Arruda Bastos: Chape, da tragédia à esperança

“A tragédia despertou atitudes de solidariedade em todo o mundo. Sentimento este adormecido no coração de muitos que, nos dias atuais, cultivam o radicalismo, o individualismo e a falta de carinho. Esta chama que se acendeu deve ser ampliada. A esperança de um mundo melhor e uma convivência entre os povos, com mais respeito e amor, deve ser cultivada”.

*Por Arruda Bastos

Colombiano segura vela com distintivo da Chapecoense em homenagem no Estádio Atanásio Girardot, em Medelim

Muito se tem escrito sobre a tragédia que vitimou jornalistas, jogadores, dirigentes, comissão técnica e membros da tripulação do vôo da empresa Línea Aéria Mérida Internacional de Aviación (LaMia). A sigla, na literatura européia, significa um ser mitológico de uma mulher que viveria de sugar almas de homens e assustar crianças. Não sabemos se os donos da empresa tiveram alguma inspiração na mitologia ou se é apenas uma coincidência. Isso também não importa, é só uma curiosidade e um exemplo do que se tem divulgado na imprensa.

Não vou falar do trágico acidente, mas dos fatos que se seguiram ao ocorrido. Não temos dúvida de que a cidade de Chapecó vive o seu pior pesadelo. E não é para menos, pois o desastre aéreo foi o maior do futebol, chocou o país e o mundo. O balanço de 71 mortes das 77 pessoas a bordo é devastador. A união de todos, não só do esporte, mas de diversos segmentos vem aliviar um pouco o sofrimento. União esta que era uma das características do símbolo da Chapecoense, do Índio Condá.

A Arena da Chape também homenageia Condá, um dos grandes nomes dos Kaingang em Santa Catarina. Diz a história que o cacique lutou tenazmente para que seu povo permanecesse nas terras de seus ancestrais. Os colonizadores tentavam expulsá-los e se apoderar do seu território. Hoje, a Aldeia Condá fica a aproximadamente 15 quilômetros do centro de Chapecó e seu nome é visto como símbolo de união e paz. Vitorino Condá tinha como principal virtude a força das suas convicções. O espírito dele, sem dúvida, inspirava todo o elenco da Chapecoense.

A tragédia despertou atitudes de solidariedade em todo o mundo. Sentimento este adormecido no coração de muitos que, nos dias atuais, cultivam o radicalismo, o individualismo e a falta de carinho. Esta chama que se acendeu deve ser ampliada. A esperança de um mundo melhor e uma convivência entre os povos, com mais respeito e amor, deve ser cultivada. As manifestações do povo colombiano foram extraordinárias. Adversário da Chapecoense na final da Copa Sul-Americana, o Atlético Nacional, solicitou à Conmebol que o título da competição ficasse com a equipe catarinense. Foi também emocionante ver seu estádio lotado em solidariedade às vitimas. Colômbia nos representa!

Mas o exemplo maior de força veio de quem menos se esperava e, em uma cena que emocionou a todos, a mãe do goleiro Danilo, vitimado no acidente, consolou o repórter Guido Nunes, do canal de televisão SporTV. Apesar de sua dor, Dona Alaíde se solidarizou com as famílias e amigos dos jornalistas mortos. Sempre estão as mães a consolarem o mundo, mesmo quando todas as dores estão consigo. Aí novamente o espírito de Condá se manifestou com toda a força.

Emocionante também foi a chegada dos corpos em Chapecó, o cortejo pelas ruas e, principalmente, a solenidade no estádio. O Brasil e muitos países acompanharam consternados tudo que ali acontecia. As lágrimas a cair demonstravam a tristeza e a lamentação de todos. Até São Pedro não se conteve e deixou rolar céu abaixo cataratas de chuvas, como a confirmar o sentimento de todos. Aqui, com essa lembrança de um Ser superior, digo que devemos nos apegar a Deus para nos Seus ensinamentos procurarmos o consolo que o momento requer.

A solidariedade de todos no Brasil e no exterior nos faz crer que nem tudo está perdido. Nesse mundo de materialismo, individualismo e insensibilidade ainda existe um rasgo de esperança, amor e carinho. Na letra oficial do hino da Associação Chapecoense de Futebol encontramos “Nas alegrias e nas horas mais difíceis; Meu furacão, tu és sempre um vencedor”. É com essa mensagem de luta, união e força que termino meu artigo, ao mesmo tempo em que me solidarizo com todos os amigos, familiares das vítimas e o povo brasileiro. Força Chape!

*Arruda Bastos é médico, professor universitário, escritor, radialista, ex-secretário da Saúde do Estado do Ceará e um dos coordenadores do Movimento “Médicos pela Democracia”.

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