Será mesmo que só o governo de Nicolás Maduro tem o que ceder?

Um verdadeiro diálogo, uma negociação política sincera pressupõe concessões de ambos os lados. No caso venezuelano, a primeira sessão do diálogo estabeleceu que quatro mesas temáticas, mediadas pelo Vaticano e pelos ex-presidentes Zapatero (Espanha), Fernández (República Dominicana) e Torrijos (Panamá), tratariam temas como direitos humanos, direitos políticos, situação econômica e social, enfim todos os principais assuntos que hoje preocupam a sociedade do país.

Por Max Altman

Nicolás Maduro - Divulgação

Segundo a pesquisa da Hinterlaces, 85% dos venezuelanos desejam que vias sinceras de diálogo se desenvolvam entre governo e oposição. O governo, num gesto a favorecer o clima de boa vontade, libertou cinco oposicionistas que haviam sido presos por vários motivos e ainda não submetidos à justiça. Por seu lado, a oposição com assento na Assembleia Nacional, a pedido do papa Francisco, resolveu, a contragosto dos partidos Voluntad Popular de Leopoldo López e Vente Venezuela de Maria Corina Machado, suspender o julgamento sobre a responsabilidade do presidente Maduro na crise do país e cancelou a marcha convocada para esta quinta-feira (3) em direção ao palácio presidencial de Miraflores.

Diante da perspectiva de que o diálogo possa resultar em algo alentador para a Venezuela, o colunista Clóvis Rossi da Folha de S.Paulo in “Na Venezuela, só o governo tem o que ceder em diálogo” (Mundo, A16, ed. 2 de nov.) chega à conclusão que “a lógica indica que o diálogo não prosperará”. Rossi não é ingênuo. Veterano e qualificado repórter, conhece bem a história e a conjuntura dos países de nossa sofrida América Latina. A opinião manifestada traduz o desejo de que o diálogo fracasse, que a polarização se aprofunde e que a solução seja encontrada numa eventual intervenção externa. Como entender de outra forma o último parágrafo de seu artigo “É razoável supor que Shannon [Thomas Shannon, habilíssimo diplomata norte-americano que desembarcou em Caracas, com o objetivo explícito de apoiar o diálogo, segundo Rossi] tem informações que indicam que o regime chegou ao limite e só pode recuar ou levar a Venezuela ao mais profundo dos infernos”.
Será mesmo que só o governo Maduro tem o que ceder?

Vamos falar de ações que essa mesma oposição e esses mesmos personagens – Ramos Allup, Henrique Capriles, Maria Corina Machado, Leopoldo López, Antonio Ledezma, Julio Borges, só para citar alguns mais notórios – protagonizaram, não faz muito tempo, de 14 anos atrás aos dias de hoje. Uma ampla e contínua folha corrida de golpes contra a democracia. Golpe de Estado em abril de 2002 que derrocou por 72 horas o presidente legítimo e constitucional e que a massa nas ruas permitiu que tropas fiassem o trouxessem de volta.

Os golpistas rasgaram violentamente a Constituição redigida por uma Constituinte convocada por plebiscito popular tendo sido a Carta Magna referendada também pela vontade popular. Derrotada, a oposição golpista organiza um locaute geral, centrado na paralisação da Petróleos da Venezuela, responsável por mais de 90% dos ingressos em moeda forte, que durou de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003. Essa ação de sabotagem, além de causar sofrimento e transtornos, especialmente à população mais pobre, causou prejuízos à nação de mais de 20 bilhões de dólares.

Em 2004, a oposição consegue reunir assinaturas para o referendo revogatório do mandato de Chávez. Fragorosamente vencida numa proporção de 59,36% a 40,64%, não reconheceu a derrota alegando fraude inexistente. Foi preciso a intervenção de organizações de observação eleitoral, como o Centro Carter, para tentar convencer a oposição da limpeza e transparência do pleito.
Em 2005, a oposição negou-se a participar das eleições legislativas alegando — de novo a mesma lenga-lenga antidemocrática — que elas seriam fraudadas.

Em 2006, Chávez venceu sua terceira eleição. A quarta ocorreu em 2012. Nesse período, a Venezuela assistiu a um extraordinário avanço social de inclusão e redução da pobreza, de universalização da educação e da saúde, de construção de centenas de milhares de habitações, etc., basicamente com os recursos da exportação do petróleo.

A vitória de Nicolás Maduro por estreita margem em abril de 2013, após a morte de Chávez, aumentou o furor da oposição. Inconformado com a derrota, Capriles, além de alegar de novo fraude, insuflou sua tropa para sair às ruas. Resultado de mais esta ação desestabilizadora: 13 mortos. Em janeiro de 2014, a oposição de direita mais extremista de Leopoldo López, Maria Corina Machado e Antonio Ledezma tentam derrocar Maduro com a convocação, denominada La Salida, de ações violentas fascistas de rua de que resultaram 43 mortos e mais de 800 feridos além de sérios danos a bens públicos e privados.

Agora, a oposição usa a vitória nas eleições legislativas com o único objetivo de derrubar Maduro da presidência. Henry Ramos Allup, presidente do Parlamento, afirmou e reafirmou que “dentro de seis meses, Maduro será derrocado”. Ajudar o país a sair da crise em nada interessava. Valeram-se de vários expedientes para aquele objetivo, todos derrubados pelo Tribunal Supremo de Justiça por inconstitucionais. Só se lembraram do referendo revogatório — previsto na Constituição — em maio e agora querem que o Conselho Nacional Eleitoral atropele os prazos legais e as regras eleitorais.
Rossi fala em presos políticos e cita Leopoldo López, sem cuja libertação o “diálogo não irá longe”. López foi condenado pela Justiça a 13 anos de prisão. Seu eventual indulto esbarra no pleito dos familiares das vítimas das ações comandadas por esse líder da oposição, que não admitem impunidade.

O colunista da Folha refuta a existência da guerra econômica. Mas ela é real e está presente. A par do contrabando além-fronteira de produtos essenciais e dos “bachaqueros” – gente que compra produtos a preços subsidiados pelo governo e os revende por preços bem maiores, há o açambarcamento e a sabotagem de bens pelos grandes empresários. O oligopólio ou monopólio dos importadores – e a Venezuela importa boa parte dos produtos consumidos – manipula o câmbio e esse é um dos grandes fatores da inflação. É fato também que a queda vertiginosa do preço do petróleo diminuiu dramaticamente o ingresso de divisas e com isso a capacidade do governo importar a quantidade necessária de bens, provocando o desabastecimento. E sem negar a realidade, houve erros do próprio governo na condução da economia. Hoje, com o preço do petróleo beirando os 50 dólares, a situação está visivelmente melhor que há dois ou três meses.

Rossi não consegue sopitar sua idiossincrasia contra o PT comparando seu desastre eleitoral nas eleições municipais com a possível derrota eleitoral do chavismo em qualquer pleito futuro, só que, “na Venezuela, em crise incomparavelmente mais séria, o resultado seria uma derrota ainda mais espetacular do governo.” Acontece que o ‘voto castigo’ das eleições legislativas de dezembro de 2015 coincidiu com o auge da crise econômica – e salta à vista sempre que se aproximam eleições há um esforço da oligarquia em criar a sensação de caos e tentar desestabilizar politicamente o governo. E o ‘voto castigo’ pode não se repetir se a situação econômico-social melhorar, como está melhorando.

Agora, senhor Clóvis Rossi, há uma grande diferença que separa o PT e suas circunstâncias do chavismo. Chávez ao longo do tempo tratou de educar politicamente as grandes massas e hoje há uma grande parcela organizada do povo disposta a defender a todo custo a Revolução Bolivariana e suas conquistas. O chavismo conta ainda com uma boa rede de meios de comunicação com a qual trava a batalha de ideias.

Além de uma Constituição altamente progressista e democrática, as instituições como o Tribunal Supremo de Justiça, o Ministério Público, o Conselho Nacional Eleitoral vem resistindo aos arreganhos golpistas, mais recentemente à tentativa do golpe parlamentar. E as Forças Armadas, um ator sempre presente na história da Venezuela, têm se mostrado firme defensor do processo bolivariano, em defesa da autodeterminação do povo venezuelano e da soberania e independência da nação.