“Mercantilização” do ensino avança no Congresso Nacional 

Parlamentares da bancada do PCdoB criticaram a aprovação da reforma do Ensino Médio (MP 746/16) na terça-feira (14). O texto prevê retrocessos como a extinção das disciplinas de artes, física, filosofia e sociologia.

Por: Iberê Lopes, do PCdoB na Câmara

Luto pela educação - Foto: Mídia Ninja

Com votação concluída na Câmara dos Deputados, a Medida Provisória (MP 746/16) aprofunda desigualdades educacionais no país, em especial, as raciais, de renda, regionais e entre o campo e a cidade. Essa é a avaliação da Bancada do PCdoB.

Foram aprovadas em Plenário, ainda, as medidas de segmentação do ensino por áreas do conhecimento; a implementação do ensino integral com apoio financeiro da União ao setor público. Esta última não traz a especificação da fonte de financiamento e o formato de incentivo.

A possibilidade de convênio e parcerias com entidades privadas nacionais ou estrangeiras também foi mantida no texto, abrindo caminho para a mercantilização da educação. Essa proposta foi criticada pela deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).

“É aqui que estão legislando para estimular parcerias público-privadas com organizações estrangeiras para o ensino à distância no Ensino Médio. Hoje, aniversário do AI-5, o governo está reformando o Ensino Médio para uma visão autoritária, atrasada, tecnicista e privatizante. Só com a saída de Temer podemos resgatar os absurdos cometidos pelo golpe”, afirmou.

De acordo com a parlamentar baiana, o Ensino Médio regular possui natureza presencial e pode inclusive ter uma articulação com novas tecnologias e com plataformas diferenciadas. “Não podemos abrir mão da natureza curricular unificada no território nacional, sob risco de termos escolas de primeira, de segunda ou até de quinta categoria”, alertou Alice Portugal.

No projeto de lei de conversão do senador Pedro Chaves (PSC-MS), o currículo do Ensino Médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e pela formação em áreas do conhecimento: linguagem e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas; e formação técnica e profissional. Cada sistema de ensino organizará essas áreas e as respectivas competências e habilidades esperadas do aluno segundo seus próprios critérios. Poderá haver uma integração de componentes curriculares da base comum com disciplinas dessas áreas e, após a conclusão de um itinerário formativo, os alunos poderão cursar outro, se houver vaga.

Todas as regras valerão para as redes de ensino público e privado, mas o cronograma terá de ser elaborado no primeiro ano letivo seguinte à data de publicação da BNCC. A efetivação da reforma do Ensino Médio, entretanto, ocorrerá no segundo ano letivo depois da homologação dessa base curricular.

A base comum não necessariamente fixará a oferta de artes, educação física, sociologia e filosofia nos três anos do Ensino Médio. As disciplinas de Português e Matemática serão obrigatórias nos três anos do Ensino Médio. Para o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), a garantia das disciplinas, como sociologia e filosofia no currículo do Ensino Médio, é fundamental para a formação cidadã. “A formação crítica amplia a capacidade de conhecer o Brasil, oferece ferramentas para que a nossa juventude possa pensar com a sua própria cabeça. Matérias como essas foram retiradas do currículo escolar no tempo das sombras, quando não se queriam debate, discussão nem construção da democracia”, disse.

A redação aprovada também propõe alteração quanto à formação mínima exigida para lecionar no Ensino Médio. Na prática, não será exigida do docente a formação acadêmica específica na área, bastando apenas uma complementação pedagógica para lecionar.

Segundo a deputada Professora Marcivânia (PCdoB-AP), que integrou a Comissão Especial, “os parlamentares governistas se mostraram insensíveis ao não ouvir educadores e estudantes, envolvidos na matéria. A questão do ‘notório saber’, por exemplo, coloca em risco a qualidade do ensino, fragilizando cada vez mais o processo de aprendizado dos jovens na etapa final da educação básica. Esta MP não atende os anseios dos nossos alunos e professores”.

O texto agora segue para o Senado Federal.

Entenda a proposta

Carga horária

A carga horária mínima anual será de 800 horas para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio, a ser ampliada de forma progressiva, no Ensino Médio, para 1.400 horas, devendo os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos 1.000 horas anuais de carga horária, a partir da publicação da lei.
Quanto ao ensino noturno propõe-se que os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de educação de jovens e adultos (EJA) e de ensino noturno regular, adequando às condições do educando.

Currículo do Ensino Médio

A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação e por itinerários formativos correspondentes a essas áreas do conhecimento: linguagem e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas; e formação técnica e profissional.

Cada sistema de ensino organizará essas áreas e as respectivas competências e habilidades. A critério dos sistemas de ensino, poderá ser composto itinerário formativo integrado, que se traduz na composição de componentes curriculares da BNCC e dos itinerários formativos.

Disciplinas

Artes e educação física constituíram componentes curriculares obrigatórios da educação básica. Filosofia e Sociologia continuam de fora do currículo obrigatório. A Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio incluirá obrigatoriamente estudos e práticas de educação física, arte, sociologia e filosofia. O texto aprovado prevê as disciplinas como estudos e práticas e a BNCC não necessariamente fixará a oferta delas nos três anos do Ensino Médio. As disciplinas de Português e Matemática serão obrigatórias nos três anos do ensino médio, assegurado, às comunidades indígenas, o ensino de línguas maternas.

Inclusão de módulos, com a adoção do sistema de créditos

O Ensino Médio poderá ser organizado em módulos e adotar os sistemas de créditos com terminalidade específica.

Educação a distância

Os sistemas de ensino para efeito de cumprimento das exigências curriculares do Ensino Médio poderão reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação à distância, mediante as seguintes formas: demonstração prática, experiência de trabalho supervisionado, atividades de educação técnica, cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais, estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangerias e cursos realizados por meio da educação à distância ou educação presencial mediada por tecnologias.

Ampliação de 50% para 60% da Base Nacional Comum Curricular

A carga horária destinada ao cumprimento de BNCC não poderá ser superior a 60% do total da carga horária do Ensino Médio, conforme a definição dos sistemas de ensino.
Os 40% restantes serão destinados aos itinerários formativos que o estudante poderá escolher: linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional.

Formação docente

O texto manteve a permissão para contratação de profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, para atender ao ensino técnico e profissional.
A redação aprovada também propõe alteração quanto à formação mínima exigida para lecionar no Ensino Médio. Pela proposta, profissionais graduados sem formação acadêmica específica na área que lecionam poderão atuar no magistério se fizerem um curso de complementação pedagógica.

Cursos de formação de docentes

Os currículos dos cursos de formação de docentes terão por referência a Base Nacional Comum Curricular e deverá ser implementado no prazo de dois anos, contado da publicação da Base Nacional Comum Curricular.

Mudança no art. 318 da Consolidação das Leis Trabalhistas

O professor poderá lecionar num mesmo estabelecimento por mais de um turno, desde que não ultrapasse a jornada de trabalho semanal estabelecida legalmente, assegurado e não computado o intervalo para refeição.

Prazo de dez anos para repasse de recursos federais aos estados que ampliarem a carga horária

O prazo para o repasse será contado da data de início da implementação do Ensino Médio integral na respectiva escola, conforme termo de compromisso a ser formalizado entre as partes, que deverá conter, no mínimo: identificação e delimitação das ações a serem financiadas; metas quantitativas; cronogramas de execução físico-financeira e previsão de início e fim de execução das ações e da conclusão das etapas ou fases programadas.

A transferência de recursos será realizada com base no número de matrículas cadastradas pelos Estados e pelo Distrito Federal no Censo Escolar da Educação Básica. E será realizada anualmente, a partir de valor único por aluno, respeitada a disponibilidade orçamentária para atendimento, a ser definida por ato do Ministro de Estado da Educação.

Entrada em vigor

Os sistemas de ensino deverão estabelecer cronograma de implementação das alterações propostas. Este cronograma terá de ser elaborado no primeiro ano letivo seguinte à data da publicação da BNCC. Já a implantação do cronograma ocorrerá no segundo ano letivo, depois da homologação dessa base curricular.

O que significa

O texto aprovado representa um retrocesso em relação às políticas educacionais em vigor (LDB, DCNEM, PNE e Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores). Pode-se afirmar que estas propostas se encontram na contramão da luta pela conquista de uma educação pública, obrigatória e de qualidade.