Uma leitura geopolítica sobre a vitória de Trump

Este artigo surge a partir da comoção mundial em relação ao triunfo de Donald Trump nos Estados Unidos. Pretendo abordar alguns pontos para ter uma leitura geopolítica de um fato que marca um antes e um depois no cenário global.

Por Juan Manuel Karg

Donald Trump - Divulgação

1 – A população não vota com expectativas no cenário internacional

Se valoriza o cenário interno, independente das deturpações que os meios de comunicação e as redes sociais possam criar sobre isso. Os grandes conglomerados midiáticos do mundo, igual ao sistema financeiro internacional, esperavam outro resultado: o triunfo de Hillary Clinton. O mesmo que aconteceu na Colômbia e na Grã Bretanha com o plebiscito pela paz e o Brexit, respectivamente.

2 – Trump ganhou o voto da classe trabalhadora industrial falando contra os direitos trabalhistas

Este elemento foi considerado pela mídia de massa internacional: atrás do pirotécnico xenófobo também havia um candidato que se dirigia a um setor desencantado pelo “fim do sonho americano”, depois da crise iniciada em 2008.

Não foi muito criativo: usou o mesmo slogan que a dupla [Donald] Reagan-Bush [George H. Bush] em 1980: “façamos a América ótima novamente”, o que também coincide com a visão de inserção global dos Estados Unidos. Mas assim ganhou em estados chave como Florida e Carolina do Norte, e industriais como Ohio que influenciaram no resultado final. Teve uma contundente votação no interior do país, na contramão dos grandes centros urbanos que lhe deram as costas por conhecer seus exageros.

3 – Há um enfraquecimento dos EUA no plano internacional

Trump ganhou questionando o Nafta, acordo comercial firmado por Bill Clinton em 1994 com o México e o Canadá. Também mostrando-se contrário ao TTP (Acordo Transpacífico) que Obama impulsionou em detrimento da China. Sua perspectiva, ao menos discursiva, foi de isolamento. Estas duas variáveis podem explicar a tranquilidade de Moscou e Pequim diante do novo cenário aberto, que confirma o enfraquecimento da hegemonia em queda.

A Rússia espera um enfraquecimento da estratégia intervencionista dos EUA: faz a leitura de que a população pediu a Trump que foque nas fronteiras internas e abandone aventuras como Líbia e Síria, patrocinadas pela ex-Secretária de Estado derrotada nas urnas, Hillary Clinton.

4 – América Latina espera com incerteza

Em nossa região, algumas chancelarias – não particularmente as de governos progressistas ou de esquerda – jogaram todas as suas fichas em um hipotético triunfo de Hillary. Fizeram o que pediam as instituições, a mídia de massa e o sistema financeiro internacional.

Também são perdedores nesta disputa: chegaram tarde e se jogaram fundo, algo que normalmente será cobrado (não em termos econômicos, mas políticos). Um erro monumental na diplomacia que não é bom naturalizar.

Uma das incertezas mora na normalização diplomática que Washington planejava com Havana sob a capitania do próprio Obama: o que vai acontecer com este processo? Cairá por terra?

5 – É necessário voltar a interpretar o cenário internacional

A eleição de Trump abre caminho para uma leitura: por trás dos colapsos institucionais que se verificam na União Europeia e nos Estados Unidos, a saída – parcial – parece vir de outsiders conservadores.

Há um déficit induvidável nos contrapontos, ao menos eleitoralmente: Jeremy Corbyn não foi beneficiado com o Brexit (ainda que tenha voltado a ganhar a disputa interna de seu partido com comodidade); o Podemos não foi beneficiado com a eleição de 2016 na Espanha (ainda que o voto do Psoe ao governo de Mariano Rajoy fosse a única alternativa real), e as projeções de Jean-Luc Mélenchon na França para as eleições presidenciais parecem ser limitadas.

Não temos nem o que falar de Bernie Sanders, que depois de uma eleição interna descomunal teve que deixar que Hillary fosse quem enfrentaria o pirotécnico Trump, pela eleição dos “superdelegados” democratas (em detrimento de grande parte da base democrata que acompanhou com entusiasmo essa tentativa de “revolução política”).

A “direita” parece interpretar melhor que a “esquerda” a atual onda, alimentando-se de lugares comuns e medos (por acaso o debate sobre os refugiados na União Europeia, onde o papa Francisco tem uma posição mais progressista contra os muros é muito diferente dos disparates de Trump sobre o México?) e também de vantagens objetivas (mais recursos e pragmatismo). A tarefa das forças nacional-populares, progressistas e de esquerda da região é interpretar o momento histórico que se abre com esta eleição e proporcionar os mecanismos para tornar competitivas as opções que se propõem como uma ordem alternativa, sem renunciar as bandeiras de justiça social.