Bresser -Pereira e Lucas Dib: PEC 55 contraria Ulysses Guimarães

Em 5 de outubro de 1988, do alto da tribuna do Congresso Nacional, o Deputado do PMDB Ulysses Guimarães, o Senhor Diretas, segurou a nova Constituição Federal nas mãos e afirmou que, no que tangia à Constituição, a nação havia mudado.

Por Luiz Carlos Bresser-Pereira e Lucas José Dib

Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição Cidadã condenou os traidores da pátria

Segundo Dr. Ulysses, a Constituição “mudou na definição dos poderes; mudou restaurando a Federação; mudou quando quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa.” A Constituição de 1988, o grande produto final da redemocratização, consagrou, ao lado da democracia, o Estado do Bem-estar social como grande conquista da sociedade brasileira.

Vinte e oito anos se passaram, e hoje, em 2016, boa parte dos congressistas e políticos, liderados pelo PMDB, PSDB, PP, DEM e PSD, afirmam que, no que se refere à nação, a Constituição precisa mudar. Que para o bem geral precisamos, através da PEC 241, congelar as despesas do Estado, sujeitando educação, saúde, previdência e salários a cortes reais durante os próximos 20 anos.

Sabemos sobre a ineficiência do Estado, mas mesmo assim os serviços coletivos e gratuitos ou quase gratuitos que o Estado provê são muito mais eficientes (aumentam mais o bem-estar e a segurança das pessoas) do que os serviços individuais prestados por pessoas e empresas em troca de pagamento. A demonstração deste fato é o custo dos cuidados de saúde nos países ricos. Enquanto nos principais países europeus, onde o serviço é público e universal, esse custo é de 11% do PIB, nos Estados Unidos onde os serviços são privados e ainda não abrangem toda a população, o custo é de 17% do PIB.

Não obstante é preciso fazer com que a oferta de serviços e bens públicos seja muito mais eficiente. Eficiência, que, aliás, consta na mesma Constituição Federal como princípio que os administradores públicos devem seguir. Entretanto, para alcançarmos eficiência, e para ampliarmos – seguindo a lógica da democratização – os espaços institucionais de discussão de como os recursos públicos devem ser gastos, ou quais são as prioridades dos gastos públicos, – se o reajuste do judiciário, ou o aumento de repasse para a merenda escolar (e assim por diante) -, não precisamos congelar as despesas, principalmente em uma época onde a população clama por serviços universais de bem-estar.

O governo, ao procurar impor a PEC 241 está assinando uma confissão de incompetência em administrar o Estado. Certamente, quando falta o conhecimento e falta vontade de servir à nação, é mais fácil cortar, do que bem administrar. Mas os bons políticos e os bons gestores, além de coragem, espírito republicano e visão de longo prazo, precisam ser competentes.

O PMDB ao apoiar esse tipo de política, a PEC 241, vai contra o que seu mais importante líder de todos os tempos, o deputado Ulysses Guimarães, – que, aliás, dá nome à Fundação partidária do PMDB, a Fundação Ulysses Guimarães – defendeu, e certamente, defenderia se ainda estivesse vivo.

Para sabermos o que pensava Dr. Ulysses basta relembrarmos suas palavras ao tomar posse como presidente da Assembleia Nacional Constituinte, e depois, em seu discurso de promulgação da Constituição Federal de 1988: “A assistência do Estado é um serviço que ele presta aos cidadãos e estes, quando dela necessitem, não devem suplicá-la, mas, sim, exigi-la, como um direito irrecusável. Assistir não é amparar, nem proteger. É cumprir uma tarefa inerente ao Estado.[…] O Estado de direito, consectário da igualdade, não pode conviver com estado de miséria. Mais miserável do que os miseráveis é a sociedade que não acaba com a miséria.”.

Eu sei que há uma pressão contínua da sociedade para que aumentem os gastos do Estado, e que é preciso enfrentar essa pressão. O objetivo da PEC 241 é esse, mas ela tenta alcançá-lo de maneira irracional porque indiscriminada. É preciso cobrar competência dos políticos e administradores públicos, pois estes devem entrar na política para servir ao povo, e não se servir do povo. A nação brasileira merece mais!