem qualquer significado ou serventia todas aquelas previsões”, dizem os economistas.

“Como confiar na robustez de previsões de longo prazo (para 2060), quando as previsões realizadas para 14 anos já se comprovam tão extremamente falhas? Esses resultados levaram à conclusão de que as projeções do governo se apoiavam em metodologia impotente para produzir resultados confiáveis”, completam.

De acordo com Fagnani, saltam à vista pelo menos dois vícios: as receitas são subestimadas; e as despesas superestimadas. Segundo a publicação, a análise desnuda um modelo “falho, incompleto, limitado e cientificamente impróprio” para definir os rumos de uma reforma da Previdência que terá impacto sobre a maioria da população brasileira, em especial os mais pobres.

O segundo artigo da publicação, “Uma análise não convencional para o financiamento da Previdência Social no Brasil: aspectos teóricos e evidências empíricas”, tem por propósito investigar outras variáveis que poderiam contribuir para a geração de resultados positivos para o financiamento da Previdência Social.

Os autores apresentam um modelo teórico que sugere que o envelhecimento da população e a consequente crise da Previdência Social podem ser contornados por três diferentes políticas, além da redução no valor real das aposentadorias: incrementos na produtividade do trabalho; aumento da poupança e dos impostos (receitas da Previdência); e aumento na taxa de crescimento do emprego formal, isto é, do número de contribuintes.

Por fim, no terceiro artigo, “A necessidade do cálculo de dispersão, para projeções sobre o comportamento de sistemas previdenciários”, os autores questionam: quais são os erros inerentes às previsões efetuadas pelo governo? Foram devidamente calculados? Se foram, qual a técnica utilizada? Que documento oficial faz a crítica das previsões realizadas e não confirmadas, com o objetivo de aprimorar o modelo?

“É importante admitir que as projeções que estão pautando o debate não podem ser tomadas como verdades inquestionáveis, uma vez que, em nome da honestidade científica, não sabemos com exatidão o que não se pode saber. Erros em projeções são naturais e precisam ser delimitados. Se não o são, os resultados das projeções não são confiáveis”, alertam os autores.

De acordo com Fagnani, a sociedade civil tem direito ao menos de ter acesso à memória de cálculo que sustenta os números publicados nos documentos oficiais. E o Parlamento tem o dever de exigir que o governo abra a “caixa preta” e apresente para a sociedade os critérios até aqui apenas supostos “científicos” e utilizados para sustentar seu discurso.

“Se esse debate não for feito, prevalecerá a visão dos sempre mesmos que fizeram da ‘catástrofe fiscal’ seu meio de vida. Os sempre os mesmos que há mais de trinta anos ganham a vida a apontar para um ‘desastre’ fiscal que adviria ‘dos gastos’ da Previdência. Mas não porque lhes interesse salvar a Previdência e, sim, porque lhes interessa fazer regredir direitos dos trabalhadores. Por isso jamais cogitam de qualquer outra solução que não seja ‘cortar gastos’ a qualquer preço”, provoca Fagnani.

“A Previdência Social em 2060: as inconsistências do modelo de projeção atuarial do governo brasileiro” dirige-se a toda classe trabalhadora; aos sindicatos, associações e movimentos sociais que se mobilizam em defesa da Previdência e da Seguridade Social; às entidades de representação profissional e empresarial comprometidas com o aperfeiçoamento das regras da Previdência e Assistência Social; aos partidos e parlamentares que irão discutir a reforma da Previdência na sociedade e no Congresso Nacional; e por fim, ao governo que é autor da Proposta de Emenda Constitucional n. 287, de 7 de dezembro de 2016 (PEC 287).

O documento, organizado pelos economistas Claudio Castelo Branco Puty e Denise Lobato Gentil em conjunto com Carlos Patrick A. Silva, Carlos Renato Lisboa Francês, Eliane Cristina de Araújo e Sólon Venâncio de Carvalho, é um convite ao debate amplo, plural e democrático. Clique aqui para ler a publicação.