Para especialista reforma da Previdência é grande onda neoliberal 

“Mas é óbvio. Está muito claro que o planejamento deles é a destruição total da Previdência. É a terceira grande onda neoliberal, a mais radical de todas, que simplesmente desmonta a estrutura previdenciária toda”, explicou à CTB o advogado e especialista em Previdência Social, Sérgio “Pardal” Freudenthal. A opinião de Pardal rebate os argumentos de Michel Temer que apresentou na segunda-feira (5) proposta de reforma da Previdência Social.  

Previdência Social
A proposta de Temer é simples na aparência: terminam todos os benefícios de caráter voluntário, restando somente a aposentadoria por idade, para todos, aos 65 anos. Todas as diferenciações anteriores são eliminadas, seja entre homem ou mulher, trabalhador urbano ou rural – como se, subitamente, todas as condições enfrentadas por esses grupos fossem as mesmas.
 
Por cima disso, o novo sistema exigiria um tempo mínimo de contribuição de 25 anos, mas isso não daria acesso ao benefício integral, apenas 75% dele. Os outros 25% teriam de ser conquistados, 1% a cada ano extra de trabalho, até que se completasse 50 anos de contribuição.
O que significa, considerando a idade mínima de 16 anos, que nem mesmo um cidadão que trabalhou cada dia de sua vida poderá aposentar-se recebendo o que merece aos 65.
“As aposentadorias aos 65 vão se transformar em relações assistenciais”, explica Pardal. Como quase ninguém conseguiria cumprir os requisitos para receber o valor real das pensões, e como elas estariam desvinculadas de uma política de valorização real, o cenário de longo prazo seria de ressurgimento dos valores miseráveis, e com requisitos de admissão cada vez mais excludentes.

“Isso vai destruir o restinho de credibilidade do sistema de Seguro Social. Com o nível de informalidade do nosso mercado de trabalho, você acha que um sujeito vai querer contribuir para a Previdência, se essa porcaria só der direito aos 65 anos? Ele vai querer viver um afogadilho desses, com a cintura apertada a vida inteira?”, questiona o especialista, incrédulo.

Obviamente, não. A proposta de Temer cria no próprio usuário desse sistema um sentimento de rejeição, de coisa desnecessária. Mesmo com a regra de transição oferecida pelo governo, qualquer homem com menos de 50 ou mulher com menos de 45 poderia encarar mais de uma década de incremento na exigência mínima, se fosse aprovada a reforma. Em casos extremos, a pessoa teria que trabalhar até 14 anos a mais.
Previdência privada
A história do “rombo da Previdência” é uma mentira. A Previdência não está a ponto de quebrar, não há especialista que corrobore uma história dessas. Mas, se a reforma não serve para equilibrar as contas, para que realizá-la? Esta anedota de Pardal pode iluminar um pouco o raciocínio:
"Eu ouvi de um companheiro da própria CTB uma história interessante. Aconteceu em uma reunião do Conselho Social da Previdência Social. Apareceu um menino dessa Secretaria da Previdência [que agora está no Ministério da Fazenda], e perguntaram: “O aconteceu com a palavra ‘Social’ da ‘Previdência?’. E ele respondeu: ‘Ué, isso é para não deixar dúvidas do que é que nós queremos. Nós queremos fomentar a previdência privada, tá bom?’”
 
A admissão é perfeita em sua simplicidade. Aniquila-se a Previdência Social para que os trabalhadores brasileiros, temerosos pelo próprio futuro, transfiram o dinheiro para os serviços de previdência privada oferecidos pelo mercado financeiro. Mesmo que apenas parte do orçamento anual de R$ 493 bilhões seja redirecionado para os bancos privados, o setor apresentará crescimento explosivo no longo prazo – e ganhará, com isso, ainda mais controle sobre os rumos políticos do Brasil.
Quem continuar no sistema público encontrará um cenário cada vez mais descompensado e incapaz de cumprir com suas obrigações, com benefícios cada vez menores e sujeitos a interrupções, até que se encontre alguma forma de financiá-los. Esse desequilíbrio, por sua vez, dará ainda mais incentivo para que os trabalhadores migrem para o sistema privado, alimentando um ciclo vicioso.
“Economicamente, para o país, é a pior coisa que poderia acontecer. A função de redistribuição do Regime da Previdência Social é certeira e secular, todo mundo sabe que ela é importante. Todo mundo sabe que quando um monte de gente veio do nordeste trabalhar na nossa área industrial, construir um monte de coisas aqui, e voltou aposentado para sua cidade, movimentou a cidade, fez transferência de renda, moveu municípios… é um negócio histórico no Brasil”, analisa Pardal.
Míseria e instabilidade fiscal
Ele faz a pergunta central: como isso continuará a acontecer quando o sistema de Seguro Social for atomizado? Sem a participação de todos os brasileiros em um mesmo sistema, políticas como a indexação dos benefícios aos salário mínimo e a concessão de auxílio-doença se tornarão inviáveis no longo prazo. E o que vai acontecer quando algum desses fundos privados entrar em colapso? Todos os clientes perderão a aposentadoria? O governo vai cobrir o rombo com um dinheiro que nunca recebeu?
 
Não há cenário em que essa reforma não aumente a incidência de miséria e instabilidade fiscal sobre o país. Assim como não há cenário em que a elite financeira não aumente seus lucros já explosivos.
A propaganda mentirosa do Planalto, no entanto, criará um enredo em que a reforma de Michel Temer aparece como “inevitável”, “prudente”, “emergencial”. Ela será propagada por mercenários da mídia, pois esses são financiados exatamente por quem tem a ganhar com o desarranjo. Será preciso uma articulação muito ampla da classe trabalhadora para impedirmos essa história de ser aceita pela maioria.
“[Michel Temer] vai destruir o sistema, esse cara em dois anos vai detonar a economia brasileira de vez. A gente vai ter que responder a tudo isso, ver qual a possibilidade de resistência. A reforma é uma mentira e a gente pode parar o país”, concluiu Pardal. Não há dúvida.