Katianne Wirna: A democracia entra em greve

"Em sendo a greve um direito fundamental, não se pode admitir que o seu exercício consista na renúncia de outro direito fundamental, o da própria subsistência. Greve com corte de salário pelo patrão não é direito; é castigo, uma barbárie institucionalizada”.

Por *Katianne Wirna

Supremo Tribunal Federal

Especial de Direito Sindical do Conselho Federal da OAB Inicialmente, esclareça-se que o instituto da greve, tão decisivo no processo de redemocratização do nosso País, apenas na Constituição de 1988, foi alçado a direito fundamental e importante instrumento de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores na relação capital e trabalho.

Os regimes constitucionais anteriores à Carta de 88 não só restringiam de forma considerável a greve nas atividades normais como também vedavam aos servidores públicos o direito à organização sindical e, consequentemente, ao exercício do direito de greve. A Constituição Cidadã de 1988, em seu art. 37, VII, reparou o erro histórico e garantiu, expressamente, aos servidores públicos civis o direito de greve, sem qualquer exclusão, admitindo-se limites apenas no tocante aos percentuais de continuidade dos serviços, para fins de atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade, nos termos do art. 11 da Lei de Greve, aplicável aos servidores públicos pelo próprio STF (MI 72), em virtude de inexistência de lei que estabeleça os contornos de greve no serviço público.

Recentemente, em controvertida decisão, o STF considerou legítima a possibilidade de órgãos públicos cortarem o salário de servidores em greve, desde o início da paralisação. Trata-se de restrição afrontosa ao exercício de um direito constitucionalmente garantido, ainda mais quando inexiste permissivo legal para o Estado, por ato unilateral, cortar salários dos servidores em greve. Os descontos dos dias parados não são permitidos no caso de greve, salvo quando ela é declarada ilegal pelo Poder Judiciário.

Em sendo a greve um direito fundamental, não se pode admitir que o seu exercício consista na renúncia de outro direito fundamental, o da própria subsistência. Greve com corte de salário pelo patrão não é direito; é castigo, uma barbárie institucionalizada.

A limitação imposta pelo STF à greve, numa visão panorâmica do Direito, consiste não apenas em temerária violação ao princípio da vedação ao retrocesso das conquistas sociais, mas, principalmente, à própria democracia.

*Katianne Wirna é advogada trabalhista, vice-presidente da Comissão Especial de Direito Sindical do COnselho Federal da OAB.

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