Os Sopranos, reflexo do mal-estar na sociedade contemporânea

Em tempos de Donald Trump, de Brexit, de homens médios, de América profunda, tempos daqueles que não estão à frente Os Sopranos oferece um interessante reflexo do mal-estar na sociedade contemporânea.

Por Carolina Maria Ruy*

Os Sopranos - Divulgação

A série acompanha a vida de Tony Soprano, um ítalo-americano que vive em Nova Jersey.

Tony se torna chefe da máfia e, paralelamente, começa a fazer terapia, porque sofre de ataques de pânico. Assim, ao mesmo tempo que a série mostra o dia a dia da máfia e a vida privada dos mafiosos, ela é permeada por uma autorreflexão do seu protagonista. Ele não se ressente por suas atividades ilícitas, mas carrega rancores calcados na tortuosa relação com a mãe, com o pai e com a irmã mais velha. Chega a afirmar que poderia ser uma pessoa comum e que se tornou mafioso porque, naturalmente, seguiu o caminho do pai.

A terapia do chefão da máfia, neste caso, está mais para tragédia do que para a comédia de A máfia no divã (filme lançado no mesmo ano do início da série). Aliás, referências à filmes sobre a máfia como Os Infiltrados e os Bons Companheiros aparecem diversas vezes, para alegria dos cinéfilos.
Ao clássico O Poderoso Chefão a série mais do que faz referência. O filme é citado diversas vezes, fazendo um contraponto da história.

Por exemplo: em uma cena em que Tony sofre discriminação dos vizinhos – mais brancos e menos italianos que ele – um deles, com ironia, pergunta "você acha que O Poderoso Chefão é realista?".

Em outra cena, seu filho A.J. diz sempre se emociona na cena em que Michael Corleone vinga o atentado contra Vito, atirando a sangue frio nos bandidos que o atingiram. Tony responde: "Mas é apenas um filme, A.J.". Como se aquilo não fosse somente uma série. Fosse a vida.

Este contraponto é interessante, uma vez que o filme de Francis Ford Coppola se tornou um imaginário comum sobre a máfia: gente sisuda, endinheirada, alinhada e que segue um rígido código de honra.

A família da série, por sua vez, é mais mundana. Mais brega. Tenta se enquadrar nos padrões da classe média. E sua organização tem mais falhas.

Seu tio, Júnior, remanescente da era de ouro do crime, ainda aparece sempre alinhado, elegante e, ao mesmo tempo, frio e implacável.

Curioso que o mesmo ator que faz o tio Júnior participou do filme O Poderoso Chefão. Mais uma vez o paralelo. Como se em “O Poderoso” a máfia estivesse no auge e, em Sopranos, estivesse já amalgamada na sociedade americana, um tanto decadente.

Embora a história se desenvolva em cima do tema da máfia, ela é mais para intimista do que para um programa “de ação”. Existe a violência, o crime e até o erotismo. Mas o foco são as relações pessoais e a auto avaliação do chefe da Máfia.

Tony Soprano é um dos personagens mais complexos e bem elaborados da TV. Se não fosse criminoso, assassino, agiota, e não vivesse com dinheiro ilícito, ele seria um exemplo de ser humano. Um cara legal, sensível, bonachão, humano, família. Um cara em quem se pode confiar.

Há sempre uma atmosfera de inadequação da família. Eles têm muito dinheiro, mas não usam cartões, só dinheiro vivo. Vivem em uma mansão, mas que é antiquada e fora de moda. São racistas, machistas preconceituosos. Ainda assim, simpáticos. Mas, se despertam simpatia é sempre bom lembrar da luminosa Adriana, a Ade, que sofreu muito por acreditar nas pessoas…

Em setembro de 2016 a revista Rolling Stone norte-americana elegeu as 100 melhores séries feitas até hoje. Grandes roteiristas, diretores, produtores e atores fizeram suas indicações para a lista. Não foi a primeira vez que a série Os Sopranos ficou no primeiro lugar de uma lista como esta. Figurar no topo, depois de tanto tempo, de tantas excelentes séries, não é pouca coisa.

Minha suposição é que o brilhantismo da série é sua sutileza em colocar no centro de sua trama a dificuldade em viver neste mundo (parafraseando Paulinho da Viola“mas é preciso viver, e viver não é brincadeira não”).

Embora a Tony, Carmela, A.J. e Meadow Soprano tenham tudo o que o dinheiro pode comprar, suas vidas são um constante vir a ser. Trata-se de uma felicidade que está à frente de seus olhos, mas que eles não podem pegar. Talvez seja essa melancolia, esse mal-estar social e esta constante busca de sentido que capte tantos corações e mentes. Por isso então, talvez, a série é sempre lembrada como a melhor de todos os tempos.

Os Sopranos

Criador: David Chase

Transmissão no Brasil pela HBO de 20 de agosto de 1999 a 26 de agosto de 2007. 6 temporadas e 86 episódios

Elenco: James Gandolfini, Lorraine Bracco, Edie Falco, Michael Imperioli, Dominic Chianese, Steven Van Zandt, Tony Sirico, Robert Iler, Jamie-Lynn Sigler

Assista ao trailer: