ONU deve combater a sonegação de impostos

A ONU não pode tolerar mais o escândalo das jurisdições secretas que facilitam a evasão fiscal, a corrupção e a lavagem de dinheiro.

Por Tharanga Yakupitiyage

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Um especialista da Organização das Nações Unidas (ONU) pediu à comunidade internacional que combata a sonegação de impostos e realize esforços reais para acabar com os paraísos fiscais, que fazem com que os Estados sejam privados de recursos essenciais para o financiamento de serviços básicos, para a proteção dos direitos humanos e do desenvolvimento mundial.

“A ONU não pode tolerar mais o escândalo das jurisdições secretas que facilitam a evasão fiscal, a corrupção e a lavagem de dinheiro”, afirmou à Assembleia Geral o advogado cubano-estadunidense Alfred de Zayas, especialista independente do foro mundial sobre a promoção de uma ordem internacional democrático e equitativa.

De Zayas mostrou números sobre os custos humanos da sonegação, apontando os bilhões de dólares mantidos em territórios externos para escapar da tributação, e como esse desvio limita os recursos necessários para combater a pobreza extrema e as consequências da crise climática, entre outros problemas urgentes.

Ele também descreveu este “saqueamento sistemático da sociedade” em um novo informe apresentado à Assembleia Geral, que concluiu que os paraísos fiscais guardam cerca de 32 bilhões de dólares, das mais variadas origens. Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento, esta prática custa aos países em desenvolvimento mais de 100 bilhões de dólares por ano.

Somente em 2011, os países em desenvolvimento do hemisfério Sul perderam quase 950 bilhões de dólares devido a movimentos financeiros ilícitos, incluindo a evasão de impostos. Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o montante foi sete vezes superior à ajuda oficial para o desenvolvimento enviada naquele mesmo ano, e consideravelmente mais que os custos estimados para se alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

A preocupação com o tema da evasão fiscal e as jurisdições secretas foi reavivada no mês de abril deste ano, quando o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, por sua sigla em inglês) difundiu os documentos que ficaram conhecidos como “Panamá Papers”, que revelaram como um bufê de advogados panamenhos ajudou a milhares de destacadas personalidades a criar empresas offshore secretas e a utilizar paraísos fiscais.

Dentro dos quase 12 milhões de documentos vazados está o caso da empresa Heritage Oil and Gas Ltd Company, que a firma panamenha Mossack Fonseca teria ajudado a evitar o pagamento de 404 milhões de dólares em impostos ao Estado de Uganda, através da triangulação de dinheiro no paraíso fiscal das Ilhas Maurício.

Para a Uganda, que tem serviços de saúde insuficientes e uma das mais altas taxas de mortes maternas no mundo, esses recursos sonegados representam mais que o se orçamento anual em saúde pública. A Mossack Fonseca nega ter cometido ilícitos.

O último vazamento publicado pelo ICIJ e os meios de comunicação associados revelou que políticos e outras personalidades utilizaram mais de 175 mil empresas offshore nas Bahamas, incluindo a ex-comissária da União Europeia, Neelie Kroes – a funcionária não declarou que era diretora de uma empresa offshore enquanto exercia o cargo público – e o atual presidente da Argentina, Mauricio Macri, cujos documentos envolvendo ele e seu pai, Franco Macri, estão sendo investigados pela Justiça do seu país.

Em maio, um grupo de 300 economistas enviaram uma carta aos governantes do mundo afirmando que não existe justificativa econômica para os paraísos fiscais, e que as offshore devem acabar.

“Este sistema global abusivo tem que chegar rapidamente ao seu final. Isso é o que se entende por bom governo, considerando o compromisso mundial com o desenvolvimento sustentável”, expressou Jeffrey Sachs, diretor del Instituto Terra, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e assessor especial do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

Sachs e outros especialistas destacaram a necessidade de se impor novas normas internacionais que exijam às empresas declarar publicamente as atividades sujeitas a taxação nos países onde operam.

Além da necessidade de melhorar a transparência, De Zayas instou a Assembleia Geral da ONU a tomar a iniciativa de escrever um convênio que proíba os paraísos fiscais e crie um órgão tributário intergovernamental dedicado a assegurar que as medidas do convênio sejam cumpridas, e que as multinacionais e os multimilionários paguem seus impostos, levando os que violam a lei à Justiça.

“A corrupção, o suborno, a fraude fiscal e a evasão de impostos têm efeitos tão graves contra a dignidade humana, os direitos humanos e o bem-estar humano, e afetam também a consciência da humanidade. Devem ser processados a nível nacional e internacional”, afirmou o advogado.

O especialista também apelou em favor da proteção dos denunciantes, que costumam ser as vias mais eficazes para descobrir os casos de sonegação.

“Os denunciantes, que devem ser considerados como defensores dos direitos humanos, já que contribuem de forma significativa a uma cultura de transparência e rendição de contas, costumam pagar um alto preço por suas revelações. O espírito de uma ordem internacional democrática e equitativa exige a adoção de uma legislação que proteja os denunciantes e testemunhas de eventuais represálias, proporcionando as vias seguras para se fazer essas revelações”, agregou De Zayas.

O advogado cubano-estadunidense também espera que o próximo secretário-geral – o português António Guterres, recém eleito – tome medidas enérgicas, já que tem uma “oportunidade única” para lutar contra a evasão fiscal e os movimentos financeiros ilícitos, e que, portanto, deveria convocar uma conferência mundial sobre o tema. Guterres substituirá Ban Ki-moon no cargo máximo da ONU, no dia 1 de janeiro de 2017.

“Espero sinceramente que a abolição das jurisdições secretas e a criação de uma Autoridade Fiscal das Nações Unidas, com poderes para lutar contra a evasão de impostos e proibir os paraísos fiscais, se encontrem entre as prioridades de Guterres”, destacou.

Tradução: Victor Farinelli