M.Officer é condenada por manter pessoas em condições de escravidão

Condenação em primeira instância prevê pagamento de R$ 6 milhões. Juíza acatou a maior parte dos argumentos dos procuradores e descartou a versão da defesa.

Quarto em que um dos trabalhadores resgatados costurando para M.Officer vivia - Foto: repórter brasil

A empresa proprietária da marca de roupas M.Officer, a M5 Indústria e Comércio, foi condenada em primeira instância a pagar R$ 6 milhões por submeter trabalhadores a condições análogas à de escravidão. A sentença, de 21 de outubro, mas divulgada nesta sexta-feira (7), resultou de ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo em 2014 contra a empresa, após oito bolivianos terem sido encontrados em condições degradantes em uma oficina que fazia roupas para a marca.

A juíza do Trabalho Adriana Prado Lima determinou que a M5 pague R$ 4 milhões por danos morais coletivos e mais R$ 2 milhões por dumping social (quando uma empresa se beneficia dos custos baixos resultantes da precarização do trabalho para praticar a concorrência desleal). 

“Não é possível, pois, deixar de responsabilizar as grandes empresas do final da cadeia produtiva pela manutenção deste sistema exploratório, que não pode ser tolerado, seja com relação a imigrantes, seja em relação a brasileiros. Procedem os pedidos [do Ministério Público do Trabalho]. As denúncias de imigrantes clandestinos mantidos em cativeiros ou em situação análoga a de escravo em oficinas clandestinas de São Paulo são uma realidade e têm sido uma constante nos jornais paulistano, a partir dos anos 2000”. (…). É fato incontroverso que a ré se utiliza da prestação de serviços deste segmento social, ainda que alegue se tratar de um contrato mercantil de compra e venda com as empresas de confecção intermediárias, que por sua vez mantêm contrato de facção com as oficinas de costura", disse a juíza na decisão.

Ela determinou, ainda, que a empresa cumpra uma série de obrigações como: garantir meio de ambiente de trabalho seguro e saudável; condições dignas de alojamento e acesso a direitos trabalhistas como piso salarial e anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social; respeitar normas trabalhistas referentes a jornada de trabalho; não permitir a exploração do trabalho de crianças e adolescentes, retenção de documentos e trabalhos forçados e não se aproveitar da vulnerabilidade social e econômica dos trabalhadores para reduzir custos com mão de obra.

Para o procurador Rodrigo Castilho, atual responsável pelo caso, a decisão é um marco na Justiça do Trabalho. “O resultado da ação abre um precedente importante e fortalece a luta pela erradicação do trabalho escravo. Este é o primeiro caso julgado procedente desde a promulgação da Lei 14.946/2013 (Lei Bezerra), que pune empresas paulistas que utilizarem trabalho análogo à escravidão em seu processo produtivo com a cassação da inscrição no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em sua sentença, a juíza determina também que a decisão seja encaminhada à Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae) e à Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo para que tomem as providências cabíveis para a aplicação da lei.

Segundo o MPT, a M5 utilizava empresas intermediárias para subcontratar o serviço de costura, realizado em grande parte por imigrantes em oficinas clandestinas submetidos a jornadas excessivas em condições precárias, sem qualquer direito trabalhista.

Em um desses locais, descoberto em diligência conduzida no dia 6 de maio de 2014 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em atuação conjunta com MPT, Defensoria Pública da União (DPU) e Receita Federal, constatou-se que os trabalhadores ganhavam de R$ 3 a R$ 6 reais por peça produzida e cumpriam jornadas médias de 14 horas (bem mais do que o limite legal de oito horas). Os seis bolivianos resgatados pouco falavam português e viviam com suas famílias no mesmo local de trabalho, costurando em máquinas próximas à fiação exposta, botijões de gás e pilhas de roupas (representando grave risco de incêndio). Alguns afirmaram ainda estar pagando pela passagem ao Brasil com o “salário” recebido pelas peças costuradas, o que, segundo o MPT, poderia ser indício de tráfico de pessoas para fins de trabalho.

Comunicado da empresa

No dia 10 de novembro, em comunicado público enviado ao Portal Vermelho, a assessoria de imprensa da M.Officer negou a existência que tenha sido condenada pelo crime. Segundo a empresa, por duas vezes, a Justiça do Trabalho não puniu a M5 em ação semelhante. "E as empresas fornecedoras com quem a M5 manteve ou mantém relação mercantil também jamais foram condenadas por reduzir empregados à condição análoga à de escravo. É fato, portanto, que o ramo do Poder Judiciário competente para analisar a existência da redução à condição análoga à de escravo sequer apresentou denúncia e, portanto, nunca houve condenação da M5".