Por uma frente ampla contra o desmonte de Temer, diz Luciana Santos

A presidenta nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), deputada federal Luciana Santos (PE), fez uma análise da conjuntura política e econômica do país. Ela afirmou que o golpe contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff impactou de forma estarrecedora a democracia, desestabilizando as instituições e ameaçando direitos sociais.

Por Dayane Santos

Luciana santos - Foto: Clecio Almeida

Luciana defende que a saída é pela política, tendo como vetor a “soberania popular”. Ela destacou o papel decisivo da Frente Brasil Popular e da Frente Povo Sem Medo na resistência ao golpe e apontou para a necessidade da construção de uma ampla frente nacional.

“Nosso desejo é extrapolar essas frentes. Como não fomos capazes de arrefecer a ofensiva da direita, temos que ter muita capacidade política, firmeza nos princípios e fidelidade na relação, porque muitas das forças políticas que se envolveram no golpe estão vivendo contradições. Temos que fazer um esforço para que pessoas que entraram nesse barco possam pular fora e venham se somar a uma reação que é necessária para o país”, reforçou Luciana, frisando ainda que, para fortalecer o debate político, o PCdoB vai apresentar candidatura própria à Presidência da República em 2018.

Confira a íntegra da entrevista:

Portal Vermelho: Desde as eleições de 2014, o país enfrenta uma profunda crise política que contaminou as instituições do poder. Na sua avaliação o que foi determinante para desencadear essa crise?

Luciana Santos: Sem dúvida o primeiro aspecto é o econômico. O Brasil, a exemplo de vários países do mundo, sofre o impacto da terceira grande crise do capitalismo, que é sistêmica e se desenvolveu em 2008, que no primeiro momento atingiu os países do chamado G7, com uma economia mais forte, e em seguida os países emergentes. E associado a uma queda das commodities, que é uma atividade das mais relevantes do país. Isso se somou a uma grande orquestração, um conluio de vários setores que há tempos não se conformavam com o projeto que estava em curso no país. A estratégia foi o desgaste desse projeto político que se uniu a poderosas forças da economia, principalmente do rentismo, da grande mídia, setores do Judiciário e dos órgãos de controle e das forças conservadoras, que há algum tempo viviam um impasse político e na hora que vislumbraram que a saída poderia ser o Temer, marcharam em direção ao impeachment.

O PCdoB, desde 2015, quando se iniciava as movimentações do impeachment, alertou que estava em curso um golpe no país. Como dizia Karl Marx, a história se repete, a primeira vez como tragédia, depois como farsa. O que vimos acontecer foi o mesmo que ocorreu durante os governos de Getúlio Vargas e João Goulart, quando se apresentou um projeto popular, nacional e de garantia de direitos, setores conservadores criaram pretextos de qualquer natureza para tentar interromper esse projeto. Foi o que fizeram. Inventaram um crime de responsabilidade que Dilma Rousseff não cometeu para justificar o impeachment.

Agora, estão colhendo tempestades. Ao contrário do que diziam – que com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff e o PT, voltaria a confiança do mercado e a estabilidade política e com isso, a retomada do crescimento –, o que estamos assistindo é mais corrupção, mais desemprego e mais falta de perspectiva da retomada da democracia. Ao contrário da estabilidade política nós estamos vivendo um ambiente de imprevisibilidade, forte instabilidade política e até crise institucional, com os aparatos do Judiciário e policial querendo se sobrepor a todo custo ao sistema de poder no Brasil. Sistema esse que foi conquistado no final do século 19, com a República e hoje, com o salto civilizacional do passado, está sendo ameaçado. Rui Barbosa dizia que a pior ditadura é a do Poder Judiciário, pois contra ela não há a quem recorrer.

O PCdoB, num momento como esse, mais uma vez não vacila. Nós temos uma posição clara: Fora Temer! Em defesa da soberania popular direta para garantir uma saída política que resista à afronta aos direitos provocada com a PEC do Teto, a reforma da Previdência e a desnacionalização da nossa economia.

Como a senhora apontou, em pouco mais de seis meses de governo, Temer aplicou uma agenda de retrocessos sociais e econômicos. Como consequência, a rejeição ao seu governo aumenta, dando margem à proposta de novas eleições. Para o PCdoB essa é uma alternativa viável para o país? Por quê?

Teríamos que aprovar uma emenda constitucional que pudesse deixar explícito que eleições indiretas só poderiam ocorrer no último ano do mandato, o que viabilizaria a realização de eleições diretas para o ano que vem. A estratégia desse consórcio golpista é realizar eleições indiretas com a base que existe no Congresso Nacional, desconsiderando qual é a opinião da população sobre o destino do país.

O nosso principal vetor é a soberania popular. Deram um golpe de Estado, portanto é preciso sanar essa medida que teve um impacto estarrecedor nos interesses nacionais. É preciso criar uma saída pela política.

De fato, a crise produziu como efeito a judicialização da política em que o Judiciário assumiu o protagonismo do debate. Como presidenta de um partido com 95 anos de existência a senhora imaginava que chegaríamos a esse cenário?

Para nós, a corrupção deve ter tolerância zero. No entanto, o combate à corrupção não pode ser pretexto para atender outros interesses. Fica cada vez mais nítido o uso político da Operação Lava Jato. E para além do uso político, é preciso ver a dimensão econômica. O impacto da Lava Jato na recessão significou no ano passado, segundo economistas, 2% do Produto Interno Bruto (PIB), e isso se acelera por conta do processo de desnacionalização da economia promovido pelo governo Temer. O setor elétrico com os chineses, construção civil com os espanhóis e canadenses… De fato, o resultado do golpe tem sido contra o interesse nacional, na medida em que promove a quebradeira da indústria, um desemprego galopante e um ceticismo quanto à possiblidade de ter estabilidade política e econômica para que as pessoas possam voltar a investir.

O pacote da reforma da Previdência veio para retirar direitos, já os benefícios ao mercado financeiro são intocáveis. É o Estado máximo para o mercado financeiro e Estado mínimo para o povo. Precisamos resistir e mobilizar a população para que ela possa voltar a ser protagonista desse processo.

Na última eleição surgiram candidatos dizendo que deveriam ser eleitos porque não eram políticos, mas gestores. Como responder a essa estratégia de negação da política?

A Operação Mãos Limpas, na Itália, teve como resultado a eleição do primeiro-ministro Silvio Berlusconi e mais corrupção. Essa solução que se deu na Itália nós não podemos permitir que aconteça no Brasil. A solução não pode ser pela direita. Não pode ser uma solução fascista, como está acontecendo em várias partes do mundo, com o discurso da antipolítica. Aliás, esse sempre foi o discurso da direita, já que para ela é impossivel defender um conteúdo programático do seu projeto político. Para vingar um projeto conservador de direita, a crise institucional e política, ou seja, o caos, são necessários.

A esquerda foi um dos principais alvos da ofensiva da direita com ataques por meio de órgãos do Judiciário e da mídia. Em resolução divulgada recentemente, o PCdoB definiu como uma das principais diretrizes a construção de uma frente ampla capaz de unir a esquerda numa contraofensiva a esse movimento. Quais são as bandeiras que podem unificar a esquerda em torno dessa frente?

Primeiro, destaco o vetor democrático. Em um momento como este o aspecto da soberania popular se faz ainda mais necessário, por isso levantamos essa bandeira de forma firme e direta. A outra é a defesa do interesse nacional, da economia, da Petrobras, do BNDES, ou seja, daquelas ferramentas que podem induzir o desenvolvimento nacional.

Outra variável é a resistência contra a retirada de direitos, que é avassaladora. A reforma da Previdência e a PEC do Teto são pacotes cruéis que mexem em conquistas históricas do povo brasileiro. A política de assistência social foi responsável pela retirada do Brasil do Mapa da Fome. Vamos retroceder com as medidas previstas pelo teto. A reforma da Previdência é o programa máximo desse consórcio que está no controle no Brasil. A junção desses projetos criará um Estado que não terá capacidade de responder ao mínimo dos investimentos de saúde e educação.

A Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem Medo foram decisivas como base de reação ao golpe e manifestação popular. Uma agenda foi construída num esforço de uma frente que reuniu entidades e partidos. Foi decisivo e será ainda mais para que a gente dê um rumo. Nosso desejo é ampliar para além dessas frentes. Como não fomos capazes de arrefecer a ofensiva da direita, temos que ter muita capacidade política, firmeza nos princípios e flexibilidade na relação, porque muitas das forças políticas que se envolveram no golpe estão vivendo contradições. Temos que fazer um esforço para que pessoas que entraram nesse barco possam pular  fora e venham se somar a uma reação que é necessária para o país.

Outro ponto apresentado na resolução do PCdoB é a busca do protagonismo para garantir uma candidatura própria em 2018 à Presidência da República. Como essa proposta pode contribuir para o atual cenário político que temos hoje?

Nós vivemos um paradoxo no PCdoB. Somos um partido muito respeitado, temos uma história política de coerência, de dedicação às causas estratégicas do povo brasileiro. Não há um momento na história do Brasil, desde 1922 para cá, que não tenha a presença do Partido. Na causa nacional, na luta por direitos, na causa democrática, nós nunca nos movemos por interesses partidaristas. Sempre nos movemos por interesses mais amplos. Embora a gente tenha muitos fatos políticos, não falta no PCdoB envergadura, estatura e quadros que dão todas as condições de apresentar uma candidatura à Presidência da República consistente, preocupada com a boa política e com um conteúdo programático. O que nos faltou foi força política. Esse é o nosso paradoxo: muita consistência ideológica, programática, política, com quadros, mas sem força mais expressiva. Além disso, sempre colocamos o interesse nacional acima dos interesses do partido.

Mas num momento como esse de muita fragmentação do nosso campo, nós achamos que é necessária uma candidatura própria para que possamos nos apresentar como alternativa, para que as pessoas nos enxerguem como mais nitidez, vislumbrem o espectro do nosso campo de esquerda de maneira mais ampla. E muitas vezes esse exercício é mais fácil com a candidatura própria que possa circular e se apresentar, até para que as pessoas possam alcançar qual é o pensamento do nosso partido, que acaba, em certas situações, ficando diluído. Não ter candidatura própria nunca foi um problema para nós, mas num momento como esse, de tanta fragmentação e defensiva, achamos que se faz necessário, por isso estamos construindo essa possibilidade para fazer jus aos desafios do momento, em que temos uma crise institucional muito forte e que a gente precisa ajudar a coesionar uma frente ampla que possa sair do debate fulanizado para um debate de ideias mais consistente. O exercício da candidatura própria que fizemos na década de 1940, vamos repetir em março do ano que vem.

Diante de um cenário tão nebuloso que foi o ano de 2016, qual mensagem do PCdoB para 2017?

Em 2016, nós não fugimos à luta. Nós nos agigantamos, nós fomos para o front apesar de pequenos, e influenciamos o rumo. E em 2017 vamos continuar nossa luta com esperança. Os comunistas são aqueles que não se abatem nos revezes. A gente sempre tem a capacidade de dar a volta por cima porque somos homens e mulheres de perspectivas.