Penélope Toledo: Torcedor não é bandido!

Em menos de uma semana, foram três episódios de repressão às torcidas. No mais grave, um cruzeirense acabou morto dentro do Mineirão. Dias depois de 3 mil corintianos apanharem e serem presos no Maracanã, e de palmeirenses serem proibidos de se aproximar do estádio, por ordem da PM.

Torcida

Logo de saída, é bom que se diga: quem vai ao estádio para brigar, em vez de ir para torcer, tem que ser identificado pelos sistemas de segurança, responsabilizado por suas ações, julgado e condenado dentro da lei.

As torcidas organizadas (TO) também devem ter controle sobre seu quadro de associados e tomar providências internas para coibir violências, bem como expulsar os brigões.

O problema é a generalização, é estigmatizar todos os torcedores, é responsabilizar por CNPJ (instituição torcidas) e não por CPF (pessoas), é criminalizar as torcidas organizadas, é censurar o ato de torcer. O problema é não compreender que quem está na arquibancada faz parte do espetáculo futebolístico e merece respeito.

Torcedores se unem para torcer junto

Futebol é festa e festa se faz coletivamente. Os primeiros grupos que se têm notícia no Brasil foram de mulheres, esposas dos jogadores do Atlético-MG, que na década de 1920 iam aos estádios uniformizadas e com bandeirinhas.

O marco de TO nos moldes atuais é considerado por alguns estudiosos o Grêmio Sampaulino (que virou Torcida Uniformizada do São Paulo/ Tusp), em 1939, criado por Manoel Raymundo Paes de Almeida, um dos fundadores do SPFC. Para outros, é a Charanga do Flamengo, fundada em 1942 em um Fla-Flu, por músicos que formaram uma banda e passaram a tocar nos jogos.

Depois surgiram torcidas que também reivindicam direitos. A Gaviões da Fiel, criada em 1969 para derrubar o presidente Wadih Helu, se somou à luta contra a ditadura militar. E a Ultra Resistência Coral, do Ferroviário-CE, criada em 2005, foi a primeira antifascista do país, de muitas. Seu lema é: “Nem guerra entre torcidas, nem paz entre classes”.

Torcidas organizadas são movimentos sociais

Torcida organizada é sociedade civil organizada e como tal, tem força política para reivindicar e conquistar direitos no futebol e na sociedade. Prova disto é a campanha “Jogo 10 da noite, não!”¹, provas disto são a “CPI da merenda”, em SP, e a luta contra o monopólio da Globo.

Em parte para desmerecê-los perante a opinião pública, em parte para justificar os excessos cometidos contra eles, todos os movimentos sociais são criminalizados: os estudantes são “baderneiros”, os sindicalistas são “vagabundos”, o MST é “invasor” etc. Com as TOs, não é diferente: “bandidos”.

A construção da imagem negativa se dá na superexploração das cenas de torcedores brigando. O mesmo não acontece com os trabalhos sociais desenvolvidos pelas TOs, como campanhas de doação de sangue, agasalhos, alimentos e brinquedos, cursos e eventos beneficentes, carnaval etc, que são ignorados pela mídia.

Assim, além de associar torcida a violência no imaginário popular, contribui para a aproximação dos brigões, visto que eles vão onde acreditam que vá ter briga e a mensagem é que este lugar são as TOs. Também contribui para jogar uma torcida contra a outra, em vez de uni-las na defesa de interesses comuns.

Torcer não é crime

Mesmo quando não há briga ou não é torcida organizada, o ato de torcer está sendo censurado. Não pode faixas, não pode bandeiras, não pode tambor, não pode instrumentos musicais, não pode camisas de torcidas organizadas, não pode sinalizadores (ver “A dura marcação sobre o 12º jogador”).

O motivo, portanto, não é a violência. Inclusive porque ela está em todos os lugares, não nasce no futebol. Tem brigas no trânsito, nos bailes, nas escolas, nas Igrejas e templos, e até dentro das casas! São mais de 60 mil homicídios anuais, segundo a Anistia Internacional em 2016, dos quais só 8% são punidos (Ministério da Justiça). A violência está na sociedade, as torcidas são apenas reflexo.

Acabar com as torcidas organizadas não resolve, tratar todos os torcedores como bandidos não resolve.

E nos tempos sombrios que se anunciam no pós-golpe, toda e qualquer repressão por parte do Estado tem que nos fazer acender o sinal de alerta. Engana-se quem pensa que é com torcida A ou B. É com todos/as nós.

¹ – Campanha “Jogo 10 da noite, não!¹”: